Álvaro Vaz afirma que há casos em que o alerta é transmitido tardiamente, quando o INGC está “apertado” com outras operações. Adianta que, nestas últimas cheias no Rovúbuè, o INGC estava à míngua, em termos de recursos, pois já tinha tido enfrentado idêntica situação na Beira, em Nicoadala e no Licungo.
Apesar de admitir que a capacidade de resposta do INGC tinha de ser imediata, Vaz sublinha que aquele Instituto estava limitado. “Estamos a viver um fenómeno extremo. Penso que a situação que estamos a viver hoje é pior do que aquela que vivemos em 2000 com as grandes cheias que tivemos, que se estenderam desde o Umbeluzi até ao rio Buzi”, acrescentou. É de opinião que “desta vez o número de mortes vai ser menor, mas do ponto de vista de prejuízos materiais a situação é de uma verdadeira catástrofe”.
Havia dados para lançar-se um “alerta vermelho” em Tete
Para Vaz, o ciclone IDAI veio sobrepor-se a outras situações críticas que vinham acontecendo nas últimas semanas. “Para que esse cenário seja percebido é importante lembrarmo-nos que, na época chuvosa, muitas províncias da região centro tiveram chuvas todos dias, acima de 100 milímetros por dia”, disse. As cheias que assolam a zona centro, agravadas pelo ciclone IDAI, tiveram os primeiros sinais em Tete, com um comportamento muito “estranho” do rio Rovúbuè. Na altura aventou-se a possibilidade de o Rovúbuè não conseguir escoar as suas águas para o rio Zambeze. Desafiando tal ideia, Vaz referiu que não sabia se tinha de classificar a situação do Róvubuè como estranha.
“No dia 8 de Março, na madrugada e de manhã, o que se passou no Rovúbuè é que começámos a ter, em dias seguidos, precipitação muito elevada na parte alta dessa bacia. Ou seja, desde a região de Angónia e do Tsangano tivemos grandes precipitações, acima de 100 milímetros, o que permitiu uma média 150 milímetros nessa região alta. Portanto, de alguma forma essas cheias eram previsíveis. Quando vi esses números das precipitações, fiz cálculos e concluí que teríamos ali na zona baixa do Rovúbuè 4 mil metros cúbicos por segundo, que já era uma cheia grande. Por isso, na minha opinião, era motivo para se accionar o alerta vermelho. Por alguma razão esse alerta não foi lançado, apesar de o INAM ter avisado sobre as precipitações que ocorriam naquele local”.
O não ter-se lançado esse “alerta vermelho” na referida região, de acordo com Álvaro Carmo Vaz, acabou por provocar inundações em muitos povoados. “A cheia foi ainda maior, pois não foram apenas 4 mil metros cúbicos por segundo, conforme tinha calculado, mas sim 8 mil metros por segundo. Um valor muitíssimo elevado para aquele rio”, sublinhou.
Descargas da HCB deviam ter sido reduzidas
Na visão de Vaz, quando as autoridades se aperceberam das precipitações em Angónia e Tsangano deviam ter entrado em contacto com a Hidroelétrica de Cahora Bassa para reduzir-se, durante alguns dias, as descargas, a fim de minimizar as cheias no Rovúbuè. “Uma vez que não se fez isso, ficámos com os 8.000 metros cúbicos do Rovúbuè mais os 3.000 do Zambeze. A comunicação foi feita tarde”, afirmou aquele Carmo Vaz, que é o primeiro Professor Catedrático da UEM.
Quando questionado se caso o INGC tivesse solicitado à HCB para reduzir as descargas a medida poderia na altura ter contribuído positivamente na mitigação das cheias, Álvaro Vaz respondeu que as enchentes teriam sido minimizadas porque os afluentes de Zambeze têm “cheias de caudal de pontas muito elevadas, mas de muito pequena duração”. Adiantou que a HCB “não precisa de reduzir durante muitos dias ou semanas, precisa de reduzir durante dois ou três dias. Eles já mostraram a sua importância durante as cheias de 2001 e 2007”.
As cheias nas bacias no Púnguè e Buzi são vistas em diferentes dimensões por Vaz. “Separemos os dois rios. No caso do Púnguè, não temos uma única grande barragem. Temos uma média barragem”. O especialista defende que uma barragem no rio Púnguè teria um enorme impacto na mitigação das cheias. Quanto à situação no Buzi, ele afirma ser diferente “porque essa zona do Zimbabwe tem grandes precipitações, e também a zona de Manica, que praticamente tem impacto num dos principais afluentes do Rio Buzi, que é o Revue. E no rio Revue nós temos uma grande barragem, a de Chicamba”.
Cidade da Beira
Álvaro Carmo Vaz defendeu que a situação da Beira devia ser repensada, em virtude de aquela cidade ter sido implementada num local onde há problemas difíceis de água, tanto no que diz respeito a abastecimento, como em termos de saneamento e drenagem. Referiu que essa situação está relacionada com a baixeza do espaço (NE:uma altitude de apenas 14 metros acima do nível do mar), enquanto O outro problema é o do nível das marés da cidade da Beira. “As marés da Beira são diferentes das de Maputo. Em Maputo temos marés de dois metros, e a cidade da Beira possui marés de sete metros. Isso tem impacto grande”.
Na óptica de Vaz, a reconstrução da Beira deve ser rigorosa e muito bem ordenada, tendo em conta aquilo que é a geografia daquela cidade e o seu clima. “Na reconstrução não se podem cometer erros… Beira teria de se expandir para o interior, e não se limitar à costa”, alertou.(Sérgio Raimundo)