A concessionária da Estrada Nacional Nº 4, a sul-africana TRAC (Trans African Concessions), retomou hoje, 23 de Janeiro, a cobrança de taxas nas portagens de Maputo e Moamba, após quase dois meses de “suspensão” devido às manifestações pós-eleitorais, convocadas pelo segundo candidato mais votado, Venâncio Mondlane, em repúdio aos resultados eleitorais.
A “suspensão” da cobrança nas portagens do Grande Maputo – que nunca foi anunciada pelas concessionárias – deveu-se a uma ordem de boicote ao pagamento de portagens anunciada por Venâncio Mondlane no auge das manifestações. A ordem foi renovada na semana finda, com o anúncio de mais de 100 dias de livre-trânsito nas estradas de todo o país.
No entanto, o reinício da cobrança das taxas, na Portagem de Maputo, localizada na fronteira entre as cidades de Maputo e Matola, não ocorreu de ânimo-leve, reflectindo a contínua insatisfação popular e tensões sociais acerca das praças de portagem das cidades de Maputo e Matola.
O retorno à cobrança
O dia começou aparentemente normal na Portagem de Maputo, com as operações a decorrer com alguma normalidade e sob supervisão dos agentes da Unidade de Intervenção Rápida (UIR), a força antimotim da Polícia da República de Moçambique (PRM).
As cobranças seguiram sem sobressaltos até aproximadamente 07h50m, quando as buzinas começaram a soar como se de um cortejo matrimonial se tratasse. Foi nesse momento em que começaram também os bloqueios da estrada. Automobilistas provenientes da autarquia da Matola tentaram entrar na cidade de Maputo, mas enfrentaram um bloqueio total na zona da Drenagem, no bairro Luís Cabral, na cidade de Maputo, onde pneus foram queimados e manifestantes ergueram barreiras humanas.
Os manifestantes, contrários à cobrança antes do término do prazo de 100 dias decretado por Mondlane, assumiram o controlo das cabines de cobrança, permitindo a passagem gratuita dos veículos com o argumento de que a população deveria seguir as ordens do novo governo. “Nós temos um novo presidente, Venâncio, o votado pelo povo. Ouvimos a ele e vamos esperar uma nova ordem”, declarou um dos líderes dos manifestantes.
Impactos da manifestação no trânsito
O caos na Portagem de Maputo repercutiu em toda a circulação na EN4. Passageiros de transportes públicos foram obrigados a descer dos veículos e completar o trajecto a pé. Daniel Primeiro, um usuário frequente da via, relatou ter caminhado do terminal de chapas da Liberdade, no município da Matola, com destino ao bairro da Malanga, na cidade de Maputo. “É um trajecto cansativo, mas necessário, pois não havia outra opção”, concluiu.
Tomás Jauane, motorista de um camião articulado, também enfrentou dificuldades. “Paguei a tarifa na portagem, mas fui obrigado a parar pelos manifestantes, que ameaçaram destruir meu veículo e saquear a carga. Para evitar problemas, obedeci à ordem popular”, contou. A sua experiência reflecte a vulnerabilidade dos condutores durante a manifestação.
Acções da Polícia e reacções populares
Embora os agentes da UIR estivessem presentes, a maior parte do tempo a actuação policial foi limitada à sensibilização. Um agente chegou a abordar os manifestantes, pedindo calma e apelando para que deixassem a via livre. No entanto, a sua tentativa “diplomática” foi recebida com resistência.
“Chegou a hora, é para se pagar. Não criem distúrbios. Eu venho informar-vos para saírem daqui, abandonem o local. Caso vocês insistam, nós vamos agir para mantermos a ordem. Deixem os carros circularem à vontade”, declarou o agente da UIR, que foi prontamente respondido por um dos manifestantes dizendo que Venâncio Mondlane foi quem ordenou a paralisação do pagamento de tarifas, por isso deve esperar-se os 100 dias de passagem gratuita cessarem.
Apesar do controlo inicial, a tensão culminou com um ferido por baleamento, evidenciando a gravidade da situação e o caos que tinha tomado o local.
Exigências Populares
Além de exigirem a suspensão das tarifas por 100 dias, os manifestantes pedem melhorias nas condições de vida, incluindo o pagamento do 13º salário aos funcionários públicos. Julieta Paulino, uma das líderes do movimento, afirmou: “O engenheiro fala e o povo obedece.”
Além disso, críticas foram direccionadas às concessionárias que operam as portagens. Rodolfo José, um motorista, destacou a disparidade entre os benefícios oferecidos pela TRAC e a REVIMO, a concessionária da Estrada Circular de Maputo. “A TRAC pelo menos mostra trabalho com a construção e manutenção das estradas. Já a REVIMO só cobra sem trazer benefícios claros à sociedade”, apontou.
Para Rodolfo, o conflito reflecte não apenas a insatisfação com as tarifas, mas também a contestação popular aos resultados eleitorais de Outubro de 2024, que ainda geram debates acalorados sobre a legitimidade do governo proclamado. “A insatisfação generalizada alimenta as manifestações, que se podem prolongar enquanto não houver respostas concretas às demandas populares”, concluiu.
Retorno ao livre-trânsito
Durante o período da tarde, a TRAC reforçou a segurança, com a colocação de agentes da UIR junto às cabines de cobrança. Igualmente, bloqueou as pistas em que as cancelas estavam inoperacionais.
No entanto, neste final do dia, o buzinão voltou à Portagem de Maputo, com centenas de automobilistas a não pagarem as tarifas fixadas por cada categoria de veículo. Em algumas cabinas, os operadores haviam fechado as janelas. A Polícia encontrava-se também a orientar o trânsito, o que deixava as cabines “vulneráveis”.
A expectativa dos automobilistas é que sejam adoptadas medidas conciliatórias para restaurar a ordem e garantir a mobilidade dos cidadãos. (Lúcia Mucave)