“Meu irmão, há muitos militares mortos no quartel deles, bem como no quartel do GOE. Os insurgentes entraram na vila de Mocímboa da Praia, às primeiras horas da manhã e esconderam-se. Vai daí, ocuparam todas as zonas estratégicas: entraram nos quartéis e, pelo que se sabe, encontraram toda a gente a dormir, mataram muitos membros das FDS, os quais não tiveram nem tempo de responder” – foi isto que descreveu uma fonte à “Carta”, o “filme” dos últimos acontecimentos em Mocímboa da Praia.
Outro cidadão contactado pela “Carta” disse que os membros das FDS que escaparam estavam misturados com a população. “Eles tiraram o fardamento, pediram roupa à população e ficaram como nós”.
Alguns residentes da vila de Mocímboa da Praia, também contactados pela “Carta”, afirmaram que esta manhã (25) é que foram descobertos muitos corpos de membros das Forças de Defesa e Segurança mortos, no comando e no quartel. Além destes, foram encontrados mais dois corpos de militares próximo do Comando Distrital.
As fontes não sabem dizer quantos membros das FDS foram mortos, mas admitem que o número pode chegar a mais de 20, em face dos corpos encontrados sem vida.
Entretanto, duas pessoas foram encontradas mortas, algemadas numa das viaturas das FDS que foi incendiada em frente ao Comando Distrital da PRM.
Além dos dois, havia muitos outros reclusos (mais de dez) que morreram carbonizados depois dos insurgentes terem ateado fogo no interior do Comando Distrital da PRM de Mocímboa da Praia.
Figuras do Governo ausentes
Tal como aconteceu no pretérito dia 5 de Outubro de 2017, coincidência ou não, algumas figuras do Governo Distrital, nomeadamente o Administrador, o Secretário Permanente e o Presidente do Conselho Autárquico e suas respectivas famílias encontravam-se ausentes da vila, enquanto decorriam estas atrocidades.
O mesmo acontecera aquando do primeiro ataque dos insurgentes.
Segundo apurámos, todos eles estavam em Pemba, alegadamente em missão de serviço.
Além disso, até 18:00 horas desta terça-feira não tinha chegado força anunciada.
Populares ouvidos pela “Carta”, na tarde de terça-feira, afirmaram que a vida está a normalizar-se, não obstante o aguardado destacamento das FDS anunciada pelo Comandante Geral ainda não ter chegado à vila.
“Ainda não vimos nenhuma força. São 18:00 horas neste momento, mas nenhuma força, só estou a ver pessoas daqui mesmo. Eu apenas vi, ao meio-dia, cinco a seis polícias. Parece que fomos abandonados à nossa sorte e é por isso que algumas pessoas estão a sair para outros pontos, sobretudo aqueles que têm condições” – contou uma fonte.
Infra-estruturas destruídas
Com excepção da Autoridade Tributária, Serviços de Registo Civil, Hospital Rural e Serviços de Actividades Económicas, todas as restantes infra-estruturas do governo da vila de Mocímboa da Praia não escaparam, ontem, aos estragos feitos pelo grupo de insurgentes.
Concretamente, as instituições vandalizadas são: Casa protocolar do Administrador e do Presidente do Município, Edifício do Conselho Municipal, bancos BCI, ABC, Millennium Bim, Comando da PRM, Quartel Militar, Prédio Residencial dos Militares.
Não escaparam à destruição viaturas do Governo, moto de quatro rodas do GOE, maior parte das viaturas da Polícia e de outras instituições, incluindo as que estavam estacionadas no porto, nove autocarros de Nagi Investimento, estacionados no seu parque. Foram ainda incendiadas bombas de combustível.
De salientar ainda que, no Hospital Rural, apoderaram-se de considerável quantidade de medicamentos. Não maltrataram os pacientes e até saudavam-nos à medida que passavam pelas instalações.
No entanto, apesar da aparente acalmia, o Hospital Rural de Mocímboa da Praia não abriu as portas. Maior parte dos funcionários está fora da vila. Muitos encontram-se a caminho da cidade de Pemba, enquanto outros se dirigiram primeiro a Mueda, para depois seguirem viagem para Pemba.
Vídeo polémico nas redes sociais
A 24 de Março corrente, um dia depois do assalto dos insurgentes à vila de Mocímboa da Praia, foi posto a circular nas redes sociais – Facebook e WhatsApp – um vídeo de cerca de 2 minutos, filmado por um residente daquela vila no qual são visíveis algumas pessoas acenando e correndo atrás da viatura em que os atacantes se faziam transportar.
Pode ver-se ainda no vídeo que os populares reagiam ao discurso dos insurgentes, respondendo em língua árabe “Lailah illa Allah” – o que em português significa “não existe outra divindade excepto Allah (Deus)”.
Ora este facto já é objecto de debate público, chegando a considerar-se que a população da vila de Mocímboa da Praia está a gostar das práticas macabras dos insurgentes. Alguma opinião pública considera que a população é cúmplice dos insurgentes e acusa a mesma de facilitar a sua presença no terreno.
No final da sessão do Conselho de Ministros, desta terça-feira, o porta-voz Filimão Suaze pediu maior colaboração da população no combate aos insurgentes alguns dos quais com ligações familiares.
Para tentar entender esta situação, “Carta” contactou algumas pessoas que viveram o cenário ocorrido no bairro Milamba, na zona do Aeroporto.
No entender de um residente, a dita “cumplicidade” com os insurgentes não pode ser generalizada a toda a população, defendendo que os que assim agiram foram maioritariamente “crianças que ainda não têm noção do que é uma guerra”.
Porém, um outro residente de Mocímboa da Praia explicou que a população não tinha outra hipótese senão “acompanhar” os insurgentes, porque durante a sua estadia na vila não ameaçaram e nem apontaram armas aos civis.
Uma terceira fonte referiu que a população não tinha outra alternativa, senão estar do lado dos insurgentes, uma vez que, aquando da sua entrada na vila, estes orientavam as pessoas a não fugirem e a ficarem em casa ou nas mesquitas, sob o risco de serem confundidos com membros das Forças de Defesa e Segurança.
Outras fontes contam que os insurgentes anunciaram que a sua intenção não era maltratar a população, mas sim membros das FDS.
Consta igualmente que os atacantes distribuíram comida e outros produtos de pronto consumo, sobretudo às crianças que durante o dia ficaram vedadas de circular nas casas e nas mesquitas.
“Eles deram comida à minha filha que das 4H00 às 15H00 ainda não tinha comido nada. Nós estivemos na mesquita com eles e não nos fizeram nada de mal” – afirmou uma residente.
Entretanto, o Investigador do Observatório do Meio Rural, João Feijó, considera que tal facto terá acontecido porque os insurgentes conseguiram compreender muito bem as contradições internas existentes na sociedade local e capitalizá-las para fins políticos, trazendo um discurso mais moderno e globalizado.
João Feijó admitiu, por outro lado, que "entre as populações de Mocímboa da Praia existe a clara convicção de que grande parte dos insurgentes são oriundos precisamente daquela vila, onde têm as suas famílias, a quem ajudam e protegem e de quem recebem informações, dando como exemplo que, no vídeo que circula, existem pessoas a perguntar se o irmão está entre os insurgentes."
Outra opinião pública entende, no entanto, que a ida dos insurgentes a Mocímboa da Praia e o consequente ataque aos quartéis militares das FADM e do GOE foi para mostrar a sua capacidade de fazer as coisas ao Comandante Geral da Polícia da República de Moçambique, que uma semana antes esteve naquela vila onde apresentou supostos insurgentes numa clara demonstração de que o combate contra aquele grupo estava sendo um sucesso. (Carta)