Está cada vez mais evidente que o crime de raptos, que assola o país desde meados de 2011, é conduzido por funcionários da justiça, com destaque para agentes do SERNIC (Serviço Nacional de Investigação Criminal), da Polícia da República de Moçambique (PRM), magistrados judiciais e do Ministério Público e advogados.
Esta terça-feira, o Gabinete Central de Combate à Criminalidade Organizada e Transnacional anunciou ter deduzido e remetido, ao Tribunal Judicial da Província de Maputo, uma acusação contra três arguidos (dois em prisão preventiva e um em liberdade) por prática dos crimes de rapto, homicídio agravado, armas proibidas, associação criminosa, falsificação de documentos, uso de documento falso, uso de documento de identificação alheio, exercício ilícito de profissão titulada, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais.
Trata-se de arguidos envolvidos no rapto, a 14 de Dezembro do ano passado, do empresário Hayyum Ali Mamade, ocorrido no bairro do Fomento, no Município da Matola, província de Maputo. A vítima viria a ser estrangulada pelos raptores dias depois, após a família se recuar a pagar o resgate e o corpo abandonado em um terreno baldio, no bairro de Mahlampsene.
Dos arguidos do processo, cujos autos estão registados sob número 109/GCCCOT/22, destaca-se a presença de dois funcionários da justiça: um afecto ao SERNIC e outro à Direcção Provincial da Justiça. Embora o Ministério Público não avance o nome das províncias, “Carta” sabe tratar-se de indivíduos afectos às direcções (da Justiça e SERNIC) da província de Maputo.
De acordo com o comunicado de imprensa emitido na manhã de hoje pelo GCCCOT, o funcionário da Direcção Provincial da Justiça se dedicava à falsificação de documentos, defesa dos raptores em tribunais, através de procuradoria ilícita (isto é, aproveitava-se da sua formação em direito e fingia ser advogado para representar seus comparsas em processos judiciais) e monitorava o movimento das vítimas.
O Ministério Público diz que o indivíduo é reincidente neste tipo de crimes, tendo sido julgado e condenado, em 2015, a 23 anos de prisão maior pela 8ª Secção Criminal do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo. Porém, terá interposto um recurso junto do Tribunal Superior de Recurso de Maputo, de onde fora absolvido. Neste momento, o seu processo aguarda por uma decisão do Tribunal Supremo, após a entrada do recurso do Ministério Público.
O outro arguido, narra o Ministério Público, é um agente do SERNIC que, para além de partilhar informações operativas com grupos criminosos, também executava as missões de rapto. “O mesmo sempre esteve associado à prática de vários crimes, dentre eles burla, tirada de preso e corrupção, facto que concorreu para sua demissão, em 2019”, acrescenta.
Refira-se que esta não é a primeira vez em que funcionários da justiça, em particular do SERNIC, são “pescados” nas malhas do crime de raptos. Em Fevereiro de 2022, por exemplo, o Ministério Público acusou agentes da PRM e do SERNIC, afectos às Brigadas de Rapto e Criminalidade Organizada, na província e cidade de Maputo, de terem raptado, em missões criminosas, uma cidadã moçambicana que se dedicava ao tráfico e venda de drogas, com intenção de se apoderar de bens, drogas e valores monetários. Tal como em outros casos, aqui, os indivíduos usaram também a informação privilegiada em proveito próprio.
Ainda em Abril do ano passado, a Procuradora-Geral da República denunciou, na apresentação do seu Informe, o envolvimento não apenas de agentes do SERNIC e da PRM, como também de advogados e magistrados.
“O envolvimento de alguns membros de corporações ou sectores ligados ao tratamento desta matéria, tais como SERNIC, PRM, advogados e até magistrados, bem como de outros actores do judiciário, cria fragilidades na investigação e instrução dos respectivos processos, além de perigar a segurança daqueles servidores públicos que estão comprometidos com o combate ao crime”, disse a fonte. (A.M.)