Tiros, infra-estruturas incendiadas e queima de pneus marcaram, sexta-feira, no Zimpeto, cidade de Maputo, o último dia de luto decretado pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane, em memória ao duplo homicídio do advogado Elvino Dias e do mandatário do PODEMOS, Paulo Guambe, e de mais de 50 civis baleados mortalmente pela Polícia durante as manifestações.
De acordo com as fontes, tudo começou quando alguns manifestantes, descritos como sendo de índole duvidosa, decidiram manifestar-se em frente ao Posto Policial do Mercado Grossista do Zimpeto. Na ocasião, os agentes da Polícia lançaram gás lacrimogéneo e dispararam balas reais, o que provocou tumultos.
Minutos depois, a Polícia alvejou um dos supostos manifestantes e deteve outros, aumentado a fúria do grupo, o que tomou contornos violentos. Vários jovens incendiaram o Posto policial, exigindo a soltura dos seus colegas e invadiram o mercado, o que fez com que os vendedores fechassem as suas bancas e procurassem meios de correr para casa.
A Estrada Nacional Número 1 ficou bloqueada desde a zona da Mafurreira até à ponte do Zimpeto e nenhum carro podia passar. Os tumultos prolongaram-se pela Estrada Nacional Nº 1 até ao bairro de Agostinho Neto, enquanto pela circular, os manifestantes aglomeraram-se na Primeira Rotunda, em direcção à Matola-Gare. Nos dois pontos, automobilistas não escaparam ao roubo e ao pagamento da famosa portagem.
O caos começou por volta das 15h00 e prolongou-se até às 20h00, momento em que os militares tomaram o controlo das vias. A situação causou longas filas de viaturas e congestionamento das estreitas ruas do bairro do Zimpeto, por onde os automobilistas buscavam vias alternativas.
Arlete Carlos Chibonila, que trabalha numa das empresas ao longo da N1, confirma que recebeu chamada de sua irmã, por volta das 15h00, querendo saber se já tinha saído do serviço. “Quando minha irmã me ligou, disse que eu devia sair do serviço naquele instante e procurar uma via alternativa para conseguir chegar em casa, no bairro de Intaka 2. Consegui pegar um autocarro que vinha da Baixa e tinha como destino o Zimpeto. Depois de várias voltas pelas ruas do bairro, finalmente conseguimos chegar ao terminal dos “chapas” no Grossista, onde nenhum carro era permitido levar passageiros. Mas, para minha sorte, consegui um carro que insistiu em nos levar, mas a viagem não durou nem 10 minutos, pois os manifestantes ordenaram ao motorista que descarregasse o carro na ponte do Zimpeto”, explicou.
Prosseguiu dizendo: “depois que descemos do carro, tivemos que caminhar a pé da ponte até à primeira rotunda, onde a situação parecia um filme de terror. Os manifestantes davam ordens à Polícia, que não tomava nenhuma atitude e apenas assistia. Cada automobilista que quisesse passar por ali tinha como condição usar uma peça de roupa preta e era obrigado a gritar 'Venâncio' ou a levantar três dedos. Mesmo assim, tinham que pagar uma taxa que variava de 50 a 200 Mts para permitir a passagem sem que os manifestantes quebrassem os vidros do carro", contou Arlete.
Já Shanil Gonçalves, residente em Matlemele, relatou à nossa reportagem que, mesmo tendo pago 100 Mts para permitir a sua passagem, ao chegar em casa descobriu que os manifestantes haviam roubado um computador e uma pasta com alguns documentos de serviço.
"Foi muito difícil chegar em casa. Quando eram 16h00, eu estava a caminho de casa e, ao chegar na zona de Molumbela, vi de longe uma fumaça negra e logo percebi que as coisas não estavam boas, então voltei. Fiz meus corta-matos e passei pela primeira rotunda, onde vivi o maior sufoco da minha vida”, relata.
“Os manifestantes estavam bastante furiosos, mas firmes no que estavam a fazer. Eles gritavam o nome de Venâncio Mondlane de todos os lados. No meio da estrada, era notável a presença de adolescentes exigindo dinheiro aos automobilistas para que pudessem passar. Depois de quase 10 minutos de negociação, dei 100 Mts e me deixaram passar. Mas já tinha sido roubado. O saque nas viaturas acontecia à nossa vista, pois, ao chegar na rotunda, os manifestantes subiam nas viaturas e obrigavam os proprietários a abrir os vidros sob ameaça de quebrá-los caso não cumprissem", detalhou.
"Alguns jovens estavam ali para se manifestar pacificamente, tocavam apitos e vuvuzelas, mas naquele grupo havia oportunistas que provocavam a Polícia o tempo todo. Arremessavam pedras sem se importar onde caiam."
Outros relatos ouvidos pela “Carta” indicam que os manifestantes conseguiram libertar alguns no Posto Policial local e usaram separadores de estrada para bloquear a passagem desde Mafurreira até Michafutene. O transporte público foi interrompido, e várias pessoas tiveram que fazer longos percursos a pé. (Carta)