Por Marcelo Mosse
Nesta manhã em Maputo, a Federação Moçambicana de Empreiteiros (FME), através do seu Presidente Bento Machalia, faz uma conferência de imprensa para dar sua “posição” sobre o estágio do projecto de Mobilidade Urbana da Área Metropolitana de Maputo, cuja empreitada é financiada pelo Banco Mundial na ordem dos 250 milhões de USD.
No seu convite à imprensa, ontem, a FME dizia que tomou conhecimento que o Gabinete Central de Combate à Corrupção (GCCC) “mandou suspender” a adjudicação das obras de construção de estradas na Matola, no âmbito do projecto, alegadamente por alegados vícios insanáveis. Mas isso não é verdade, nem o GCCC tem poderes e mandato para suspender uma adjudicação.
“Carta” sabe que o que o GCCC fez foi solicitar ao Ministério dos Transportes e Comunicações (MTC) que “invalidasse” o concurso, usando os mesmos argumentos que uma construtora concorrente, a portuguesa JJR, usara em sede própria. É óbvio que o MTC não é obrigado a cancelar este concurso, se estiver comprovado internamente que a Unidade de Implementação (UM) do projecto seguiu meticulosamente as regras aplicáveis a um financiamento desta natureza: as regras do Banco Mundial e não o decreto 79/2022, de 30 de Dezembro, como tem alegado a JJR, agora consubstanciado pela FME.
Na conferência de imprensa desta manhã ficará provado que a FME estará a esgrimir os mesmos argumentos da JJR. É expectável que assim seja. A FME faz o lobby dos seus associados. Mas seria de melhor justeza se esse lobby fosse feito de forma mais assertiva e defendesse, em última instância, o erário público nacional. Não é o caso: a FME nunca contactou a direcção do MTC nem a Unidade de Implementação do projecto, para colher os seus argumentos.
O que se espera é que a FME promova a ladainha de uma construtora que não aceita perder e que, no caso vertente, quer comer todo o bolo sozinha. E essa intenção vem desde os primórdios do concurso.
A 23 de Agosto de 2022, o Banco Mundial aprovou o equivalente a 250 milhões de dólares da Associação Internacional de Desenvolvimento (IDA) para melhorar a mobilidade e a acessibilidade na Área Metropolitana de Maputo (AMM).
Mais concretamente, os fundos serão utilizados para (i) a construção do primeiro sistema de transporte rápido de autocarros (BRT) e instalações associadas na Área Metropolitana de Maputo, abrangendo as cidades de Maputo, Matola e a vila de Marracuene; (ii) melhoria do acesso aos bairros de baixo rendimento através de melhoramentos nas vias e estradas; (iii) a construção de infra-estruturas de circulação não-motorizada, bem como a facilitação da mobilidade de grupos vulneráveis.
Apesar da publicação de anúncios em jornais locais para adjudicação das cinco obras estruturantes do concurso (duas estradas em Maputo e três na Matola), o concurso estava aberto a empresários de todo o mundo e ficou claro, desde o início, que o mesmo seria dirimido por regras do Banco Mundial.
Mas o alarme de uma adjudicação manipulada a favor da JJR soou logo na primeira pré-avaliação, feita por técnicos adstritos à edilidade da Matola, tal como havia sido estabelecido. Quando tomaram conta do processo, técnicos da Unidade de Implementação repararam que todos os cinco lotes haviam sido pré-adjudicados à JJR (na verdade quatro à JJR e um a uma firma de nome Siavuca, que concorria com endereço, equipamento e nome do director técnico da JJR). Todos os outros concorrentes haviam sido desqualificados por razões que nos termos das regras do Banco Mundial são sanáveis (coisas como falta de Certidão de quitação fiscal ou segurança Social).
A Unidade de Implementação verificou também que o critério de melhor preço tinha sido ignorado e a JJR vencia, nalgumas obras, com um preço de 200 milhões de Meticais superior que a de outros concorrentes.
O processo foi reorganizado e todos os concorrentes anteriormente desclassificados foram convidados à clarificação das omissões (as quais não envolviam as propostas técnicas e financeiras) e, com as mesmas para todos, a JJR ganhou dois lotes, tendo os três da Matola sido entregues a uma firma multinacional chinesa pelo critério de melhor preço (200 milhões menos que os valores submetidos pela JJR).
Em sede de concurso, a JJR reclamou sem sucesso, alegando violação das regras de "procurement" locais, quando as regras aplicadas foram as do Banco Mundial. Mesmo assim, a firma portuguesa não se deu por vencida. Frise-se que a JJR ganhou dois lotes na cidade de Maputo pelos mesmos critérios aplicados na Matola, onde perdeu para uma robusta firma chinesa. E tenta impugnar Matola, deixando Maputo intacto. E vai alegando corrupção dentro da Unidade de Implementação.
Em Setembro, em resposta a uma solicitação do GCCC, a Unidade de Implementação mostrou detalhadamente todos os passos do concurso. Até ontem, o GCCC não tinha respondido a essa missiva. Mas neste mês de Janeiro, o GCCC solicitou ao MTC uma “invalidação do concurso”, alegando que apurou irregularidades que não podiam ser sanadas. Na verdade, são as mesmas alegações da JJR. A JJR também intercedeu junto do Tribunal Administrativo, contestando e o TA já solicitou ao MTC uma resposta a essa contestação e isso está a ser feito.
Por causa destes expedientes da JJR, um projecto estruturante para Maputo, Matola e Boane está a ser arrastado, atrasando-se a assinatura dos contratos relevantes e a implementação da obra. A JJR continua a tentar aplicar seus preços empolados (preços mais onerosos para o Estado, como tem feito por onde passa), fazendo litigação de má-fé e prejudicando a sociedade em geral. E para isso serve-se da FME. Isto é completamente inaceitável. O sector privado tem a obrigação de jogar limpo e ser transparente.
“Carta” é da opinião que este processo deve seguir seus caminhos com base nas regras estabelecidas a priori. Ao fim e ao cabo, o ónus da prova cabe ao GCCC ou a quem quiser ir protelando.(M.M.)