Está declarada a guerra entre os juízes e o Governo, tendo a Tabela Salarial Única (TSU) no centro da discórdia. Depois de terem dito à vice-Ministra da Economia e Finanças que todos os Tribunais Judiciais (desde o nível distrital ao Supremo) são órgãos de soberania, os magistrados judiciais avançam agora para a impugnação da Lei que aprova a TSU.
Em causa, diz a Associação Moçambicana de Juízes (AMJ), está o facto de a TSU ter afectado, por um lado, gravemente o estatuto remuneratório dos juízes moçambicanos e, por outro, um conjunto de direitos anteriormente conquistados pela classe mercê da sua condição particular.
“A aprovação da Tabela Salarial Única (TSU), pela Lei n.º 5/2022, de 14 de Fevereiro, alterada e republicada pela Lei n.º 14/2022, de 10 de Outubro, e os sucessivos decretos complementares, afectaram gravemente o estatuto remuneratório dos juízes moçambicanos, porquanto não só retiraram dos juízes de diversas categorias o estatuto de titulares dos órgãos de soberania (Tribunal) como, de modo geral, afectaram negativamente um conjunto de direitos anteriormente conquistados pela classe profissional mercê da sua condição particular”, defende a agremiação, numa carta em que convoca toda a classe para uma Assembleia Extraordinária a ter lugar na tarde desta segunda-feira.
Segundo a AMJ, a deterioração do estatuto profissional do juiz contradiz a letra e o espírito do pautado na Constituição da República e viola os princípios plasmados em instrumentos jurídicos internacionais com que Moçambique tem compromisso, nomeadamente, Princípios Básicos das Nações Unidas para a Independência do Judiciário, Princípios de Bangalore de Conduta Judicial, Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos.
Os magistrados judiciais defendem ser dever de todos os Governos e demais instituições “respeitar a independência do judicial e o seu estatuto”. Entendem ainda ser essencial que os juízes “honrem, respeitem e defendam intransigentemente a independência do poder judicial, não deixando, entre outros, corroer o seu estatuto”.
Assim, a agremiação irá se reunir às 16:00 horas de hoje, na capital do país, para discutir os mecanismos de impugnação da Lei que aprova a TSU e diplomas complementares.
Esta, refira-se, não é a primeira vez que os juízes defendem ser ilegal que os seus salários sejam definidos pelo Governo, por colocar em causa a separação de poderes. Em Novembro de 2021, durante uma audição parlamentar, os juízes disseram que o salário do Presidente da República não devia servir de referência para o estabelecimento dos seus vencimentos.
“A referência ligada ao poder judiciário, tendo em conta o princípio de separação de poderes, deve ser o vencimento do presidente do Tribunal Supremo”, disse Carlos Mondlane, presidente da AMJ, durante a audição.
Mas, debalde. O artigo 14 da Lei n.º 5/2022, de 14 de Fevereiro, alterada e republicada pela Lei n.º 14/2022, de 10 de Outubro, refere que o vencimento do Presidente da República constitui referência para a determinação do vencimento do titular ou membro de órgão de soberania e de órgão público. O Presidente do Tribunal Supremo aufere um vencimento equivalente a 80% do salário do Chefe de Estado.
Já o Decreto n.º 50/2022, de 14 de Outubro, aprovado pelo Conselho de Ministros e que aprova os procedimentos a adoptar para o enquadramento dos servidores públicos, dos titulares ou membros de órgão público e dos titulares e membros dos órgãos de Administração da Justiça, na TSU, coloca os juízes de Direito A, Direito B e Desembargador como especialistas e os juízes de Direito C e Direito D na categoria de Técnico Superior N1.
Os magistrados judiciais, sublinhe-se, não são os únicos que contestam a TSU. A lista integra, igualmente, magistrados do Ministério Público, docentes universitários, professores, médicos, enfermeiros e diversos funcionários públicos. (Carta)