A Procuradoria da República – Cidade de Xai-Xai, na província de Gaza, decidiu abster-se de acusar o agora formalmente deputado da bancada parlamentar da Frelimo, Alberto Lives Andela Niquice. A decisão vem vertida num despacho, datado de 23 de Janeiro de 2020, que a “Carta de Moçambique” teve acesso.
A falta de elementos de prova suficiente, tal como refere o despacho em nossa posse, conduziram a que o Ministério Público decidisse pela não dedução da acusação contra Alberto Niquice pela prática do crime de violação de que vinha indiciado.
Justifica o MP que os elementos recolhidos nos autos de instrução preparatória nº112/PRCXX/2020 não conduzem a responsabilização criminal do arguido. Concretamente, o órgão refere que o laudo médico da Nilvia Catarina da Rosa Salvador de Deus, no caso a ofendida, mostrou não haver sinais de “cópula recente”. Anota, igualmente, que as comunicações entre a ofendida e o arguido apenas mostram que a Nilvia De Deus ligou por um dia para o número usado pelo arguido, desde o início do ano de 2019 até 07/11/2019.
O MP diz ainda que no caso apresso, apenas existem afirmações da denunciante (mãe da ofendida) e da ofendida, em que esta última diz ter mantido trato sexual com o arguido, estando em falta, no entanto, mais elementos que possam conferir mais sustentáculos as tais afirmações. Entretanto, anota ainda, o arguido refuta redondamente ter mantido qualquer relação sexual com a Nilvia De Deus.
“Os elementos de prova reunidos nos presentes autos não nos conduzem a responsabilização criminal do arguido mas o contrário, tendo em atenção as dúvidas existentes, como acima demostrado. E a dúvida sempre beneficia o suposto infrator. Do acima exposto, o magistrado do Ministério Público abstém-se de acusar o arguido Alberto Lives Andela Niquice, melhor identificado nos autos, por não haver elementos que provem a sua responsabilidade pelo crime de violação, nos temos do disposto no art 25 do Dec-lei nº 35007, de 13 de Outubro de 1945, conjugado com o disposto na primeira e segundas partes do art 344 CPP”, sentenciou o MP.
A prática do crime de violação, nos termos do disposto no artigo 218 do Código Penal, é punível com a moldura penal abstrata de dois a oito anos de prisão maior.
Alberto Niquice, depois de gazetar a cerimónia oficial de investidura, a que foi orientada pelo Presidente da Republica, Filipe Nyusi, tomou, formalmente, posse na última sexta-feira, no gabinete da Presidente da Assembleia da República, Esperança Bias.
Apreciação do MP
No auto no 448/1 Esq/2019, de 23 de Julho (da Esquadra), Cleia Evelina Evaristo Ribeiro, mãe de Nilvia De Deus, denuncia Alberto Niquice (arguido) pelos seguintes factos: “a)- Que numa noite do mês de Setembro do ano de 2018, a sua filha encontrava-se numa festa da Clésia (amiga da Nilvia) no Bairro 4 na cidade de Xai-Xai; b) o arguido levou a Nilvia De Deus daquela festa para uma residência na Praia de Xai-Xai; e c) na varanda desta residência, o arguido violou a Nilvia e pediu que a mesma nada contasse”.
Tal como refere o MP na decisão, a denúncia dos factos foi feita quase um ano depois. Ou seja, precisamente no dia 23 de Julho de 2019. Uma vez recebido o auto de denúncia, no mesmo instante, a menor foi encaminhada ao hospital provincial de Xai-Xai para efeitos de observação médica, cujo os resultados revelam que “ não apresenta sinais de cópula de data recente, não apresenta nem sinais de sodomia passiva nem lesões para genitais; que foram feitos testes da HIV, Sífilis e gravidez, todos com sinais negativos”.
Ouvida em declarações, relata o MP, a menor afirmou que na noite do dia 27 de Março de 2019 estava na festa de aniversário da sua amiga Clésia Mathe e recebeu a chamada do arguido, tendo com ele saído da viatura deste último para uma residência, nas imediações da Rotunda da Praia de Xai-Xai. Contou ainda que contra sua vontade Alberto Niquice despiu-a e, seguidamente, manteve relações de tracto sexual, sendo que para ela era a primeira vez que mantinha cópula (era donzela) e o arguido obrigou-a a manter o silêncio.
A denunciante, no caso a Mãe de Nilvia, em sede da audição, tal como vem na decisão da Procuradoria de Xai-Xai, encontrou no telemóvel da filha nas noites dos dias 17 a 19 de Julho várias chamadas perdidas do número do arguido. Ao questionar a sua filha sobre as chamadas, esta respondeu que as chamadas teriam sido efectuadas pelo filho do arguido de nome Danifo Niquice, pois, tinham uma relação de namoro.
Ainda de acordo com o documento, a denunciante declarou que soube da esposa de Alberto Niquice que o número era somente usado pelo arguido e que mais tarde, da boca da sua filha, veio a tomar conhecimento que ela numa data não especificada em Março de 2019 saiu com arguido e este a beijou. Diz a transição dos autos que a Mãe de Nilvia só tomou conhecimento na 1ª esquadra da PRM, na cidade de Xai-Xai, que a filha havia mantido relações sexuais com o arguido.
Dos autos contam ainda a realização de três reuniões em datas não especificadas em 2019 e que todas tiveram lugar na casa da denunciante. A primeira foi entre a denunciante e esposa do arguido, tendo, em sede da mesma, primeiro, procurado saber do número de celular (de Alberto Niquice encontrado no celular da filha) e, seguidamente, revelado que o arguido mantivera relações sexuais com a sua filha.
O segundo encontro juntou à mesma mesa o pai da Nilvia, a denunciante, tia materna da menor, avo paterno da menor, o arguido e a esposa. A terceira foi ente a denunciante, a tia e a avó da menor, o arguido, sua esposa e o pai do arguido. Essencialmente, questionaram ao arguido se este mantinha alguma relação sexual com a menor ao que este negou, perentoriamente, e pediu desculpas pelo facto de alguma chamada do seu número ter ido parar ao telemóvel da menor.
Nos autos, o pai da menor, que tomou conhecimento através da denunciante, “discorda da ideia de ter havido violação por alegadamente já ter resolvido conflito idêntico envolvendo sua filha e um rapaz, o Darcio Xavier”.
“A amiga da Nilvia, a Mívia afirmou que somente ouviu que a ofendida mantinha relações sexuais com o arguido e as suas amigas (Laxieva e a Clésia) vieram a afirmar que nada sabem, enquanto Darcio Xavier e Danifo Niquice, vieram afirmar que namoraram com a ofendida e durante o namoro mantinham relações de tracto sexual”, refere o documento.
A Clésia (amiga de Nilvia), consta dos autos, contou que faz anos no dia 18 de Abril e não no dia 27 de Março como fez menção a Nilvia e que não chegou a dar qualquer festa de aniversário. Afirmou ainda que no ano de 2019 não esteve em nenhuma festa com a Nilvia, realidade que, tal como refere o documento, “destas declarações resultam contradições e dúvidas se a Nilvia estivera numa festa ou afirmou para agradar as exigências da denunciante que esperava por explicações”.
Tal como disse a denunciante durante a audição, a violação teria ocorrido a 27 de Março de 2019 e não no mês de Setembro de 2018, tal como vem na denúncia datada de 23 de Julho de 2019.
“Pelo relatório médico da ofendida não é possível esclarecer se entre o arguido e aquela houve cópula, pois não foi encontrado nenhum vestígio revelador de violação, aliás o tempo que decorreu entre a data da alegada violação e o dia de apresentação da denúncia, não permite obter vestígio. E, como se constata das declarações da Mãe e do Pai da ofendida, da Mivia, do Darcio Xaviear, do Danifo Niquice, a ofendida já namorava e mantinha relações de trato sexual com pelo menos estes dois últimos (……)”, refere a decisão.
Ainda refere que foram requisitados junto da operadora da rede móvel onde está registado o contacto do arguido os ficheiros com os conteúdos de comunicação entre ambos (Nilvia e Aberto Niquice), mas os mesmos revelaram que a ofendida efectuou 23 chamadas para o arguido no período compreendido entre às 09:28h e 19:02H. Por sua vez, destaca que não existem chamadas emitidas do número do arguido para a ofendida, sendo que, no entanto, “não foi possível obter o conteúdo das comunicações mantidas entre ambos”. (I. Bata)