O recente Congresso da Frelimo serviu também para reforçar politicamente o triunvirato que agora controla a fatia de leão dos negócios do Estado na sua interface com o sector privado.
O Presidente da Frelimo foi eleito por unanimidade.
Os pretensos contra-pesos das chamadas alas de Guebuza e Chissano mostraram-se inúteis. Os dois demonstram que não passam de tigres de papel, embora Guebuza tivesse dado costas à cerimónia de entronização de Nyusi. Graça Machel, por sua vez, atirou a toalha ao chão, abandonando o coro cacofônico das hosanas do endeusamento.
Samito Machel cedeu sua postura de desalinhamento com o Nyussismo e deixou-se arregimentar na "passarela" final das monções e saudações, submetendo-se a batuta de Filipe Nyusi, na sua conseguida empreitada do unanimismo.
A segunda figura do triunvirato é a senhora mão de ferro da Autoridade Tributária, Amélia Muendane, que ascendeu à Comissão Política da Frelimo. Ela vê-se reforçada politicamente. Recebe um certo nível de autoridade para impor sua preferência nos negócios que caem sob a alçada da AT e afins.
Já era notável a sua tendência de ignorar os ministros de Tutela, tratando directamente com o PR Filipe Nyusi, por ter alegadamente sido crucial na gestão da primeira eleição presidencial do actual timoneiro. Com Muendane na Comissão Política, o lobby económico que usa os seus serviços vai certamente ganhar peso contra o imperativo da transparência e da probidade.
Provavelmente, “a golpada” à Mcnet está ao virar da esquina.
Na semana passada, a CTA (Confederação das Associações Económicas) havia agendado uma conferência de imprensa para denunciar que o Concurso Público n.º 01/AT/2022 para a Contratação de Serviços de Concessão para o Desenho, Implementação, Operação & Manutenção da Janela Única Electrónica (JUE), era um “processo não muito claro”.
Pela primeira vez na sua história, a CTA se vê agora empurrada para confrontar directamente uma autoridade do Estado, acusando-a de improbidade. A conferência de imprensa adiada deverá ter lugar nesta semana. Será uma contestação aberta a Amélia Muendane, que agora goza do respaldo da Comissão Política.
Como o Partido Frelimo é também um importante centro de decisão, é muito provável que o destino deste concurso vai ser arrumado no foro da sua Comissão Política, uma orgão que agora também surge travestido de Comissão dos Negócios do Estado (Nyusi, Nakhare e também Celso Correia, que gere os milhões do Sustenta, um programa de bandeira do Governo, mas onde os processos de procurement nunca foram expostos à opinião pública).
“Carta” sabe que os procedimentos de procurement no negócio da Janela Única foram sistematicamente violados, com o envolvimento directo de Nakhare. Como todo o procurement em Moçambique, esta "Contratação" visa essencialmente substituir o operador Mcnet (onde a CTA é accionista, o que significa que poderá perder uma fatia considerável do seu financiamento) por um outro operador já escolhido a dedo.
Nossas fontes apontam para um lobby sul coreano, que já presta serviços à Autoridade Tributária, designadamente a área de selagem de carga transfronteiriça, no domínio da prevenção do contrabando.
O último do triunvirato é Constantino Bacela. O homem que geria os negócios da Frelimo e de Filipe Nyusi - com destaque para as áreas de construção civil, combustíveis, segurança privada, comércio de automóveis e comunicação social - e que foi nomeado em Novembro de 2021 como Ministro na Presidência para Assuntos da Casa Civil, ascendeu a membro do Comité Central. Mais uma ascensão que poderá aumentar disrupções no procurement público. Mesmo antes de chegar à Presidência, Bacela era temível nos concursos de fornecimento ao Estado. Ele rapava tudo!
Quando chegou à Presidência, Nyusi deu-lhe mais poder simbólico. Bacela não foi obrigado a abdicar de seus interesses empresariais, como se mandaria numa democracia mais a sério. Pelo contrário, ganhou maior capacidade de se impor perante as UGEAs. E é isso que tem acontecido. Agora ele sai mais reforçado.
Um dos negócios mais recentes envolvendo Bacela foi a aquisição de frota de blindados Mahindra para o Exército, com financiamento europeu. Os veículos militares foram trazidos da Índia pela Mocambique Holdings Limited, de José Parayanken. Bacela é citado como tendo interesses neste conglomerado, que agencia a Mahindra. Parayanken forjou laços de negócios com Filipe Nyusi, que lhe ofereceu a operacionalização da iniciativa presidencial Um Hospital Um Distrito (https://www.cartamz.com/index.php/politica/item/9362-a-iniciativa-de-filipe-nyusi-um-distrito-um-hospital-vai-beneficiar-a-mocambique-holdings-do-indiano-parayanken).
O facto de Bacela acumular a função de Ministro na Presidência a par do seu continuado envolvimentos em negócios onde o Estado é o principal cliente levanta tremendas questões de probidade pública e ninguém em Moçambique está preocupado com isso. E seu cartão de membro do Comitê Central é um um salvo conduto nas suas passeatas pelas UGEAS deste país.(Marcelo Mosse)