No seio do partido governamental em Moçambique, a Frelimo, um “terceiro mandato” para o actual Presidente Filipe Nyusi tem sido discutido em surdina, tornando o assunto um grande tabu, num quadro de divergências acentuadas entre o actual presidente e Armando Guebuza, o anterior timoneiro, cuja liderança protagonizou o maior golpe corruptivo desde a independência do país em 1975: o golpe das "dívidas ocultas”. Entretanto, o generalato da luta de libertação nacional já mandou um recado a Nyusi: “Nada de aventuras” para um eventual terceiro mandato, que implicaria uma alteração da Constituição da República.
O calendário político da Frelimo até às presidenciais de 2024 é frenético. No final deste mês de Maio, o partido realizará uma sessão do seu Comitê Central (CC), mas a questão da sucessão está fora da agenda, apuramos. O conclave será usado para avaliar o actual plano quinquenal do Governo e os relatórios do Comité de Verificação e da Comissão Política. Lá mais para Setembro, o partido voltará a reunir-se, desta vez em Congresso, para eleger novos órgãos sociais, com destaque para a composição do Comitê Central, incluindo novo Secretariado.
Nos bastidores, a disputa por lugares no Secretariado do CC já começou, com alianças e “lobbies” de toda a natureza. Ser membro do Secretariado é um privilégio que dá acesso a oportunidades de acumulação de património, por causa da influência da Frelimo nos negócios do Estado e na “interface” do sector público com o privado. “Carta” apurou que Filipe Nyusi fará tudo para manter o actual Secretário Geral, Roque Silva, no lugar. Depois de Manuel Tomé, Silva é o que parece ter maior aprovação interna.
A sucessão de Filipe Nyusi só será debatida no próximo ano, 2023, em sessão extraordinária do CC que servirá para escolher o futuro candidato presidencial. Ou seja, o terceiro mandato de Nyusi está fora de questão. O projecto passaria por uma revisão constitucional e o calendário político do país não dá muito espaço para isso.
Filipe Nyusi nunca abordou abertamente se tem essas pretensões. Mas suas ligações recentes com líderes de democracias tirânicas como Paul Kagame, do Ruanda, e Yoweri Museveni, do Uganda, adensam um fumo de especulações segundo as quais ele tem esse projecto na manga. Kagame e Museveni têm rasgado, literalmente, as Constituições dos respectivos países para se perpetuarem no poder. Será que Nyusi tem bebido desse aprendizado perverso? Eis a grande questão.
Pelo que consta e segundo seus comunicados recentes, a Comissão Política nunca passou para a opinião pública a indicação de uma vez ter debatido a questão do terceiro mandato, mas correm alegacões de que 50% dos seus membros é favorável a um “terceiro mandato” e a restante parte não.
O “terceiro mandato” parece ser uma proposta feita em surdina por figuras ligadas às principais organizações de massas da Frelimo, a OMM (Organização da Mulher Moçambicana) e a Organização da Juventude Moçambicana (OJM). Mas, de acordo com fontes da “Carta”, outra organização relevante (a ACLIN), que congrega os antigos combatentes, já deixou claro que um terceiro mandato está fora de questão. Aliás, disse uma fonte, um grupo de Generais já sinalizou ao Presidente Nyusi para pôr de lado qualquer pretensão de se manter no poder para lá dos limites que a actual Constituição impõe: dois mandatos.
Qualquer que seja o cenário, o facto é que, enquanto a questão da sucessão de Nyusi e sobretudo o tabu do “terceiro mandato” não for resolvido, Moçambique passará por vários meses em “banho maria”, com o adiamento de investimentos internos e externos, afectando de certo modo a economia.
Nas vésperas de mais uma reunião do CC, a Frelimo está a passar por uma fase de grande desunião interna, marcada por divergências abertas entre Nyusi e Guebuza, cada vez mais acentuadas depois do julgamento do caso das “dívidas ocultas”, cuja sentença está marcada para Agosto próximo (Guebuza tem seu filho primogénito detido preventivamente neste caso). Uma conciliação entre as duas partes é vista como essencial para a sanidade da economia, de acordo com analistas, que questionam a incapacidade interna de se proporcionar essa conciliação. (M.M.)