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segunda-feira, 27 janeiro 2020 07:26

“Piratas” na Presidência da República?

Ao cair da tarde da última sexta-feira (24), um comunicado aparentemente “oficial”, com o timbre da Presidência da República, e a indicação, no cabeçalho, que o mesmo fora emitido pelo respectivo Gabinete de Imprensa, pulverizou as redes sociais e as conversas de café.


De acordo com o documento, o PR acabava de nomear, em despachos separados, cinco Conselheiros, nomeadamente: Cidália Chaúque Oliveira, Augusto Raul Paulino, Egídio Guilherme Vaz Raposo, Atanásio Salvador M’tumuke e Ana Rita Sithole; e um Adido de Imprensa, no caso, Mendes Mutenda Chidima.


Em grande medida, a rápida repercussão que este documento teve nas redes sociais deveu-se ao facto de, entre os “conselheiros”, constar o nome de Egídio Vaz, historiador e (ora) analista político, conhecido por ter encetado uma “metamorfose camaleónica” sem precedentes: depois de ter dito “cobras e lagartos” sobre a governação da Frelimo e de ter endossado publicamente o seu voto a Afonso Dhlakama e à Renamo, nas penúltimas eleições, eis que surgiu tempos depois, durante o primeiro mandato de Filipe Nyusi, como o maior apoiante deste e do seu partido – o que para muitos soou a uma “venda de alma”, a troco de um lugar ao sol na nomenclatura.


A verdade é que, cerca de uma hora depois de o Comunicado ter sido posto a circular, começaram a surgir os desmentidos. Primeiro da parte de alguns dos visados, e depois, de pessoas próximas aos círculos do poder.


Afinal não era verdade que Sexa havia nomeado as figuras supramencionadas para seus conselheiros e, sequer, havia indicado novo Adido de Imprensa. Era tudo “fake”.

 

Por outras palavras: alguém se “apoderou” – de uma forma ou doutra – de um “papel timbrado” da Presidência da República, mais concretamente do seu Gabinete de Imprensa, para “fabricar” um documento tão falso quanto Judas.


E a avaliar pela forma como tudo isto sucedeu e se espalhou, é de crer que, certamente, se podem falsificar montes de “documentos presidenciais” iguais a este.

Ora, isso é gravíssimo!... Tanto assim que levanta, para já, um conjunto de questões pertinentes: Como é possível que a Presidência da República seja vulnerável a esse ponto? Qual era o real interesse da(s) pessoa(s) que pôs a circular esta mentira vil? Sabendo-se que, hoje em dia, é possível rastear-se o computador de onde partiu o (primeiro) comunicado “fake”, será que já se está a trabalhar no assunto, ou vai acabar tudo em águas de bacalhau”?…

Do novo Código do Processo Penal…


De entre as várias teorias aventadas para explicar os interesses obscuros, que alguém eventualmente poderia ter, para colocar em circulação um comunicado falso, duas se destacam: (1) a oposição – como sempre – com a clara intenção de descredibilizar o PR, e (2) alguém do grupo dos supostos nomeados, com o intuito de pressionar Nyusi, antecipando-lhe as intenções.


A verdade é que, independente de quem tenha(m) sido o(s) autor(es) desta brincadeira de mau gosto, a imagem da Presidência da República é que sai “chamuscada”.


Aliás, nem de propósito, passa pouco mais de um mês que Sexa promulgou e mandou publicar o novo Código do Processo Penal, o qual, entre as suas principais inovações faz saber que, “Gravar, registar, utilizar, transmitir ou divulgar conversa, comunicação telefónica, imagem, fotografia, vídeo, áudio, facturação detalhada, mensagens de correio electrónico, de rede social ou de outra plataforma, sem consentimento do proprietário, passa a ser crime, com pena de prisão até 1 ano e multa correspondente”.

 

Punido com prisão será igualmente “quem aceder, sem autorização do proprietário, a um dispositivo alheio, fixo ou móvel, com o fim de obter informação não pública de correio ou comunicação electrónica privada, bem como quem efectuar gravação de palavras proferidas por alguém, mas não destinadas ao público, a filmagem ou fotografia de um cidadão, contra a sua vontade, mesmo que tenha sido em evento público”.


De alguma maneira, a falsificação do comunicado a que temos estado a fazer referência insere-se na panóplia de crimes supramencionados, sendo ainda mais grave pelo facto de se tratar da Presidência da República.

 

Os meios de combate?…


Há que referir, no entanto, que este tipo “cibercrimes” contra instituições do estado não é coisa nova. Mais ou menos em meados do ano passado a PGR revelou que, devido a ataques cibernéticos, a reputação dos endereços do Governo de Moçambique ficou manchada na internet.


Na mesma altura, o Instituto Nacional de Governo Electrónico (INAGE) confirmava que várias instituições do Governo haviam sofrido ataques cibernéticos, os quais se manifestaram através da indisponibilidade temporária de alguns serviços públicos digitais e da falta de acesso a informações actualizadas em páginas web do Governo.

 

Vai daí, e de acordo com o INAGE, foi implementado um centro de resposta a incidentes de segurança cibernética (CSIRT) do Governo, o qual priorizou a instalação e configuração de equipamentos e softwares que actuam no tratamento de incidentes e ataques a computadores e sistemas do Governo a nível nacional.

 

Além disso existe uma Estratégia Nacional de Segurança Cibernética de Moçambique (2017 - 2021), em cuja proposta é realçada a necessidade imperiosa de se assegurar que o país garanta um ciberespaço seguro e resiliente, que seja utilizado com segurança pelo Governo, sector privado, sociedade civil e demais instituições.


É igualmente reconhecida a existência de uma multiplicidade de ameaças e riscos que podem prejudicar o bom funcionamento do ciberespaço, incluindo os sistemas e serviços de TIC em Moçambique, os quais podem provocar um impacto negativo nos esforços para o aproveitamento das TIC’s para o desenvolvimento socioeconómico.


Não nos foi possível aferir actual o grau de implementação desta estratégia, mas – independentemente desse detalhe – com todos estas leis, instrumentos, argumentos e intenções, é de crer que rastrear-se a quem pirateia documentos da Presidência da República, seja “canja”.
É só uma questão de haver interesse e empenho.


É que, se hoje se brinca de forjar “comunicados presidenciais” aparentemente inofensivos, podendo escapar-se impune, não tarda nada e teremos aí “hackers” sérios a provocarem danos irreparáveis na nossa já fragilizada soberania…
(Homero Lobo)

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