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quarta-feira, 22 maio 2024 03:12

INCM é um estorvo ao acesso á internet - sentenceia o juiz Carlos Mondlane

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O Conselho de Ministros, através da Resolução n.º 17/2018, de 21 de Junho, aprovou a Política para a Sociedade de Informação de Moçambique e o respectivo Plano Estratégico. Esse instrumento legal reconhece a existência da conectividade como um direito humano e necessidade essencial, “sendo a chave para o acesso rumo à sociedade de informação”. Mais, refere que “o desenvolvimento da sociedade de informação é, mais do que um desejo, um imperativo para o processo de desenvolvimento económico e social de Moçambique”.
 
Nos últimos dias, o Instituto Nacional de Comunicações de Moçambique (INCM), regulador do sector das comunicações, através da Resolução n.º 1/INCM/2024, de 19 de Fevereiro, entre outras acções, fixou nova tabela tarifária para os serviços de voz, SMS e dados, determinando limites mínimos a serem praticados pelas operadoras. Em causa está a “existência de tarifas anti-concorrenciais ou actos de concorrência desleal, pelo facto de as mesmas tarifas não serem justas, razoáveis, serem discriminatórias, agravado pelo facto de não reflectirem o custo associado a sua prestação”.
 
No fundo, segundo o INCM, há que estabelecer limites mínimos de tarifas porque o mercado actual está desregulado, havendo operadoras que actuam com preços inferiores aos custos de operação. Há, por isso, que regular o mercado.
 
Sucede que essa tabela de preços imposta pelo INCM manifesta-se em termos que agravam de modo bastante expressivo os custos globais das comunicações. Na verdade, ficou muito mais caro comunicar em Moçambique, o que, para um país onde as comunicações, com particularidade na internet, já não eram baratas, menos acessíveis ainda se tornaram.
 
Podia afirmar-se que Moçambique possuía um quadro tarifário que, sem ser dos mais baixos da região, ainda assim era relativamente suportável.  Voltando no tempo, no consulado do Presidente Armando Emílio Guebuza, o estabelecimento de uma operadora cujas operações iniciaram nos cantos mais recônditos dos distritos até chegar às cidades capitais serviu para concretizar o mote do “Distrito ser o polo de Desenvolvimento”.  Foi possível alcançar, com algum grau de sucesso, a inclusão digital, juntando camponeses às populações urbanas. Outras operadoras seguiram o exemplo.
 
A concorrência trouxe benefício para todos, mas, sobretudo, maiores desafios para as operadoras. Em mercados de concorrência vence quem oferece os melhores serviços na proporção preço-qualidade o que implica maior aposta na qualidade da rede, levando a maior investimento. Ganha, em última ratio, o consumidor que tem maiores opções de planos e preços, o que significa que o consumidor se vincula à provedora que melhor atende às suas necessidades e orçamento. Para se destacar da concorrência, as empresas investem na melhoria da qualidade dos serviços, oferecendo internet mais rápida, cobertura mais ampla e atendimento ao cliente mais eficiente. Com mais opções das operadoras e planos disponíveis, o consumidor tem poder de escolha e pode negociar melhores condições. As operadoras oferecem frequentemente promoções e descontos para atrair novos clientes e fidelizar antigos. Isso significa que o consumidor pode encontrar preços mais baixos e condições mais vantajosas para os seus planos.
 
As operadoras ganham sempre porque a dinâmica comercial e o espírito da inovação incentiva-as a buscar novos clientes e expandir a sua participação no mercado. Para se manterem competitivas, as operadoras precisam ser eficientes na gestão dos seus recursos e na prestação dos seus serviços. Isso significa reduzir custos, optimizar processos e investir na tecnologia. 
 
Para um mercado de concorrência com mais de uma dúzia operadoras (Tmcel, Vodacom, Movitel, Starlink, Tvcabo, Teledata, Moznet, Jenny, Moztel, Yes, ClubNet, Connect IT, Satcom, Internet Solutions, Morenet, etc) fica compreendido que o mercado moçambicano é atractivo e que há espaço para a concorrência. O antigo Presidente do Millennium BIM, Dr. Mário Machungo,  era prosélito da frase: “Ninguém entra no mercado para perder dinheiro”. De facto, essa frase reflecte a lógica do comportamento empresarial. As empresas entram no mercado com o objectivo de obter lucro, ou seja, gerar receita que exceda os seus custos. É o princípio do “homo aeconomicus” de Stuart Mill.
 
Na realidade de Moçambique, salvo problemas inerentes à gestão interna, não ouvimos que uma operadora esteja falida ou em processo de insolvência por razões de mercado. Pelo contrário, dia após dia, novos provedores se juntam. O país é ainda virgem para estes serviços. O grau de penetração da internet é dos mais baixos do mundo.
 
Para a economia, a concorrência é benéfica. Gera mais empregos, aumentando a produtividade e promovendo a inovação. O Estado ganha também do ponto de vista fiscal e do bem-estar da sociedade que se revela como um todo em realidade.
 
O papel do regulador é permitir que o mercado das comunicações seja competitivo e eficiente, o que ajuda a reduzir os custos, aumentar a disponibilidade dos serviços e promover bem-estar público. O regulador deve proteger, outrossim, os consumidores de práticas anti-competitivas e abusivas por parte das operadoras. Isso inclui, entre outros, garantir que os consumidores tenham acesso a informações claras e precisas sobre os serviços de internet, o desenvolvimento de novos serviços mais eficientes e acessíveis e a promoção da educação digital. O regulador desempenha, assim, um papel importante na promoção do acesso universal à internet, garantindo que todos tenham a oportunidade de se conectar ao mundo digital.
 
A nível universal, a tendência é de “internet free”, ou seja, internet tendencialmente gratuita. Não é sem razão que nalguns países se surpreendem áreas públicas e privadas onde a internet é gratuita.
 
Em Moçambique, o INCM , contra este estado de coisas, caminha no sentido de empurrar o país para a exclusão digital.  A Resolução n.º 1/INCM/2024, de 19 de Fevereiro, ao obrigar as operadoras a incrementarem as tarifas de voz, SMS e dados, foi a ferramenta que encontrou para a infoexclusão. 
 
Apesar de o INCM afirmar que não houve aumento nas tarifas e até ter simulado redução nas mesmas, a boa verdade mostra que obrigou as operadoras a subirem os preços. É interessante notar que não foram as operadoras que pediram, mas o regulador que decidiu unilateralmente baralhar o mercado. O regulador surge como um obstáculo para o acesso universal dos moçambicanos à internet. A intervenção do INCM contraria qualquer tendência para uma boa classificação de Moçambique nos rankings de acessibilidade e nos empurra para a cauda ao nível africano e regional. A ser assim, o regulador está a falhar no seu papel por se colocar como um estorvo que afecta os direitos dos consumidores e até das próprias operadoras de pleitearem num mercado de concorrência.
 
Adam Smith ensina que, num mercado de concorrência perfeita, o Estado deve deixar que o próprio mercado se regule. Existem forças que actuam movendo a procura, a oferta e os próprios preços. Quanto mais for a concorrência no mercado, mais sensível fica o preço em relação às mudanças na procura e na oferta.
 
Não é aceitável que o regulador (Estado) assuma as dificuldades de um dos operadores cujo modelo de gestão interna é deficiente, burocrático e ineficiente e, por isso, com custos operacionais extremamente elevados, pretender minar o mercado em prejuízo dos demais operadores e consumidores.
 
O INCM não é agente económico. Não compete a si produzir, importar, distribuir ou vender bens ou prestar serviços. O seu papel é unicamente de estabelecer regras e normas para o funcionamento do mercado, promovendo a concorrência e protegendo o consumidor.
 
O Governo do Presidente Filipe Jacinto Nyusi defende a livre concorrência, o acesso universal à internet e à sociedade de informação e comunicação, conforme, de resto, se compreende da leitura da Política para a Sociedade de Informação de Moçambique e do respectivo Plano Estratégico.
 
Quem, na qualidade de regulador, agir de modo contrário, ou não compreendeu o quadro das competências conferidas ou está a sabotar deliberadamente o plano de desenvolvimento do país, o que levaria Moçambique para a idade das trevas nas comunicações.
 
Nem é aceitável a premissa ontem avançada de se conferir um regime favorável para cidadãos entre 16 e 25 anos em detrimento dos demais. A discriminação, no caso, é infundada. O camponês idoso de Malema tem que ter o mesmo direito de acesso à internet que um funcionário citadino de 22 anos. 
 
O consumidor tem, nos termos da Lei da Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 22/2009, de 29 de Setembro, o direito à prevenção e à reparação dos danos patrimoniais ou não patrimoniais que resultem da ofensa de interesses ou direitos individuais homogéneos, colectivos ou difusos e à protecção dos seus interesses económicos.
 
Ainda bem que Moçambique é um Estado de direito e de justiça social (artigos 1 e 3 da Constituição). 
Mais do que protestar nas redes sociais ou em plataformas similares, as associações de defesa do consumidor devem tomar a iniciativa para reclamarem judicialmente contra qualquer tentativa de limitar o acesso à internet. Em última razão, o Ministério Público, na defesa dos interesses colectivos e difusos, deverá propor contra o INCM ou contra qualquer entidade que atente contra o interesse público, designadamente no direito humano à internet. Os tribunais desempenham um papel crucial na defesa do consumidor em Moçambique, garantindo a aplicação das leis e normas que protegem os seus direitos. Acções individuais ou colectivas e medidas cautelares podem colocar fim a este estado de coisas.
 
É dever de todos defender a Constituição e a lei.
 
Vale, a propósito, lembrar a Declaração de Missão da Política de Informática, de 2000, ao estabelecer que “o mundo de hoje está profundamente marcado pela revolução das tecnologias de informação e comunicação… Nesta era da informação, é a capacidade de utilizar eficaz e eficientemente as tecnologias de informação e comunicação que, cada vez mais, determina a competitividade e relevância de um país na economia global”.
 
O princípio é perene e cabe, por isso, a todos os moçambicanos a sua promoção e defesa intransigentes.
 
Carlos Mondlane

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