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segunda-feira, 03 julho 2023 18:30

Dívidas ocultas: Juiz britânico recusou-se a arquivar processo moçambicano, escreve Paul Fauvet

credito suisse tribunal 1

O juiz do Supremo Tribunal britânico, Robin Knowles, recusou-se segunda-feira a rejeitar o processo de Moçambique no caso do escândalo das "dívidas ocultas" do país. Os réus, que incluem o banco Credit Suisse e o grupo Privinvest, com sede em Abu Dhabi, tentaram persuadir Knowles a arquivar o processo alegando que Moçambique não forneceu documentação suficiente para apoiar o seu caso.

 

O processo decorre dos empréstimos ilícitos de mais de 2 bilhões de dólares que três empresas moçambicanas fraudulentas ligadas à segurança (Proinducus, Ematus e MAM) tinham obtido do Credit Suisse e do banco russo VTB entre 2013 e 2014.

 

Os empréstimos só foram possíveis porque o Governo moçambicano da época, sob a liderança do Presidente Armando Guebuza, emitiu garantias soberanas para a totalidade do crédito para 100 por cento dos empréstimos. O ministro Manuel Chang assinou as garantias de empréstimo mesmo sabendo muito bem que elas violavam o tecto de estabelecido nas leis orçamentais de 2013 e 2014.

 

Previsivelmente, as três empresas não conseguiram pagar os empréstimos e faliram. Assim, os empréstimos ocultos foram transformados em “dívidas ocultas”. E Moçambique levou o caso aos tribunais de Londres na tentativa de que as garantias de empréstimo fossem declaradas nulas e sem efeito, e para garantir uma indemnização do Credit Suisse, da Privinvest e seus funcionários corruptos.

 

Houve, pelo menos, um suborno maciço feito para garantir os empréstimos: a Privinvest gastou centenas de milhões de dólares para subornar funcionários moçambicanos (incluindo Chang) e banqueiros do Credit Suisse. Os três funcionários do Credit Suisse envolvidos na negociação dos empréstimos (Andrew Pearse, Detelina Subeva e Surjan Singh) admitiram a um tribunal de Nova Iorque que tinham recebido subornos da Privinvest.

 

Na sua argumentação ao juiz Knowles, o Credit Suisse e a Privinvest não se debruçaram sobre os seus próprios crimes, mas disseram que o caso deveria ser arquivado por falta de divulgação de mais dados pelas autoridades moçambicanas.

 

No entanto, na decisão desta segunda-feira, Knowles determinou que o caso continuasse. Ele disse que "não é justo, proporcional ou necessário" arquivar o caso.

 

Por conseguinte, o julgamento terá início em Londres, a 2 de Outubro. Ele alertou, no entanto, que "no julgamento, todas as alternativas, incluindo o arquivamento, no todo ou em parte" continuam disponíveis. Ele acrescentou que não considera haver agora um "risco substancial de um julgamento injusto", mas admitiu que "terá de se proteger com especial vigilância contra injustiças no julgamento".

 

O juiz alertou que a ausência de documentos oficiais moçambicanos pode ser prejudicial para o organismo que gere o caso moçambicano, a Procuradoria-Geral da República (PGR). Knowles advertiu que, durante o julgamento, o tribunal "pode ter que concluir que falhas na divulgação da República ou no cumprimento da República de seus deveres de divulgação têm consequências adversas substantivas para o caso da República".

 

Knowles levantou, pela primeira vez, a possibilidade de arquivar o caso em Março, quando ordenou ao governo moçambicano que garantisse o acesso a documentos relevantes mantidos em repartições públicas, como o gabinete do Presidente e o Serviço de Informações e Segurança, o SISE.

 

Não é de estranhar que o SISE relute em lavar a roupa suja em público. Pois o SISE foi efectivamente responsável pelas três empresas fraudulentas.

 

Knowles disse que os advogados britânicos que representam a PGR, juntamente com o procurador-geral adjunto, Angelo Vasco Matusse, reuniram-se com o Presidente Filipe Nyusi e obtiveram autorização para novas buscas. Após buscas no Gabinete do Presidente, Gabinetes dos Assessores do Presidente, Secretária-Geral e Gabinete do Chefe da Casa Civil, foram identificados 20 documentos adicionais.

 

Mas as buscas no SISE caracterizaram-se pelo segredo de Estado, com o SISE a admitir que "era e continua a ser raro para as pessoas trabalharem na instituição usando contas de e-mail institucionais".

 

Os advogados de Moçambique instaram Knowles a considerar que o caso diz respeito a uma "fraude internacional e corrupção de funcionários públicos em grande escala".

 

Enquanto o Credit Suisse pelo menos admitiu que os seus funcionários receberam subornos, a Privinvest fez a alegação extraordinária de que todos os pagamentos que fez eram legais ao abrigo da lei moçambicana, uma falsidade que a PGR não terá dificuldade em rasgar em pedaços.

A Privinvest alega ainda que honrou as obrigações que lhe incumbem por força dos seus contratos com a Proindicus, a Ematum e a MAM. De facto, uma auditoria independente constatou que a Privinvest tinha sobrefaturado as três empresas. Teve mais de 700 milhões de dólares cobrados pelos barcos de pesca, estações de radar e outros activos que fornecia. (Paul Fauvet, AIM)

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