Os partidos da oposição, a Renamo e o Movimento Democrático de Moçambique (MDM), contestam os resultados das eleições autárquicas de 11 de Outubro divulgados pela Comissão Nacional de Eleições no passado dia 26, atribuindo vitória à Frelimo em quase todas as autarquias.
Os dois partidos políticos dizem que os resultados não reflectem a vontade dos moçambicanos e que, para além da manipulação, houve enchimento das urnas a nível nacional. Desde a divulgação dos resultados, o país é marcado por manifestações de protesto brutalmente reprimidas pela polícia, tendo já resultado em mortos e feridos.
A Renamo e o MDM submeteram vários recursos aos tribunais distritais e a decisão final depois da divulgação dos resultados pela CNE caberá ao Conselho Constitucional.
Num passado recente, o continente africano testemunhou a anulação de eleições gerais no Malawi e no Quénia, devido a graves irregularidades que em nada diferem das verificadas nas autárquicas de 11 de Outubro.
As irregularidades levaram o Tribunal Constitucional do Malawi em 3 de Fevereiro de 2020 a anular os resultados das presidenciais de 2019 e pediu uma nova votação. A oposição contestou os resultados que deram vitória ao Presidente-cessante Peter Mutharika.
O Tribunal Constitucional do Malawi anulou a votação após detectar irregularidades "generalizadas, sistemáticas e graves", incluindo o uso de correctores para a alteração dos resultados. Na mesma sentença, o tribunal também ordenou a realização de novas eleições, após vários protestos violentos registados no país contra os resultados anunciados pela Comissão Eleitoral.
A eleição de Peter Mutharika, em 21 de Maio de 2019, deu início a meses de contestação, que chegou a causar vítimas mortais. "O que estão a tentar fazer é desestabilizar este país e assumir este Governo. Garanto que só vão assumir este Governo sobre o meu cadáver", disse o Presidente Peter Mutharika num discurso no dia da independência do Malawi, 6 de Julho.
A comissão eleitoral do Malawi admitiu a existência de irregularidades nas eleições, mas à semelhança do que tem sido recorrente em Moçambique, considerou sempre que eram insuficientes para alterarem os resultados da eleição. Segundo os dados da comissão eleitoral, Peter Mutharika havia conquistado 38,57% dos votos, ficando à frente de Lazarus Chakwera, com 35,41%, e Saulos Chilima, com 20,24%.
No novo escrutínio, ganhou o candidato presidencial do MCP (Malawi Congress Party) Lazarus Chakwera que vai governar até 2025.
O mesmo havia acontecido no Quénia em 2017, onde o Tribunal Supremo do Quénia anulou o resultado das presidenciais.
A decisão judicial anulava, assim, a reeleição do Presidente Uhuru Kenyatta, alegando irregularidades. Um novo escrutínio teve lugar dois meses depois.
Na sua sentença, o Tribunal Supremo disse, a 1 de Setembro de 2017, que a Comissão Eleitoral do Quénia "cometeu irregularidades" durante as eleições presidenciais que "afectaram a integridade do processo". O escrutínio, que ocorreu a 8 de Agosto do mesmo ano, "não foi conduzido de acordo com a Constituição", disse o juiz presidente do Supremo Tribunal do Quénia, David Maraga.
A decisão de anulação das eleições foi aprovada pela maioria dos juízes - apenas dois foram contra, num total de sete. David Maraga ordenou também a realização de novas eleições dentro de 60 dias, "em estrito cumprimento da Constituição".
Uhuru Kenyatta havia sido declarado pela Comissão Eleitoral vencedor com 54,27% dos votos, contra os 44,74% obtidos por Raila Odinga, da oposição.
Odinga alegou que os votos electrónicos tinham sido pirateados e manipulados a favor do Presidente Uhuru Kenyatta. No caso de Moçambique, terá o Conselho Constitucional a mesma integridade e verticalidade para anular os resultados das autárquicas de 11 de Outubro na sequência da alegada fraude, tal como aconteceu no Malawi em 2020 e no Quénia em 2017 em que os tribunais constitucionais anularam as presidenciais?
Recorde-se que, pela primeira vez na história da democratização africana, um tribunal tomou a decisão de anular a eleição irregular de um presidente e, caso isso venha a acontecer em Moçambique, será a primeira vez, mas numa eleição autárquica. (Carta)