Director: Marcelo Mosse

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Actualizado de Segunda a Sexta

domingo, 25 setembro 2022 20:09

O Congresso da Frelimo e o triunfo do autoritarismo, escreve Marcelo Mosse

A reprimenda dada esta semana pela Comissão Política da Frelimo ao militante Castigo Langa foi a derradeira prova da vitória do autoritarismo no partido que governa Moçambique desde 1975. 

 

Estudos recentes sobre democracia comparada mostraram que, nos últimos anos, Moçambique tem sido governado com um registo mais autoritário, depois da implantação da democracia. A participação política tem sido limitada. O exercício da cidadania amordaçado. 

 

Vozes que exprimem pensamento distinto da cartilha oficial foram violentadas. Quem pensa diferente é considerado pária.

 

No seio do partido Frelimo, que no passado até já teve doses consideráveis de crítica e autocrítica, a tendência crescente é o ostracismo.  

 

Joaquim Chissano deixou margens razoáveis de liberdade de expressão. Armando Guebuza lá teve os seus “apóstolos da desgraça”, mas nunca foi de um extremismo tão persecutório como vemos hoje com Nyusi. O pior que pode acontecer a Filipe Nyusi, o actual timoneiro, é, pois, deixar um legado de autoritarismo. 

 

O caso de Samora Machel Júnior mostrou o quão Nyusi é avesso à confrontação de ideias. Samito Machel foi vítima desse perfil. Como ele era uma sombra, o Presidente tratou de barrar-lhe os caminhos. Samito sentiu-se vítima de um complot interno e procurou encetar uma trajectória política, fora da Frelimo, numa plataforma cívica.

 

Em reacção, foi ostracizado. Cinicamente, seu processo disciplinar, aberto pela Comissão Política, foi engavetado sem a discussão que devia ter lugar. 

 

A Frelimo furtou-se ao debate do caso.

 

Esta cartilha contra a discussão de ideias tem estado a vingar. Sob a capa da unidade interna, a crítica e autocrítica foram postas de lado. A pretexto da coesão interna, os militantes vivem amarrados à narrativa do chefe. Quem coloca uma questão sensível ou levanta a mão para uma clarificação é combatido. O slogan da unidade na diversidade foi sepultado.

 

Esta foi a sina de Castigo Langa. O antigo ministro de Chissano pretendia uma clarificação sobre o tabu do terceiro mandato, uma vontade atribuída a Filipe Nyusi. Castigo Langa alertou para o perigo de se alterar a Constituição da República para acomodar tal pretensão, um precedente a evitar.

 

A coragem de Langa valeu-lhe duas coisas; forçou Nyusi a dizer que nunca manifestou tal desejo e, dias depois, recebeu uma reprimenda da Comissão Política, que o criticou veementemente, alegando que ele, Langa, colocara um assunto fora da agenda, beliscando a imagem do Presidente.

 

Para Nyusi, o tabu devia permanecer. Mas a mensagem que ficou é a mesma deixada aquando da saga de Samora Machel Júnior. Quem confronta é votado ao ostracismo, vexado na praça pública, diabolizado, uma espécie de novos-reacionários em tempos de liberdade e democracia. Os valores que a liderança da Frelimo tem vindo a transmitir à sociedade não são os do pluralismo.

 

O episódio Castigo Langa foi a pior nódoa do autoritarismo de Nyusi, depois de Samito Machel Júnior. 

 

É um erro crasso da Frelimo. O culto da intolerância e a ausência de confronto de ideias afasta o partido da sociedade. De resto, a Frelimo já não serve o povo, como foi a Frelimo de Samora Machel. A Frelimo actual serve apenas às suas oligarquias. O projecto fundador foi atirado à sarjeta.

 

Este Congresso pode ser uma oportunidade para o Partido recuperar a aura perdida. Mas é preciso que alguém bata na mesa. Quem?

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