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quarta-feira, 05 fevereiro 2020 05:50

Bastonário da Ordem dos Advogados considera “mancha” para a Polícia homicídio de observador eleitoral

Foto: O País

O bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM) considerou ontem uma "mancha para a reputação" da polícia o envolvimento de agentes da corporação no homicídio de um observador eleitoral, alertando para o sentimento de insegurança na população.

 

"Naturalmente que mancha a reputação da polícia e cria uma situação de o cidadão não se sentir à vontade perante o agente da polícia", disse Flávio Menete, falando à margem da abertura do ano judicial, em Maputo. Oito pessoas, incluindo cinco polícias, foram acusadas pelo Ministério Público moçambicano, em novembro, de envolvimento no homicídio de Anastácio Matavel, ativista social e membro da Sala da Paz, um grupo de organizações da sociedade civil que se dedicam à observação eleitoral.

 

O crime ocorreu em outubro, na capital provincial de Gaza, e os polícias foram apanhados depois de se despistarem quando seguiam num automóvel em fuga do local do crime.

 

Comentando sobre o caso, o bastonário da OAM assinalou que a situação é ainda mais grave, uma vez que o crime foi cometido por vários polícias de uma mesma unidade. "Não era um polícia, eram vários polícias e é isto que nos leva a assumir que existe a necessidade de o comando-geral da Polícia da República de Moçambique se pronunciar sobre o que está a fazer relativamente a estes agentes", sublinhou Flávio Menete.

 

Sobre o facto de três dos cinco agentes acusados no assassínio terem sido promovidos a escalões superiores em despachos divulgados em dezembro - uma decisão que a polícia disse, entretanto, ter sido revogada - Menete defendeu a responsabilização dos autores dessa medida, exigindo que o comandante-geral da polícia, Bernardino Rafael, prove que se tratou de um engano.

 

"O caso é tão gritante que ficamos com alguma dificuldade em aceitar que foi um mero equívoco. Como é que os recursos humanos não se aperceberam de que estavam a incluir na lista nomes de pessoas que tinham praticado um crime hediondo", questionou Flávio Menete. O homicídio de Anastácio Matavel provocou repúdio e condenação em Moçambique e fora do país, por se tratar de um ativista da sociedade civil envolvido na observação eleitoral e que morreu durante a campanha para as eleições de 15 de outubro, numa província conhecida pela intolerância política contra opositores da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), partido no poder.

 

Insurgência em Cabo Delgado

 

Flávio Menete defendeu que o Estado moçambicano deve assumir que o Norte do país está a ser alvo “de terrorismo" e que estão a ocorrer "violações grosseiras dos direitos humanos". "Atendendo às definições de instrumentos internacionais de que Moçambique é parte e da legislação nacional sobre a matéria, nós estamos perante terrorismo", disse Flávio Menete, bastonário da OAM, falando à Lusa à margem da cerimónia oficial de abertura do ano judicial de 2020, em Maputo.

 

Flávio Menete avançou que a assunção da natureza dos ataques armados que assolam o Norte de Moçambique vai permitir ao Estado moçambicano a adoção de medidas adequadas para o combate ao fenómeno."É melhor que a gente assuma que está perante terrorismo e que tome medidas adequadas para fazer face ao terrorismo", frisou. A situação em Cabo Delgado, prosseguiu, está a favorecer a ocorrência de abusos dos direitos humanos."As imagens que nós temos estado a ver são chocantes, mostram que os direitos humanos estão a ser violados de forma grosseira", acrescentou o bastonário da OAM.

 

Mesmo perante a inacessibilidade das áreas atingidas pela ação de grupos armados no Norte de Moçambique, devido a restrições impostas pelas autoridades, vários relatórios têm denunciado o registo de atropelos aos direitos humanos cometidos pelas forças de defesa e segurança e pelos grupos armados.

 

Na segunda-feira, o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, defendeu uma perseguição total aos autores de ataques armados no Norte e Centro do país, durante um discurso alusivo ao feriado do Dia do Heróis Moçambicanos. "Estamos pelo diálogo, mas aqueles que matam os moçambicanos, [esses] continuaremos a persegui-los em todos os cantos do nosso país com vista a responsabilizá-los pelos crimes que cometem contra o Estado moçambicano", referiu.

 

Ataques armados eclodiram em 2017 na província de Cabo Delgado protagonizados por frequentadores de mesquitas consideradas "radicalizadas" por estrangeiros, segundo líderes islâmicos locais, que já tinham alertado antecipadamente para atritos crescentes.

 

Nunca houve uma reivindicação da autoria dos ataques, com exceção para comunicados do grupo ‘jihadista' Estado Islâmico, que desde junho tem vindo a chamar a si alguns deles, com alegadas fotos das ações, mas cuja presença no terreno especialistas e autoridades consideram pouco credível. Os ataques já provocaram entre 350 a 400 mortos entre agressores, residentes e militares moçambicanos, além de deixar cerca de 60.000 afetados ou obrigados a abandonar as suas terras e locais de residência, de acordo com a mais recente revisão do plano global de ajuda humanitária a Moçambique das Nações Unidas.(Lusa)

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