O movimento sindical em Moçambique parece ter renascido do seu sono profundo, dormido na mesma cama com os sucessivos governos da Frelimo.
No baque do pesadelo perante uma realidade cruel, um custo de vida galopante e demandas sociais que ninguém pode ignorar (nem com ouvidos de mercador ou tácticas de avestruz), quatro organizações sindicais (a OTM, a Consilmo, a Associação dos Médicos de Moçambique e a Organização Nacional de Jornalistas) intitularam-se de “movimento” e entraram para a agenda mediática com um caderno reivindicativo que apropria grande parte das exigências populares no contexto da actual crise económica: a redução do preço da comida, transportes decentes, a diminuição do IVA sobre os combustíveis, etc.
A primeira reacção perante esse caderno é que ele parecia um instrumento de chantagem, um aceno à cooptação política das suas lideranças, agora que estamos em fim de ciclo de governação e alguns líderes dessas organizações (como no caso do SNJ, que nunca deu a cara por nada neste país, muito menos por demandas particulares de seus sindicalizados) se encontram em fim de mandato e procuram uma acomodação em cargos estatais com regalias infinitas.
Todo o mundo sabe que no passado foi assim! A derradeira arma de luta dos sindicatos (a greve ou a sua ameaça) foi usada pelas suas lideranças como viés para sua mobilidade de classe, transitando da classe trabalhadora para a classe dirigente.
No final da década de 90, quando Soares Nhaca, SG da principal central sindical, a OTM, ameaçou com uma greve geral por razões semelhantes às de hoje, o Governo de Joaquim Chissano (com Pascoal Mocumbi como Primeiro-Ministro) cooptou o sindicalista, colocando-o como Governador de Manica. A greve foi abafada!
Mas as demandas de hoje são mais audíveis e o sector informal mais vibrante. A crise de hoje é mais severa e o impulso para uma convulsão social cada vez maior. Então, sua comunicação, para lá da eventual instrumentalização chantagista, pode ter, em "conluio" com o Governo e o sector privado, o mesmo objectivo de evitar um levantamento popular, agora agitando a ameaça de greve, mas, ao mesmo tempo, desencorajando o uso, pelas massas, deste recurso último da luta sindical.
Sua mensagem central é clara: reservamo-nos ao direito de convocar uma greve à escala nacional, ameaça. Mas depois desencoraja toda a reivindicação que não seja convocada pelo “movimento”.
Uma no cravo, outra na ferradura.
Esta hesitação pode também reflectir uma tensão interna no seio das quatro organizações, nomeadamente de carácter geracional, entre os seus líderes. Dum lado, os que defendem a disponibilidade para a luta de rua e, doutro, uma contenção informada pelo receio de descontrolo dessa luta de rua.
Seja como for, as demandas sociais do presente extravasam o espectro associativo dos sindicatos em Moçambique. Em termos de “membership”, os sindicatos têm pouco mais de 200 mil membros (sem contar 380.000 da Função Pública). Isto significa que sua legitimidade para convocar ou conter uma manifestação popular está esvaziada, muito limitada. Por outro lado, os sindicatos nunca o fariam pelo receio do arrastamento, para uma manifestação, de populares desempregados mais propensos à vandalização da economia e da propriedade privada.
Se as demandas sociais extravasam o espectro associativo dos sindicatos, então uma manifestação popular em fase do actual custo de vista só pode ter origem a partir do sector informal da economia. Do famigerado movimento sindical não se pode esperar muita coisa. As quatro organizações estão em cima do muro.
A manifestação informal convocada para a manhã de hoje está a acontecer de forma dispersa e o Governo parece estar a respirar de alívio. O executivo multiplica-se para evitar convulsões. Os trabalhadores da função pública estão controlados. Não têm sindicatos e acabam de receber o balão de oxigênio da Tabela Salarial Única.
Mas e os desempregados, o grosso da população predisposta a ir à rua? Eis a questão.
Nos transportes, o Ministro Mateus segurou fortemente a mangueira de bombeiro e os repasses de subsídio do Banco Mundial podem conter revoltas localizadas. Por outro lado, ontem, o PR Filipe Nyusi “namorou” as confissões religiosas. Mas a questão é: isso chega?
É claro que não!
As previsões mais drásticas apontam que o custo de vida continuará a subir. Com o Governo apertado em termos de Tesouraria, seria de bom senso que o Banco Mundial, cujas políticas em Moçambique, ao longo de cerca de duas décadas e meia, falharam redondamente, surgisse agora para resgatar os milhões de pobres que, indirectamente, vitimou.
O Banco deve abrir os cordões e transferir dinheiro para que os pobres deste país tenham comida na boca. Esta deve ser sua obrigação moral. E só assim é que Moçambique vai evitar tumultos sociais em grande escala.
Quanto ao “movimento sindical", ele não passa de um grupo de organizações controladas pelo Governo e com voz limitada. Delas, ninguém espera muita coisa. (MM, “Carta”)