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sexta-feira, 07 outubro 2022 06:43

Cinco anos de terror em Cabo Delgado: avanços e recuos

Mais da metade dos 17 distritos de Cabo Delgado já foram alvos de ataques terroristas, à excepção de Montepuez, Namuno, Balama, Pemba e Mecufi. Segundo o projecto de monitoria do conflito no norte de Moçambique, mais de 4 mil pessoas civis e militares morreram desde 2017.

O dia 5 de Outubro de 2017 entra na história quando se fala do terrorismo no norte de Moçambique. Da vila de Mocímboa da Praia para outras partes da província de Cabo Delgado, e mais tarde para Niassa e Nampula, os ataques terroristas, primeiramente considerados pelas autoridades de acções de grupos de "bandidos", "malfeitores", "insurgentes" e finalmente de terroristas, resultaram em mortes, inviabilizaram investimentos, destruíram vilas, aldeias e obrigaram a deslocação de perto de um milhão de pessoas.

Inicialmente Mocímboa da Praia e hoje em 12 distritos

Com a entrada em cena das tropas estrangeiras, em 2021, com destaque às ruandesas, algumas vilas como Mocímboa da Praia, que durante um ano esteve sob controlo total dos terroristas, foram libertas, o que permitiu, em seguida, o início da ofensiva contra as principais bases terroristas.

 

No entanto, em termos de expansão, o terrorismo passou de Mocímboa da Praia para Macomia, Palma, Nangade e Quissanga, Meluco e Ibo, e desde Junho deste ano a Ancuabe e Chiúre.  Líderes terroristas como Muhamudo, Rajabo, Kassimo e Tohine Muhidine foram mortos pelas forças estatais, mas nunca ficou claro sobre o procurado comandante terrorista, Bunomar Machude. 

Também em Novembro de 2021, o terrorismo voltou a sentir-se em grande escala no distrito de Mecula, na província do Niassa, e em Junho e Setembro deste ano nos distritos de Memba e Eráti, na província de Nampula.

Falando à imprensa na cidade de Pemba, por ocasião da passagem dos cinco anos do início do terrorismo em Cabo Delgado, o Comandante-Geral da PRM, Bernardino Rafael, considerou que há avanços no combate ao terrorismo, com a destruição de bases e ocupação pelas FDS de Palma, Quiterajo, Awasse, Anga, Mbau, Limala, e outros, mas admitiu que as forças estatais foram acolhidas de surpresa e não estavam preparadas para lidar com o fenómeno.

Mesmo assim, Bernardino Rafael pede à população que continue a denunciar a presença dos terroristas, como aconteceu recentemente no distrito de Quissanga, e assume ser ainda cedo para cantar vitória.

Deslocados pedem o fim dos ataques

Alafo Abdala, deslocado de Quiterajo, distrito de Macomia, acolhido em Ingoane, cidade de Pemba, em casa do seu filho mais velho, com sua esposa e outras três crianças, diz que "é importante que a guerra termine para voltarmos a fazer as nossas actividades", destacando que hoje já não pode pescar e depende totalmente do apoio e do esforço do seu filho.

Amina Salimo, 49 anos, deslocada e proveniente do Posto Administrativo de Mucojo em Macomia, tem esperança que a guerra vai terminar, mas "a vida não será a mesma, temos de ir começar de zero", antevendo uma vida difícil, porque perdeu o marido, com o qual não pode voltar para recomeçar a vida.

O cenário internacional

Inicialmente, o  governo de Moçambique negou que as incursões em Cabo Delgado estivessem associadas ao terrorismo, que também afecta outros países de África. Com todas as propostas de apoio internacional, o governo de Nyusi contratou um grupo de mercenários russos sem consultar a Assembleia da República. A sua intervenção só conseguiu abrandar a situação até à realização de eleições gerais em 2019, mas depois, os terroristas intensificaram os ataques.

Através de fundos públicos, o governo também recorreu ao estrangeiro e convidou uma empresa de operações militares denominada Dick Advisory Group para acabar com os terroristas, mas não foi suficiente. Foi uma decisão amplamente criticada pela opinião pública devido à falta de transparência de todo o processo. 

Finalmente, com capa de apoio amigável, Moçambique recebeu cerca de 1000 homens das forças do Ruanda, em Julho de 2021 e, mais tarde, entraram em cena as tropas da SADC, que apesar destas últimas registarem baixas, ajudaram a recuperar a vila de Mocímboa da Praia, importante plataforma para as operações de exploração de gás no distrito de Palma.

A África do Sul é, até aqui, o país com mais efectivo militar na missão da SADC, em relação à Tanzânia, um país onde alguns terroristas que actuam em Moçambique são originários. Aliás, os tanzanianos acolhidos durante muitos anos em Mocímboa da Praia radicalizaram e expandiram-se até Macomia, apesar de também haver recrutamento em distritos da província de Nampula. 

Moçambique também apostou na formação das suas forças com base no apoio da União Europeia e dos Estados Unidos da América.

Apoio aos deslocados

Os ataques terroristas movimentaram, além de pessoas de boa vontade, várias organizações internacionais, incluindo as Nações Unidas. No seu informe por ocasião da passagem dos cinco anos desde o início dos ataques de grupos armados não estatais, o ACNUR estima que perto de um milhão de pessoas da província de Cabo Delgado estão em situação de deslocados.

Aquele organismo das Nações Unidas diz que está preocupado com os riscos que as pessoas enfrentam e considera que as condições de segurança ainda são voláteis.
Anota ainda que as famílias deslocadas necessitam de apoio no fornecimento de serviços e assistência, sendo que até Setembro findo eram necessários 36,7 milhões de dólares, mas só foi possível angariar 60 por cento daquele montante.

Por outro lado, segundo refere o "Cabo Ligado",  a última actualização da Famine Early Warning Systems Network (FEWS NET), as áreas de Cabo Delgado afectadas por conflitos devem enfrentar uma situação de crise de insegurança alimentar até Janeiro de 2023, devido às baixas reservas alimentares às famílias locais com fontes de renda limitadas.

Voluntários na linha da frente

O Instituto Nacional de Gestão e Redução do Risco de Desastres (INGD) nunca liderou a crise humanitária em Cabo Delgado e, como alternativa, entraram em cena voluntários e jovens da cidade de Pemba, que ao lado de outras organizações ajudaram a dar os primeiros socorros às famílias deslocadas, que chegavam à capital provincial totalmente debilitadas. 

Reconstrução de Cabo Delgado

Ainda que não tenha fundos próprios, o governo entende que tudo deve ser feito para reconstruir a província de Cabo Delgado. Com uma Agência de Desenvolvimento do Norte-ADIN praticamente sem fundos para implementar o plano de reconstrução estimado em 300 milhões de dólares norte-americanos, tudo ainda está na estaca zero.

Oficialmente, não foram desactivados os centros de reassentamento, mas a província de Cabo Delgado, Nampula e Niassa, aprenderam a gerir os centros de assistência nos distritos de Metuge, Ancuabe, Chiúre, Montepuez e Corrane em Nampula e Marrupa e Mecula-sede no Niassa.

Desaparecidos e julgamentos

Durante os cinco anos dos ataques terroristas, várias pessoas desapareceram, algumas das quais raptadas pelas autoridades. Comerciantes, religiosos e outros, com inclinação islâmica, foram vítimas de raptos e execuções sumárias pelas FDS. Um relatório dos Estados Unidos da América sobre a liberdade religiosa em África apontou Moçambique como sendo um país onde religiosos muçulmanos foram mortos e raptados devido à prática da religião por supostamente estarem associados aos terroristas.


O governo negou várias vezes a violação dos direitos humanos, inclusive recusou a veracidade de um vídeo em que uma mulher aparece a ser atacada barbaramente por militares moçambicanos.

 

Entretanto, o Tribunal Judicial de Cabo Delgado aplicou penas pesadas contra cidadãos moçambicanos e estrangeiros acusados de envolvimento em ataques terroristas em Mocímboa da Praia e em outros locais, com penas até 40 anos de cadeia, mas parte dos acusados morreu devido às más condições de prisão e outros foram soltos por insuficiência de provas. Foi um dos complexos julgamentos que o sector da justiça encarou nos últimos anos. (Carta)

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