Doze meses depois da paralisação da Estrada Nacional Nº1, no distrito de Inhassoro, província de Inhambane, em protesto conta a falta de oportunidades de emprego no projecto de exploração de gás natural de Pande e Temane, as feridas continuam abertas entre os jovens, a Sasol e o Governo distrital. Em causa está o velho problema: a exclusão dos nativos e residentes de Inhassoro e Govuro na contratação da mão-de-obra.
Uma agremiação juvenil baseada em Inhassoro, denominada AJONARI (Associação dos Jovens Naturais, Amigos e Residentes de Inhassoro), disse à “Carta” que o Governo e a petroquímica sul-africana Sasol continuam a assobiar ao lado, excluindo os jovens locais das oportunidades de emprego e retardando, cada vez mais, o desenvolvimento daquele distrito.
Segundo Fanuel Baquete, Presidente da AJONARI, em Maio de 2021, a sua agremiação reuniu-se com a Administradora de Inhassoro, Dulce Canhemba, com o Governador da Província de Inhambane, Daniel Tchapo, com a Secretária de Estado na província, Ludmila Maguni, e com executivos da Sasol, a fim de apresentar as suas preocupações. Na reunião, o Governo e a Sasol assumiram o compromisso de satisfazer as reclamações do grupo, mas até hoje nada foi feito.
Entre as exigências, disse Baquete, estava a preferência pelos jovens locais na contratação da mão-de-obra; a contratação de empreiteiros locais para pequenas obras; o potenciamento de pequenos agricultores, pescadores e prestadores de serviços; a canalização do gás de cozinha; a construção de uma instituição de ensino superior; a expansão da rede eléctrica; e a ampliação do centro de saúde de Inhassoro.
No entanto, um ano depois do compromisso, o que a AJONARI viu acontecer foi a contratação de 180 jovens locais, de um universo de 300 vagas que tinham sido disponibilizadas. Baquete conta que os restantes candidatos foram excluídos sem qualquer explicação. As contratações, explicou, ocorreram nos primeiros quatro meses da implementação do acordo e depois não se tocou mais no assunto.
“O concurso visava a contratação de operadores de máquinas, carpinteiros, motoristas, pedreiros, cozinheiros e outras áreas que estão ao alcance dos jovens de Inhassoro”, detalhou Baquete, sublinhando que a AJONARI foi responsável pela selecção dos candidatos.
Perseguições e detenções de jovens “revoltosos”
Para além do incumprimento do acordo, o Presidente da AJONARI denuncia perseguições políticas, protagonizadas pelas autoridades distritais. Revela que, em Dezembro de 2021, foi detido e acusado de desobediência à ordem de dispersão de reunião pública, tudo por ter convocado uma manifestação pacífica, em protesto contra a exclusão da mão-de-obra local.
A manifestação foi comunicada às autoridades locais, nomeadamente, o Comando Distrital da PRM (Polícia da República de Moçambique) e o Governo distrital, porém, no lugar de garantir protecção dos manifestantes, a Polícia abriu fogo contra os mesmos. Baquete assegura que só não foi assassinado porque tinha uma equipa de televisão privada a registar as imagens do sucedido.
Apesar de ter cumprido as formalidades, o Tribunal Judicial do Distrito de Inhassoro condenou Fanuel Baquete a quatro meses de prisão e um mês de multa. Os seus companheiros (nove) foram condenados a dois meses de prisão e 15 dias de multa. As penas foram convertidas em multa, à taxa diária de 5% do salário mínimo nacional.
Vilankulo desenvolve na base do gás de Inhassoro e Govuro
As preocupações da população de Inhassoro não se limitam apenas à falta de oportunidades de trabalho na indústria extractiva. Incluem também as políticas de responsabilidade social adoptadas pela petroquímica sul-africana.
A AJONARI refere, por exemplo, que o distrito de Vilankulo tem sido privilegiado pela Sasol em detrimento dos distritos de Inhassoro e Govuro, apesar de não albergar quaisquer poços de gás natural.
Entre os benefícios, Baquete cita a canalização do gás de cozinha às residências da cidade de Vilankulo; a construção do luxuoso bairro de Nhamacunda e do Estádio Municipal de Vilankulo. Agora está a patrocinar a construção da Arena de Vilankulo, que vai acolher o Campeonato Africano das Nações de Futebol de Praia, num valor de 300 mil USD.
Em contrapartida, os distritos de Govuro e Inhassoro convivem com poeiras, que caracterizam as vias principais das suas vilas, e têm centros de saúde precários, embora sejam distritos ricos em recursos naturais.
Sasol promete investir 20 milhões de USD até 2025 em Inhassoro e Govuro
Contactada pela nossa reportagem, a Sasol revelou que irá investir 20 milhões de USD até 2025, no âmbito dos Acordos de Desenvolvimento Local (ADL). O dinheiro será investido na construção de uma escola secundária (em Inhassoro), de dois hospitais distritais (um em cada distrito), de uma sala de reuniões em Pande (Govuro), no planeamento territorial em Pande e na concepção de 37 projectos comunitários (28 em Inhassoro e nove em Govuro).
Em relatório enviado à “Carta”, a Sasol diz já ter reabilitado 74 furos de água, oito sistemas de abastecimento de água e cinco sanitários. Refere ainda ter construído 10 novos furos de água e que está a construir 12 novos sistemas de abastecimento de água e sete novos sanitários. Até ao momento, a petroquímica já investiu 2.5 milhões de USD.
A multinacional sul-africana diz ainda estar em processo de aquisição de uma unidade de formação móvel para permitir que a formação profissional chegue às comunidades que estão longe das aldeias de Inhassoro e Pande.
Dos projectos de responsabilidade social, a Sasol cita a construção de um centro de formação profissional em Inhassoro; a construção do sistema de abastecimento de água para a vila de Inhassoro, inaugurado em Março pelo Presidente da República; e a distribuição de mais de 3500 carteiras escolares e mais de 100 secretárias para professores nos distritos de Inhassoro, Govuro e Vilankulo. Também elenca o melhoramento do sinal da Rádio Moçambique, no norte da província de Inhambane; a requalificação do campo de futebol da vila de Inhassoro; e a reabilitação do Centro de Saúde de Mangungumete.
A Sasol diz ainda que, de Julho de 2021 a Março de 2022, os gastos com empresas moçambicanas foram de 21 milhões de USD, que correspondem a 67% da despesa total, avaliada em 32 milhões de USD. No caso das empresas sediadas na província de Inhambane, a petroquímica sul-africana afirma ter gasto 4.7 milhões de USD.
Refira-se que o nosso jornal solicitou também informações sobre o grau de implementação dos acordos ao Governo distrital de Inhassoro. Sem prometer datas, o Gabinete de trabalho de Dulce Canhemba, Administradora de Inhassoro, prometeu fornecer os dados assim que for possível. O pedido foi formulado na passada quarta-feira, porém, até este domingo, o Governo distrital de Inhassoro continuava no silêncio. (A. Maolela)