A polícia moçambicana impediu ontem a realização de uma vigília em homenagem a um jovem que perdeu a vida quando estava detido num posto policial em Maputo, alegando que existiam “oportunistas” interessados em “promover desordem pública”.
“Nós não entendemos isto como uma vigília. Primeiro porque não foi solicitada pela família, é um movimento criado por um grupo de oportunistas, que se serviu da dor desta família para promover situações que podem precipitar desordem pública”, declarou à comunicação social o porta-voz da Polícia da República de Moçambique (PRM), Leonel Muchina, na cidade de Maputo.
Em causa está uma vigília que foi convocada pela organização não-governamental Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD) para homenagear Macassar Abacar, jovem bailarino que perdeu a vida na 3.ª Esquadra da Polícia da República de Moçambique, na Cidade de Maputo, na sexta-feira, em circunstâncias que levantam dúvidas, segundo a sociedade civil moçambicana.
Para travar a vigília, que devia ocorrer às portas do posto policial, as autoridades mobilizaram um forte contingente, incluindo a força canina, que cercou dois quarteirões, impedindo a circulação de qualquer pessoa que tentasse passar pela avenida Mao Tse Tung, entre as principais da capital moçambicana.
“Nós estamos numa zona com um potencial delitivo [ato de delito] violento e estamos a falar de uma manifestação que se chama para instalar-se numa subunidade da polícia. Nós estamos a dizer que as pessoas da zona são potenciais delitivos que podem aproveitar-se desta marcha para criar tumultos”, disse Leonel Muchina, em alusão ao bairro onde o posto policial está instalado, uma área descrita como um dos principais circuitos para tráfico e consumo de drogas na capital moçambicana.
A família da vítima acusa a Polícia da República de Moçambique de ter espancado Macassar Abacar até à morte a mando de uma ex-namorada, após desavenças devido a uma dívida que a mulher tinha com o pai do jovem bailarino, mas as autoridades demarcam-se, alegando que ele perdeu a vida em resultado de um derrame cerebral.
“O jovem perdeu a vida em resultado de um derrame cerebral ocasionado não por uma lesão física como vem se dizendo em alguma media especulativa”, frisou o porta-voz, acrescentando que o jovem bailarino aparentava estar “debilitado por consumo de estupefacientes”.
A família da vítima, que esteve no local onde a vigília devia ocorrer, duvida da versão de uma morte por derrame cerebral, considerando que Macassar Abacar não sofria de qualquer doença.
“O meu irmão nunca esteve doente. Eles disseram que ele tinha tumor. Só se a polícia tiver colocado o tumor na cabeça dele […]. Pedimos o resultado da autopsia e eles disseram-nos para irmos buscar o resultado no comando da polícia, o que não faz sentido”, disse à Lusa o irmão da vítima, lamentando o cordão policial criado para travar a vigília em homenagem a “Cebolinha”, como era carinhosamente conhecido em vários círculos de Maputo.
O episódio de ontem ocorreu quatro meses depois da repressão policial violenta de marchas convocadas em todo o país para homenagear o 'rapper' de intervenção social Azagaia, que perdeu a vida em 09 de março, vítima de doença.
A violência policial das marchas em homenagem ao “'rapper' do povo” mereceu a condenação de várias entidades, que alertaram para a agressão policial injustificada face a grupos pacíficos e desarmados, classificando-os como um dos sinais mais visíveis das limitações à liberdade de expressão e de manifestação em Moçambique nos últimos anos. (Lusa)