Se o anúncio da Decisão Final de Investimento (DFI) da Anadarko e seus parceiros na Área 1 da bacia do Rovuma, na última terça-feira (18), na ordem de 23 mil milhões de USD, mereceu pompa e circunstância, pelo facto de ser considerado o maior investimento privado de sempre, no país, os seus benefícios “podem estar muito além do que, na realidade, o projecto poderá trazer”.
A tese é defendida pelo Centro de Integridade Pública (CIP), na sua mais recente análise sobre a indústria extractiva, publicada, esta semana. De entre várias razões, aquela organização da sociedade civil destaca a retirada da obrigatoriedade de conversão, em moeda local, de 50 por cento das receitas de exportação e o facto de grande parte do equipamento a ser usado ter de ser adquirido no estrangeiro.
Apesar de reconhecer que o investimento (23 mil milhões de USD) corresponde a quatro vezes o valor total aplicado na economia, em 2017 (5,3 mil milhões de dólares), e, aproximadamente, o dobro do Produto Interno Bruto (PIB) desse ano (13,4 mil milhões de dólares), o CIP defende que, mesmo com a possibilidade de alavancar a economia por via do influxo de divisas, “a melhoria da disponibilidade de divisas, a nível doméstico, poderá ser numa proporção muito inferior a do investimento”.
Na sua análise, o CIP refere ainda que os outros canais, através dos quais o país poderá captar ganhos da exploração de gás, apresentam também enormes desafios, destacando a captação de receitas fiscais.
Isto porque, primeiro, Moçambique irá abdicar de uma parte significativa da receita fiscal, pelo facto de o governo ter concedido, à Anadarko Moçambique Área 1, isenção de 25 por cento na taxa de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (IRPC) nos primeiros oito anos, a contar a partir do primeiro ano de produção comercial, previsto para 2025, altura em que o Estado irá arrecadar perto de 2.1 mil milhões de USD em receitas.
Segundo, porque a dívida contratada pela Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH), na ordem de 2,2 mil milhões de USD para garantir a sua participação no projecto da construção da Fábrica de Liquefacção de Gás Natural (LNG), pode minimizar as receitas a serem arrecadadas pelo Estado, pois, na altura em que a produção comercial iniciar, o representante do Estado no negócio dos hidrocarbonetos deverá reembolsar o valor às concessionárias em dólares americanos, incluindo as despesas da fase de pesquisa.
Outro factor apontado pelos analistas do CIP está relacionado com a falta de certificação da conformidade dos custos recuperáveis (tarefa do governo), tendo em conta que este tipo de projectos “assumem elevados custos nas fases de pesquisa, desenvolvimento e exploração, que são recuperáveis e/ou dedutíveis na determinação da matéria colectável”.
Sublinhe-se que, durante a cerimónia de assinatura e anúncio da DFI, o Presidente da República assegurou que as receitas do gás do Rovuma serão investidas nos sectores mais prioritários, como agricultura, saúde, turismo e infra-estruturas, de modo a melhorar a vida das famílias rurais, os principais rostos da pobreza e principais vítimas da chamada maldição dos recursos minerais. (Carta)