Moçambique viveu, sexta-feira, sábado e domingo, um dos fins-de-semanas violentos e sangrentos da sua história, com a Polícia da República de Moçambique, nas suas diversas especialidades, a fazer mais vítimas mortais e os manifestantes a atearem fogo em diversas infra-estruturas públicas e privadas.
Nem o encontro da última quinta-feira, entre o Comandante-Geral da Polícia e o Presidente do PODEMOS, partido que suporta candidatura de Venâncio Mondlane, foi suficiente para aproximar as posições extremadas entre a Polícia, através da sua Unidade de Intervenção Rápida, e os cidadãos, no âmbito das manifestações populares em curso no país desde 21 de Outubro e que se encontram, agora, na sua terceira fase.
Informações recolhidas pela “Carta” indicam que, só na província de Nampula, oito pessoas foram assassinadas pela Polícia, no sábado, sendo três na cidade de Nampula; quatro na vila de Namialo, distrito de Meconta; e uma no distrito de Mecuburi. Pelo menos 30 pessoas deram entrada no Hospital Central de Nampula, de acordo com os dados divulgados pelo CDD, uma organização da sociedade civil de defesa dos direitos humanos.
De acordo com o CIP Eleições, uma publicação do Centro de Integridade Pública, a província de Nampula foi o epicentro das manifestações, com três focos identificados, sendo que o primeiro foi testemunhado em Namialo, onde os manifestantes bloquearam a Estrada Nacional Nº 1, impedindo, por um lado, a comunicação entre a cidade de Nampula e todos os distritos costeiros e, por outro, entre a cidade de Nampula e os distritos da zona norte da província, incluindo a província de Cabo Delgado.
O segundo foco das manifestações, em Nampula, segundo o CIP Eleições, esteve localizado no distrito de Mecuburi. Neste local, foi baleado mortalmente um manifestante, após ter sido vandalizada a sede do partido Frelimo.
Em Mecuburi, os manifestantes partiram todas as janelas da sede da Frelimo e destruíram alguns bens, como computadores, material propagandístico e produtos alimentares. A Polícia foi ao local e efectuou vários disparos de gás lacrimogéneo, balas de borrachas e reais para dispersar os manifestantes, que atingiram mortalmente uma pessoa.
Em reacção, conta o CIP Eleições, os manifestantes foram incendiar a casa do Polícia que assassinou a tiros o cidadão que estava nas manifestações. Toda a casa, incluindo os bens no seu interior, foi reduzida a cinzas. “Perante a incapacidade da Polícia local para conter a fúria popular, foi destacado um contingente em três viaturas a partir de Nampula para ir reforçar a corporação que já se mostrava cansada e em risco de ficar sem munições e ser capturada pelos manifestantes”, sublinha.
O terceiro foco de manifestações, na província de Nampula, foi mesmo na cidade capital, no mercado Waresta e Trim Trim, saldando em três pessoas foram mortas e pelo menos 28 ficaram gravemente feridas.
Já na sexta-feira, no distrito de Pebane, província da Zambézia, uma pessoa foi morta pela Polícia, durante uma manifestação. Os manifestantes, que circulavam pelos arredores da vila, escalaram o edifício do Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE) para protestar contra os resultados eleitorais, tendo sido impedidos pela Polícia.
Enfurecidos, relata o CDD, os manifestantes invadiram o Comité Distrital da Frelimo e a Polícia respondeu, lançando gás lacrimogéneo para os manifestantes e efectuou disparos, o que resultou no baleamento de três pessoas, sendo que uma delas perdeu a vida.
Em Maputo, a Polícia impediu a conclusão de uma marcha pacífica no bairro de Intaka, no município da Matola. A marcha teve lugar na manhã de sábado, tendo partido do bairro Mukhatine e com destino à rotunda de Tsivene, no bairro Cumbeza, distrito de Marracuene.
O evento foi comunicado à Polícia e a diversas autoridades locais, tendo até contado com a escolta policial, mas faltando pouco mais de 500 metros para a rotunda de Tsivene, a Polícia começou a lançar gás lacrimogénio e a disparar balas reais. Não há relato de vítimas mortais e nem de feridos.
Como retaliação à actuação policial, os manifestantes começaram a paralisar o trânsito e a desembarcar passageiros e ordenaram o encerramento de estabelecimentos comerciais. Dois BTR foram estacionados entre Cumbeza e Boquisso desde quinta-feira. Aliás, em quase toda a Área Metropolitana de Maputo, as FDS (Forças de Defesa e Segurança) espalharam blindados, militares e agentes da Polícia armados com armas de guerra.
Refira-se que a terceira fase das manifestações convocada por Venâncio Mondlane termina na próxima quinta-feira, com a ocupação das principais avenidas e praças da capital do país. (Carta)