O discurso inaugural do recém-empossado Presidente da República de Moçambique (PR), Daniel Chapo, foi largamente criticado, alegadamente, por incluir ideias do candidato presidencial Venâncio Mondlane, propaladas aquando da campanha eleitoral e durante as “lives” no período das manifestações. A crítica é apresentada por analistas, seguidores, mas também pelos autores do manifesto eleitoral e pelo próprio Venâncio Mondlane. Entretanto, entre o manifesto de Venâncio Mondlane e de Daniel Chapo, há algumas semelhanças.
“Carta” pegou nos dois manifestos, discurso inaugural de tomada de posse de Chapo e constatou haver de facto semelhanças, tendo em conta que Mondlane foi o primeiro a lançar o seu manifesto eleitoral antes do arranque da campanha eleitoral. No documento, o candidato “derrotado” apresenta seis pilares nomeadamente, (1) Reforma do Estado e da Governação (2) Desenvolvimento Sustentável da Economia (3) Desenvolvimento do Capital Humano e Social (4), Promoção da Paz, Concórdia e Reconciliação Nacional (5) Modernização da Defesa da Soberania, Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado e (6) Reposicionamento das Relações com o Resto do Mundo.
Por sua vez, Chapo e o seu partido, Frelimo, apresentaram cinco pilares. O manifesto destaca a Defesa da Soberania e a Integridade Territorial, Consolidar a Unidade Nacional, a Paz e o Estado de Direito Democrático e de Justiça Social; Investimento no Capital Humano e no Fortalecimento das Instituições; Alcançar a Independência Económica, através da Transformação Estrutural da Economia; Desenvolver Infra-estruturas Resilientes às Mudanças Climáticas e Reforço das Relações de Amizade e Cooperação de Moçambique com os Países e Povos da Região, do Continente e do Mundo.
As semelhanças residem na Unidade Nacional, Paz e Reconciliação, Investimento no Capital Humano e Reforço das Relações de Amizade e Cooperação de Moçambique com o Resto do Mundo. Outrossim, o discurso inaugural de Chapo não retrata taxativamente o seu manifesto eleitoral, de tal modo que, no documento, não fala da Reforma de Estado e Governação, que é o primeiro pilar de Mondlane. Ainda assim, anunciou medidas reformistas na sua governação, como por exemplo a redução dos ministérios, a eliminação dos vice-ministros e a introdução de contratos-programa.
Lido o discurso, Mondlane disse que quase todas as ideias apresentadas por Chapo foram copiadas dos seus discursos de campanha e não só. “Praticamente 95% das medidas que o candidato eleito pelo Conselho Constitucional apresentou foram exactamente as mesmas que apresentei durante a campanha eleitoral. Aliás, durante a campanha também falava disso e ele ia imitando. Então ele é um bom aluno. Quer dizer que a maior arte desse Governo é de cabular”, afirmou Mondlane.
Para além do candidato, os autores do manifesto de Mondlane criticaram as medidas anunciadas por Chapo. Um dos autores do manifesto eleitoral é o docente universitário Edgar Barroso. Na sua conta de Facebook, Barroso afirma que ele e o professor Roberto Tibana escreveram, juntos, o manifesto eleitoral de Venâncio Mondlane. Afirmou que quase todas as ideias foram literalmente copiadas para as promessas de governação de Chapo.
“Quase todas as nossas ideias, assentes em seis pilares estruturantes (das impetuosas reformas do Estado à reestruturação estrutural das nossas políticas públicas nacionais e externas) muito bem identificados e fundamentados (e que não constavam do manifesto eleitoral do outro) foram literalmente copiadas para as promessas de governação que estão a ser proferidas hoje. Foi um árduo, demorado e sacrificado processo de elaboração intelectual, feito sem cobrarmos uma quinhenta sequer ao Venâncio Mondlane. Tínhamos a cristalina convicção de que faríamos toda a diferença que o povo moçambicano anseia com aquele documento”, escreveu Borroso.
Por sua vez e recorrendo ao Facebook, o Professor Roberto Tibana avançou não ter escutado nem lido o discurso inaugural de Daniel Chapo, por isso negou ser ele que diz que houve plágio. Mas se os que assim o dizem têm alguma razão, Tibana diz que há uma explicação. Citando uma conversa que manteve com uma pessoa experiente na elaboração de manifestos eleitorais, Tibana explica que, como tem sido apanágio, os documentos não são cumpridos taxativamente e nalgum momento “é quase uma formalidade, pois o próprio candidato nem chega a ler. Na campanha vai falando o que politicamente dá para mobilizar as pessoas. E depois as coisas se fazem. Manifesto não tem função nenhuma nestas coisas”.
Nesse contexto, Tibana diz que se for verdade que Chapo incorpora uma boa parte das propostas do manifesto do Venâncio Mondlane, para a Frelimo isso até pode não ser problema nenhum, pois aquele discurso é só uma formalidade e “depois as coisas se fazem”.
Acrescentou que a postura do novo presidente também está em linha com aquela entrevista em que foi perguntado sobre que ideias tinha para o futuro do país. Contudo, ao invés de elencar algumas, Chapo abruptamente se levantou e terminou a entrevista dizendo ao jornalista para lhe fazer essa pergunta quando fosse presidente. “Na altura não era necessário ter ideias. O que interessava é que “depois as coisas se fazem”. E isso de facto só seria quando fosse presidente”, reiterou Tibana.
Não menos importante, é que a cópia não se cinge às ideias, mas também a acções protagonizadas pelo candidato presidencial “derrotado”. Venâncio Mondlane, depois de desembarcar no Aeroporto Internacional de Maputo, regressando da parte incerta, ajoelhou-se com uma bíblia na mão e orou, como sempre o fez em suas comunicações. De seguida fez um discurso de tomada de posse. Por sua vez, Chapo, numa acção que soou à imitação, quando se preparava para a tomada de posse, primeiro ajoelhou-se e orou ao lado da sua esposa, algo que raramente tinha feito em público. (Carta)