Sete anos depois de ter deixado um país inteiro de “boca aberta”, ao defender que Moçambique estava no “fundo do poço”, em referência à crise causada pelas dívidas ocultas e ao conflito que se verificava na zona centro do país, entre o Governo e a Renamo, Teodato Hunguana, membro sénior do partido Frelimo, voltou a lançar mísseis para dentro do seu partido, desta vez criticando o sistema político adoptado pelo país, considerando-o altamente corruptivo.
Falando esta terça-feira, em Maputo, durante a cerimónia de celebração dos 18 anos do Centro de Integridade Pública (CIP), uma organização da sociedade civil que defende transparência na gestão do erário, Hunguana defendeu que o centralismo cria condições propícias para a corrupção, pois, “o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente”.
“Este sistema corrompe a sociedade, corrompe a política, corrompe os partidos e corrompe até a sociedade civil”, disse Hunguana, sublinhando que a corrupção, em Moçambique, tem a sua génese no longínquo ano de 1975, quando foi aprovada a primeira Constituição da República, adoptando-se o centralismo do poder que, para o antigo Ministro da Informação, “é receita certa para a evolução da corrupção”.
“A corrupção começou como um pequeno jacaré (…). Sem embargo, o jacaré foi crescendo, derrubando todas barreiras com que a repressão o tentou travar. Afinal, não se estava perante um caso de criminalidade comum, mas perante um problema complexo de natureza política, económica e social e, como tal, um problema resistente à toda repressão. A corrupção resistiu, afirmou-se e hoje está bem adulta e enraizada”, defende o jurista.
Segundo Teodato Hunguana, no sistema actual, confundem-se, no Executivo, a chefia do Estado com a chefia do Governo, fazendo com que a interdependência entre os três poderes (executivo, legislativo e judicial) seja relativizada.
“Ora, num sistema de Direito Democrático, o Executivo tem de responder perante o Parlamento. No nosso caso, o Executivo não responde perante o Parlamento, vai dar uma informação, mas não responde, não é responsabilizado pelo Parlamento e o Presidente da República vai dar uma mensagem à nação, através do Parlamento”, sublinha, acrescentando que, no caso do nosso país, em que o Presidente da República é automaticamente presidente do partido vencedor das eleições legislativas, a independência da própria Assembleia da República fica comprometida.
No entanto, o antigo Juiz do Conselho Constitucional conta que a concentração do poder em uma única figura já tinha sido minimizada, em 1986, aquando da quinta revisão da Constituição (monopartidária) da República, em resultado da guerra dos 16 anos. Nessa revisão, diz Hunguana, o presidente da Assembleia Popular (actual Assembleia da República) passou a ser eleito entre os membros do órgão e o Primeiro-Ministro tornou-se Chefe do Governo, enquanto o Chefe de Estado concentrava-se nos assuntos da guerra.
“Esta separação abria o caminho para um funcionamento mais autónomo das instituições e seria de prever que, na sua evolução, desembocasse nesse bom porto: da separação dos poderes”, afirmou, revelando que o recuo se verificou em 1990, quando aprovou-se a primeira Constituição multipartidária.
Como resultado, “do Presidencialismo mitigado, resultante da desacumulação, a Constituição de 1990 recuou para um Presidente mais próximo do anterior ultrapresidencialismo, o que ditou um sistema de Governo fortemente presidencialista. (…) Desembocamos, hoje, num sistema de centralismo presidencialista absoluto, em que tudo gira em torno deste presidente absoluto, sendo que a autonomia das instituições é relativizada e, por conseguinte, não há efectiva interdependência, não há controlo e responsabilização e tudo fica directa ou indirectamente dependente da vontade política de quem detém o poder”.
Aliás, Teodato Hunguana, que também foi deputado da Assembleia da República, lembra que o semi-presidencialismo até tinha sido proposto pelas bancadas parlamentares da Frelimo e da Renamo, em 1995, porém, a Renamo acabou recuando do projecto, em 1999, pensando que ia ganhar as eleições e, com isso, queria governar com os mesmos poderes atribuídos ao primeiro Presidente da República eleito.
Por essa razão, Teodato Hunguana entende que, enquanto não se discutir o conceito “poder” e a organização do poder, não se estará no cerne do problema da corrupção, mas na sua periferia, discutindo-se “incipiências e marginalidades”.
“O poder isento de limitações e controlo efectivo e de responsabilização, garante um ambiente propício em que se gere e reproduz a corrupção. Portanto, é preciso pensar e repensar o sistema. É preciso mudar o sistema para abrir o caminho para o normal desenvolvimento das instituições, porque só na sua plena liberdade e independência de funcionamento poderão dar resposta efectiva do problema estrutural da corrupção”, concluiu. (A. Maolela)