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segunda-feira, 12 agosto 2019 06:13

Finalmente, Governo “tenciona” regular proliferação de “igrejas” em Moçambique

Já está em debate uma proposta de Lei da Liberdade Religiosa e de Culto, que o Governo, através do Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, está a preparar de modo a estabelecer um regime jurídico que regula a constituição, organização e funcionamento das entidades e associações religiosas e instituições de ensino religioso no território nacional.

 

Composta por 55 artigos, a proposta define, entre outros aspectos, as liberdades, limites e garantias religiosas; os direitos e deveres dos fiéis e líderes religiosos; sanções; para além de distinguir entre confissão religiosa, entidade religiosa, associação religiosa e instituição de ensino religioso.

 

Dos aspectos constantes da proposta a que “Carta” teve acesso, destaque vai para os artigos 10, 15, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 28, 29, 30, 31, 45, 46 e 47. Por exemplo, no artigo 10, que integra o II capítulo da proposta, no qual se define a Liberdade Religiosa, o Governo defende, na alínea c) do número 4, que ninguém pode “cobrar bens, serviços ou valores em troca de promessas de bênçãos divinas”, tal como se tem verificado em algumas confissões religiosas, onde crentes têm sido obrigados a entregar as suas poupanças ou bens em troca de prosperidade.

 

Aliás, ainda sobre as bênçãos divinas, geralmente publicitadas nos órgãos de comunicação social, que até incluem curas de enfermidades que a medicina convencional não consegue, o Governo propõe, na alínea e) do mesmo número (nº 4 do artigo 10) que ninguém pode “invocar a liberdade religiosa para a prática de publicidade enganosa radiofónica, audiovisual ou escrita”.

 

“As entidades religiosas são pessoas colectivas constituídas por um substrato pessoal que, independentemente da sua denominação ou designação jurídica, visam a actividade especificamente religiosa e sem fim lucrativo”, reforça a proposta no seu artigo 19, antes do artigo 21 sublinhar: “as entidades religiosas visam o exercício de actividades espiritual, humanitária, filantrópica ou social”.

 

A proposta, que promete colocar o Governo em rota de colisão com algumas confissões religiosas, cujos alguns princípios proíbem, por exemplo, a entoação do hino nacional e a doação de sangue, estabelece, na alínea i) do nº 4 do referido artigo que ninguém deve “invocar a liberdade religiosa para se recusar a cumprir um dever patriótico, ou outro constitucionalmente consagrado”.

 

No seu artigo nº 15, que versa sobre os estatutos, a proposta refere que, nos estatutos das entidades e associações religiosas e instituições de ensino religioso nacionais devidamente aprovados pela Assembleia-Geral constituinte, devem, especificadamente, constar, por exemplo, a sua denominação, duração e sede; o âmbito e finalidade; os direitos e deveres dos fiéis; a forma de organização e funcionamento dos órgãos; a fonte de financiamento; a declaração do património inicial; e o destino dos bens em caso de dissolução, este último que tem sido um tabu em quase a maioria das igrejas, sobretudo de origem estrangeira.

 

Sessenta mil assinaturas para abertura de novas confissões religiosas

 

A proposta de Lei, que se irá aplicar a todos os cidadãos nacionais e estrangeiros residentes, bem como às entidades e associações religiosas legalmente constituídas, fixa no nº 2 do artigo 18: “as entidades religiosas que queiram fundar uma nova confissão religiosa devem observar os seguintes requisitos: a) a descrição dos princípios doutrinários da confissão religiosa que não contrarie a Constituição da República, as demais leis e os bons costumes; e b) 60.000 assinaturas presencialmente reconhecidas pelo Notário, acompanhadas de uma declaração dos titulares, maiores de 18 anos, a confirmar a sua adesão à entidade religiosa”.

 

“As entidades religiosas são sempre de âmbito nacional”, sublinha o documento, no seu artigo 20. Dados actuais apontam para a existência, no país, de mil igrejas registadas e outras mil não registadas, sendo que algumas se circunscrevem a uma área residencial ou distrito.

 

Por sua vez, o nº 2 do artigo 23 afirma que o formulário de pedido de reconhecimento deve conter, entre outros aspectos, “(…) g) certificado de formação religiosa do líder religioso, num curso de duração mínima de três anos, emitido por uma instituição de ensino religioso; h) carta de desvinculação da sua entidade religiosa anterior, com informação da idoneidade, assinada pelo líder máximo que consta na certidão do registo definitivo; (…), k) biografia do líder religioso; (…) e m) comprovativo de existência de infra-estruturas da entidade religiosa para fins de culto”.

 

No nº 3 do artigo 22, que aborda acerca da aquisição de personalidade jurídica da entidade religiosa, o Governo afirma: “as entidades religiosas, através da sua sede, são obrigadas a publicar seus relatórios anuais sobre as actividades desenvolvidas na sua página de internet”.

 

Em relação à sua extinção, o artigo 28 da proposta refere que as entidades religiosas e instituições de ensino religioso extinguem-se por decisão do órgão deliberativo; pela verificação de qualquer causa extintiva prevista no acto de constituição ou nos estatutos; por se constatar ser o seu fim ilícito, diferente do fim declarado nos estatutos ou contrário à lei; e por declaração de insolvência, quando se trate de instituições de ensino religioso. Porém, sublinha no nº 3 do artigo 29: “em caso de irregularidades detectadas, o Governo pode mandar cessar as actividades”.

 

Em relação às sanções, o artigo 30 da proposta avança quatro tipos, nomeadamente, advertência, multa, suspensão das actividades por um período de um a dois anos e revogação. “A revogação do reconhecimento de uma confissão religiosa determina a extinção das respectivas associações ou institutos religiosos, bem como das outras pessoas colectivas que dela dependam”, afirma o nº 2 do mesmo artigo.

 

Em relação à angariação de fundos, o artigo 45 da proposta afirma: “as entidades religiosas podem, livremente, sem estarem sujeitas a qualquer imposição fiscal: a) receber prestações voluntárias dos crentes para o exercício do culto e ritos, bem como donativos para a realização dos seus fins religiosos, com carácter regular ou eventual; b) fazer colectas públicas, designadamente dentro ou à porta dos lugares de culto, assim como dos edifícios ou lugares que lhes pertençam; e c) distribuir gratuitamente publicações com declarações, avisos ou instruções e afixá-las nos lugares de culto”.

 

Por seu turno, o artigo 46 propõe, no seu primeiro número: “as pessoas colectivas religiosas legalmente reconhecidas estão isentas do imposto predial autárquico, sobre: a) os lugares de culto ou outros prédios ou partes deles directamente destinados à realização de fins religiosos; b) as instalações de apoio directo e exclusivo às actividades com fins religiosos; c) os estabelecimentos efectivamente destinados à formação dos Líderes Religiosos ou ao ensino da religião; d) as dependências ou anexos dos prédios descritos nas alíneas a) a c) em uso de instituições particulares de solidariedade social; e e) os jardins e logradouros dos prédios descritos nas alíneas a) a d), desde que não estejam destinados a fins lucrativos”.

 

O nº 2 do mesmo artigo afirma: “as entidades religiosas legalmente reconhecidas estão isentas do imposto de Sisa e sobre as sucessões e doações, quanto às aquisições de bens para fins religiosos e a actos de constituição de fundações, nos termos da legislação aplicável”.

 

Já em relação ao financiamento de instituições religiosas, o artigo 47 da proposta governamental determina: “1. As entidades e associações religiosas e instituições de ensino religioso podem angariar fundos e bens dos fiéis, pessoas singulares e colectivas, públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras; 2. As entidades religiosas estão proibidas à coação psicológica em troca de bens, serviços ou valores; 3. As entidades e associações religiosas e instituições de ensino religioso são proibidas, por lei, do exercício de quaisquer actividades comerciais, devendo declarar os bens que recebem a título de doação, os quais devem estar registados, nos termos da legislação aplicável; e 4. As entidades e associações religiosas e instituições de ensino religioso devem adoptar medidas de transparência sobre a gestão e aplicação dos fundos”.

 

Refira-se que, na fundamentação da proposta, o Governo afirma que a religião desempenha um papel preponderante na formação moral do indivíduo e na transmissão de valores fundamentais que “são a base de uma convivência social harmoniosa”. Sublinha ainda que os dados estatísticos publicados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), em Maio último, referentes ao Censo de 2017, indicam que cerca de 97.4 por cento da população moçambicana pratica uma religião, para além de o Plano Quinquenal do Governo (2015-2019) defender uma política de inclusão e colaboração com as diferentes instituições e agremiações religiosas, no interesse da consolidação da harmonia na família moçambicana, da reconstrução, da reconciliação, da unidade nacional, consolidação da paz e valorização do tecido ético e social.(Abílio Maolela)

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