Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

segunda-feira, 27 abril 2020 06:21

“Colômbia II”: O drama de viver com o credo na boca

Pelo menos duas dezenas de livretes – para todas as marcas, gostos e feitios – pertencentes a proprietários de viaturas diversas, foram encontradas, espalhadas pelo chão, na manhã deste domingo, em frente a uma antiga serralharia, ora votada ao abandono.


A dita instalação situa-se na conhecida Rua Estácio Dias (que liga a Praça 21 de Outubro, no Alto-Maé, ao Mercado Fajardo), precisamente à saída de um beco que também se tornou “famoso”, não só devido aos assaltos que lá ocorrem quase que diariamente, mas sobretudo, por causa de um bar/“guest-house” que ali funciona, ostentando o sugestivo nome de “Becão” – o qual serve aos mais diversos propósitos, incluindo os obscuros.

Pelo estado em que se encontravam os livretes (molhados e enlameados), tudo fazia crer que os mesmos teriam sido ali despejados na noite anterior, e que teriam “apanhado” a chuva que se fez sentir na madrugada de sábado para domingo.


É enorme a probabilidade de se tratar de documentos contrafeitos.


“Carta” teve acesso a esse insólito, por mera casualidade, quando por ali passava. Na altura, apenas uma meia dúzia de mirones, todos eles moradores de edifícios circunvizinhos, se encontravam no local, porém, sem saber muito bem o que fazer.

Embora espantados com o tipo, e sobretudo a quantidade dos documentos “jogados fora”, os populares que connosco aceitaram falar dizem não ter dúvidas de que aquilo só pode ser “obra de um grupo de assaltantes de viaturas”, já que a zona é propensa à frequência desse tipo de gangs.


“Provavelmente estiveram a beber copos e a fazer sabe-se lá mais o quê, ali no “Becão” – que apesar do estado de emergência, funciona “à maneira” para uma determinada clientela – e ao saírem de lá, por qualquer motivo, decidiram livrar-se destes livretes”, disse-nos uma moradora da zona que pediu anonimato, acrescentado que assaltos e todo o tipo de malfeitorias são praticados naquele troço, quase todos os dias, assim que o sol se põe.

 

Um troço “sui generis”

O famigerado beco a que temos estado a fazer referência tem pouco mais de 25 metros de cumprimento (se tanto), por uns de cinco de largura. Tanto assim que só permite a passagem de um carro de cada vez. Sim, transitam viaturas por ali, apesar do lixo que se amontoa nas suas bermas, e das águas paradas que se acumulam cada vez que cai uma pequena chuva.

 

Aliás, grande parte dos chapeiros “batoteiros” que fazem a rota Xipamanine-Baixa, para evitarem o congestionamento que se regista na Praça 21 de Outubro, em horas de ponta, optam por entrar pela Estácio Dias, percorrem uns 100 metros até alcançarem o dito beco, onde fazem um “corta-mato” que lhes permite ir dar directamente à não menos conhecida Rua Irmãos Roby (justamente a que vai dar ao Xipamanine), na zona da também emblemática Padaria Serrano – que é também uma paragem.

No entanto, entre a saída do famigerado beco e a paragem dos chapas, há uma ruela, onde existe um “comboio” de prédios, em cujos passeios funcionam diversas oficinas – mecânicas, electrotécnicas, montadoras de sistemas de som, fazedoras de matrículas, car-washs, etc. – que empregam (?) imensos jovens e não só.


Àqueles serviços recorrem automobilistas dos mais diversos extractos sociais, desde o “sr. doutor” com a última 4x4, ao escriturário com o seu “dubaizinho”.

De acordo com a fonte que acima citamos: “muitos daqueles jovens não são mecânicos, nem electricistas, nem nada. Apenas acordam de manhã e vêm sentar nos muros daqueles prédios, não sabemos à espera de quê… São esses que, acreditamos nós, no final do dia, em vez de regressarem às suas casas, vêm até aqui ao beco, metem-se naquele bar (o “Becão”), embriagam-se, e depois saem para assaltar as pessoas que por aqui transitam”…


Chamam-lhe “Colômbia II”…

 

Como se não bastassem os assaltos e toda a gama de delinquência, que se registam actualmente, importa referir que há mais de duas décadas, a zona onde se situa o beco é popularmente conhecida por “Colômbia II”.


E porquê? Ora, está-se mesmo a ver: tráfico e consumo dos mais diversos tipos de estupefacientes. Já que existia a verdadeira “Colômbia”, na zona militar, esta foi baptizada de “Colômbia II”, pelos mesmos motivos.

Reza a história que até, sensivelmente, 4/5 anos atrás, não havia dia em que não aparecesse uma ou mais viaturas policiais a fazer buscas e capturas, recolhendo traficantes e até mesmo usuários que fossem encontrados nas diversas bocas de fumo.


Nessa altura, viviam na área vários cidadãos de origem tanzaniana, das mais diversas idades, a quem os “naturais” atribuem a culpa da popularização e propagação do tráfico.

Diz-nos a nossa fonte: “Os tais tanzanianos viveram aqui durante mais de uma década. Apareceram de repente, um atrás do outro, e foram alugando várias flats, especialmente naquele comboio de prédios… Eles é que traziam e vendiam a droga pesada, viciando assim muitos dos nossos jovens… Felizmente, tal como cá vieram parar, também se foram: um a seguir ao outro”.

Se alguns defendem que o tráfico de estupefacientes naquela zona terá reduzido drasticamente, nos últimos tempos, outros consideram que a actividade continua bem activa, só que agora, sem tanzanianos, e de formas mais sofisticadas.


Uma coisa é certa: da fama de ser a “Colômbia II” é que o sítio não se livra.

 

… E já lhe chamaram “Good Life”

Aliás, de designações “pomposas”, aquela zona nunca teve carências.


Antes da Independência toda aquela área – que vai da Pr. 21 de Outubro até próximo ao Campo do Mahafil, seguindo-se pela Rua Irmãos Roby, e da Pr. 21 de Outubro ao Mercado Fajardo, para quem transita pela Rua Estácio Dias – era conhecida por “Good Life”.

Foi uma das últimas zonas da então Lourenço Marques a ser urbanizada (entre os anos 60 e 70), sendo que faz fronteira com os populosos bairros do Minkadjuine e do Chamanculo.


Porém, segundo os mais antigos, apesar de lhe chamarem “Good Life”, noutros tempos era uma zona calma, onde quase nunca se ouvia falar em assaltos.


Essa calmaria prolongar-se-ia por um longo tempo, mesmo no período pós-Independência.

 

As coisas mudaram drasticamente depois do advento da economia de mercado, por aí em meados dos anos 90. Primeiro com o surgimento do “mercado” da droga, e hoje com todo um complexo de actividades que – bem ou mal – parece envolver “boladas” de viaturas e acessórios.

 

Com o aparecimento, este domingo, daquele conjunto de livretes espalhados pelo chão, para moradores está configurada mais uma desagradável certeza: andam por ali gangs ligadas ao roubo de viaturas. (HL)

Sir Motors

Ler 14552 vezes