Assinalou-se no passado dia 09 de Julho, sábado, o primeiro aniversário da chegada do contingente militar ruandês a Moçambique para ajudar as Forças de Defesa e Segurança (FDS) no combate aos ataques terroristas, que semeiam luto na província de Cabo Delgado há quase cinco anos. Trata-se de um aniversário agridoce, marcado pelo recrudescimento dos ataques terroristas em Palma e Mocímboa da Praia depois de quase sete meses de relativa paz (entre Outubro de 2021 e Abril de 2022).
O novo capítulo no combate ao terrorismo em Cabo Delgado, lembre-se, foi anunciado em primeira mão pelo Governo ruandês pelas 12:01 horas do dia 09 de Julho de 2021, através da sua conta oficial no Twitter, e comentado no mesmo dia pelo Presidente da República numa parada militar no distrito de Mueda, província de Cabo Delgado: só a 25 de Julho (16 dias depois) é que Filipe Nyusi confirmou oficialmente a chegada das tropas ruandesas.
A situação gerou polémica no país, por um lado, pelo facto de o Chefe de Estado nunca ter declarado Estado de Guerra ou de Sítio em Cabo Delgado e, por outro, pela exclusão do parlamento no processo.
Em entrevista à “Carta”, Lutero Simango, Presidente do MDM (Movimento Democrático de Moçambique), a terceira maior força política do país, voltou a lamentar este facto, alegando que a soberania reside no povo e a Assembleia da República é o órgão que representa esse povo.
“O parlamento devia ter aprovado uma resolução que autorizasse a entrada das tropas estrangeiras no país porque a soberania reside no parlamento e não no Governo”, defendeu o líder do “galo”.
Contudo, Simango reconhece que Moçambique necessitava da ajuda militar estrangeira para lidar com o terrorismo, que há quase cinco anos flagela a província de Cabo Delgado. “A presença das tropas estrangeiras ajudou a melhorar a situação da segurança em Cabo Delgado”, defende.
Tal como o MDM, a Renamo, o maior partido da oposição, entende que a entrada das tropas ruandesas não foi clara, porém, defende que a sua expectativa é ver o terrorismo erradicado em Moçambique.
“Preocupa-nos o facto de o conflito ainda não ter terminado. A nossa expectativa, apesar de ter entrado no país de uma forma pouco clara, era de ver reposta a paz e segurança na província de Cabo Delgado”, afirmou José Manteigas, porta-voz da “perdiz”, sem, no entanto, aceitar classificar a intervenção ruandesa.
Noventa dias de “chumbo”, com Kigali no centro das atenções
A chegada das tropas ruandesas, refira-se, mudou o rumo dos acontecimentos na província de Cabo Delgado desde a perseguição aos insurgentes até à disponibilização de informação. Muito cedo, o regime de Kigali tornou-se protagonista na partilha de informação, tendo o jornal The New Times como o principal veículo: foi a partir de Kigali que se soube da chegada das tropas ruandesas; também foi de Kigali que se soube da recuperação de Mocímboa da Praia.
Em apenas 30 dias de operação, as tropas ruandesas recuperaram redutos estratégicos dos insurgentes. É o caso da estratégica vila de Mocímboa da Praia, que foi recuperada a 8 de Agosto, depois de estar sob domínio dos insurgentes durante um ano.
De acordo com o SAVANA, na sua edição do dia 13 de Agosto de 2021, durante os 12 meses em que os insurgentes habitaram em Mocímboa da Praia, houve três tentativas fracassadas de recuperar aquela vila municipal, protagonizadas pelas FDS em parceria com os mercenários sul-africanos da DAG (Dick Advisory Group).
De seguida, as tropas ruandesas reconquistaram o Posto Administrativo de Mbau, também no distrito de Mocímboa da Praia, descrito como bastião dos terroristas. Igualmente, foram destruídos búnqueres e desactivadas as famosas bases de “Siri 1” e “Siri 2”, que estavam localizadas nas florestas densas de Mocímboa da Praia.
Em quase 90 dias, isto é, até 25 de Setembro de 2021, Dia das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM), as tropas ruandesas tinham consolidado a segurança no distrito de Palma e tinham expulsado os terroristas do distrito de Mocímboa da Praia, tarefa que não esteve ao alcance das FDS desde 5 de Outubro de 2017.
Com a acção militar a surtir efeito no teatro operacional, as tropas ruandesas foram conquistando simpatia junto da população, contrariamente às FDS que sempre foram acusadas de violação dos direitos humanos. Vídeos amadores foram partilhados nas redes sociais com agentes da Polícia ruandesa a distribuírem comida às vítimas do terrorismo, assim como a ajudarem algumas famílias nas tarefas de casa.
Um futuro incerto
Passados 12 meses, nada se sabe sobre o futuro das tropas ruandesas em Moçambique. Em Setembro passado, os Chefe de Estado do Ruanda e de Moçambique, Paul Kagame e Filipe Nyusi, respectivamente, disseram aos jornalistas que a missão ruandesa continuava em Cabo Delgado para ajudar o país nas acções de reconstrução. Na altura, não foram avançados os prazos da referida reconstrução.
Lutero Simango mostra-se preocupado com a situação, mas entende que a saída das tropas estrangeiras está refém da criação da capacidade nacional de defesa da soberania. “Cabe a todos nós pensarmos a nossa defesa da soberania, porque as tropas estrangeiras não estarão aqui por toda a vida”, alerta o também líder parlamentar do MDM.
“Precisamos de um discurso nacional sobre Cabo Delgado, um discurso que engaje a sociedade a pensar a situação de Cabo Delgado. Mas o Governo do dia prefere esconder tudo sobre Cabo Delgado, criando barreiras para que a sociedade se envolva neste processo”, acrescenta.
Por seu turno, José Manteigas defende que a guerra não tem prazos, pelo que não se pode determinar quando as tropas ruandesas e também da SADC poderão deixar o solo pátrio. “Um conflito é imprevisível, pior quando não se conhece o inimigo e as suas motivações”, defendeu.
Entretanto, refere que as Forças de Defesa e Segurança devem continuar a trabalhar para esclarecer os autores e as motivações da tragédia que se abala sobre Cabo Delgado há quase cinco anos. “Até hoje, não sabemos quem são e o que querem. Apelamos às Forças de Defesa e Segurança a trabalhar, no sentido de esclarecer esse assunto”.
Extensão da área de combate e primeiros ataques a Palma e Mocímboa da Praia
À chegada, as tropas ruandesas foram confiadas os territórios de Palma e Mocímboa da Praia, devido à sua proximidade aos projectos de gás natural, liderados pela petroquímica francesa TotalEnergies, que se encontram abandonados desde 24 de Março de 2021, após a invasão à vila de Palma.
No entanto, após sucesso alcançado nas suas operações nesses territórios, o contingente foi autorizado a expandir a sua área de actuação. Em Abril deste ano, os ruandeses juntaram-se às tropas sul-africanas, no distrito de Macomia, para ajuda-las no combate aos terroristas. As tropas sul-africanas, sublinhe-se, encontram-se em Cabo Delgado no quadro da Missão da SADC, cujos resultados são alvos de críticas.
Entretanto, duas semanas depois das tropas ruandesas descerem para o sul do rio Messalo, os terroristas voltaram a realizar incursões, primeiro, no distrito de Palma e, depois, no distrito de Mocímboa da Praia. Pelo menos 10 pessoas foram mortas nos ataques protagonizados pelos terroristas em Palma e Mocímboa da Praia entre os meses de Maio e Julho.
Um dos ataques ocorreu na tarde do passado dia 25 de Junho, na aldeia de Njama, distrito de Mocímboa da Praia, onde foram assassinadas pelo menos quatro pessoas. O ataque visou uma viatura de transporte de passageiros, tendo sido também queimada pelos terroristas.
José Manteigas e Lutero Simango referem que era expectável que tal acontecesse, por se estar perante uma guerrilha, um tipo de guerra caraterizado por ataques surpresas e maior mobilidade dos combatentes.
Refira-se que pelo menos cinco soldados ruandeses morreram em Cabo Delgado, durante as operações de combate ao terrorismo. (Abílio Maolela)