No dia 11 de Março de 2021 passou precisamente um ano desde que a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou o novo surto de coronavírus (COVID-19) como uma pandemia. Há um ano, o mundo tal como o conhecemos e as nossas rotinas diárias foram perturbadas de um dia para o outro numa escala sem precedentes. Num esforço para travar a propagação, os governos de todo o mundo puseram em prática confinamentos, encerramento de locais de trabalho e de instituições de ensino, entre outras medidas de distanciamento social. Quase imediatamente, por um lado, se tornou muito claro que ninguém era imune ao vírus, e por outro, o mesmo virus era também um grande desestabilizador de muitas trajetórias socioeconómicas, de desenvolvimento e da agenda de justiça social, e mais letal para a nossa missão de promoção de igualdade de género. Em muitos aspectos, a pandemia expôs as nossas deficiências na busca de um mundo mais justo e equitativo.
Para muitas de nós no movimento feminino, 2020 era suposto ser um ano de celebração e comemoração, uma vez que se assinalaram marcos significativos de lutas duramente conquistadas: o 25º aniversário da Declaração e Plataforma de Acção de Pequim e o 20º aniversário da Resolução 1325 do Conselho de Segurança das Nações Unidas (UNSCR 1325) sobre Mulheres, Paz e Segurança (WPS – na sigla em inglês, Women, Peace and Security). Em África, 2020 marcou também o início da nova Década da Inclusão Financeira e Económica das Mulheres. Apesar de, na maioria das vezes, não termos estado fisicamente juntos, não permitimos que esta oportunidade fosse perdida. Durante o ano passado, realizaram-se inúmeras reuniões e consultas on-line e varias publicações. Alguns podem mesmo afirmar que a mudança para o espaço virtual permitiu a realização de ainda mais actividades, uma vez que já não precisávamos de passar tempo a obter vistos, a embarcar em voos, e a correr fisicamente de e para reuniões. Ao mesmo tempo, estas actividades constituíram uma oportunidade de inclusão de participantes de todo o continente.
No entanto, ao reflectirmos e comemorarmos as diferentes realizações e os contínuos bloqueios, tornou-se evidente que ainda não estamos onde queremos estar em termos de igualdade de género. Pelo contrário, a pandemia obrigou-nos a retroceder ainda mais nos nossos esforços para alcançar a igualdade de género. Foi amplamente documentado como a pandemia teve impacto acentuado e desproporcional nas mulheres e raparigas/meninas; aumento dos incidentes de violência contra mulheres e raparigas (VAWG - na sigla em inglês, Violence against Women and Girls) e violência baseada no género (VBG); aumento no encargo de cuidados; aumento do risco de contrair o Covid-19 em virtude de a maioria dos profissionais da saúde serem mulheres; incapacidade de aceder a serviços de saúde sexual e reprodutiva; colapso de empresas de mulheres e elevadas taxas de desemprego. Esta realidade é ainda pior para as mulheres e raparigas migrantes, as que vivem em zonas afectadas por conflitos e as que vivem em situação de extrema pobreza.
Ao celebrarmos o Dia Internacional da Mulher na segunda-feira, 8 de Março, no contexto da segunda (ou mesmo terceira) onda da pandemia, temos de estar conscientes desta realidade muito dramática e intensificarmos o nosso foco na defesa da igualdade de género.
Desde o dia 22 de Fevereiro de 2021, a OMS informou que 47 dos 54 países africanos foram afectados pela pandemia; 2 775 625 casos foram registados; e 70 595 mortes foram reportadas. Isto significa que ainda não estamos fora do perigo e que ainda somos confrontados com muitos desafios, nomeadamente:
Embora o quadro que acaba de ser delineado seja sombrio, não devemos perder de vista as oportunidades:
Não devemos permitir que a pandemia desenraíze e remova todos os ganhos de igualdade de género conquistados verdadeiramente com trabalho árduo ao longo das últimas duas décadas e mais. Temos de aproveitar estas oportunidades para assegurar que, daqui a uma década, não estejamos a reflectir sobre mais 10 anos de não cumprimento dos nossos compromissos.
Em conclusão, um mundo pós-pandemia em que as mulheres, crianças e adolescentes sobrevivem e prosperam exige compromissos ousados. Temos de trabalhar no sentido de construir ligações inteligentes entre as nossas várias agendas, concentrarmo-nos na justiça social e igualdade em tudo o que fazemos, e lutar por um mundo mais pacífico e igualitário. É para o benefício de todas as pessoas. E, francamente, não temos mais tempo a perder. A este respeito, continuo a reiterar o apelo que fizemos em 2020: (i) atribuição de recursos de resposta deve ser duplamente centrada nas necessidades imediatas da gestão da Covid-19 e, simultaneamente, no futuro, para (ii) desmantelar as barreiras estruturais e sistémicas que reforçam a desigualdade e a privação de direitos. Foi-nos apresentada a oportunidade de reimaginar e redesenhar a nossa sociedade numa sociedade que seja vibrante e equitativa. Devemos colocar as mulheres no centro da resposta.
Graça Machel
Hoje, Dia de Acção Global da Vacina do Povo, comemoramos um ano desde que nós, como família global, enfrentamos a pandemia da COVID-19.
· Juntos, a humanidade compartilhou o trauma colectivo de administrar uma magnitude insondável de doença e morte em nosso meio.
· Juntos, em todos os cantos do globo, corajosos profissionais de saúde da linha da frente doaram sangue, suor e lágrimas para controlar a força maligna deste vírus.
· Juntos, navegámos nas mudanças para um mundo virtual e na ruptura dos meios de subsistência e modos de vida que isso gerou, bem como as novas demandas da vida doméstica que exigiam que cuidássemos uns dos outros, educássemos nossos filhos e nos conectássemos com os nossos entes queridos de maneiras antes inimagináveis.
· Juntos, aplicamos o melhor das nossas mentes médicas e científicas, bem como todas as facetas da nossa infraestrutura de saúde pública, para produzir vacinas que salvam vidas, numa velocidade e escala sem precedentes. Especialistas de alto nível e cidadãos comuns corajosos estão lado a lado nessa luta, enquanto os testes clínicos vão atravessando aldeias na África do Sul e comunidades no Brasil para laboratórios na Bélgica e na Índia. Olha, estamos todos juntos no campo de batalha.
Ainda assim!
Começamos a ver rachas perigosas e malignas emergindo no seio da nossa unidade e as divisões de desigualdades socio-económicas se tornando ainda mais nítidas. A ruptura económica e social causada pela pandemia continua a ser devastadora: centenas de milhões de pessoas correm o risco de cair na pobreza extrema, enquanto o número de pessoas subnutridas, atualmente estimado em quase 690 milhões, pode subir mais 132 milhões até ao fim ano. A UNESCO revelou a terrível estatística de que cerca de 1,52 bilião de alunos estão fora da escola em todo o mundo e que quase 10 milhões de crianças podem nunca mais voltar à escola após o bloqueio do COVID-19.
Ninguém ficou ileso. E, portanto, ninguém deve ficar sem imunidade ao vírus e à graça da resiliência que a vacina traz consigo. É por isso mesmo que a vacina é um direito humano de todos. A equidade na vacina não é apenas uma questão de saúde pública, é uma questão de justiça social e de sobrevivência colectiva.
Ninguém estará protegido contra COVID-19 até que todos estejam. Não haverá recuperação económica ou social para ninguém, em nenhum País, a menos que priorizemos uma recuperação global igualitária da saúde.
As vidas humanas são iguais em valor, não importa a lotaria geográfica do local de nascimento. Todos, repito - todos! Cada ser humano, não importa onde viva no mundo - precisa e merece acesso a vacinas que salvam vidas.
O nacionalismo em volta da vacina é uma catástrofe moral. A história nos julgará com severidade se não empregarmos todos os recursos à nossa disposição e alargarmos os limites da nossa imaginação para garantir que as vacinas estejam nos braços de quem precisa, de Maputo à Cidade do México e à Mumbai.
· Uma renúncia da Organização Mundial do Comércio (OMC) à proteção de propriedade intelectual para produtos médicos relacionados ao COVID é imprescindível.
· As empresas farmacêuticas devem entender que as vacinas são um bem comum e não uma mercadoria apenas para o seu lucro. Exorto-os a ouvir o clamor mundial por preços sem fins lucrativos das doses de vacina e de outras ferramentas da COVID-19 durante a pandemia.
· Não podemos operar como habitualmente o fazemos. Temos que normalizar as práticas comerciais incomuns - aumentar a capacidade de fabrico, compartilhar a propriedade intelectual e licenciar vacinas para outras empresas maximizarem o abastecimento.
· Governos, sector privado, multilaterais e filantropos precisam se unir para aumentar a solidariedade e aumentar o financiamento da COVAX.
· E a COVAX deve fornecer informações oportunas e transparentes aos Países destinatários sobre os preços, bem como o fornecimento esperado e cronogramas de entrega.
Uma catástrofe moral não deveria acontecer. Devemos actuar com responsabilidade colectiva e solidariedade como uma família humana para garantir que cada um de nós possa receber a vacina contra COVID-19. Não ousemos negar a nós próprios e às gerações vindouras a dignidade de uma vida saudável e de uma vitória sobre a COVID-19.
Mais um ciclone atravessa o nosso país, afectando, directamente, as províncias do centro, em particular, Sofala, Manica e Zambézia. Ainda nem sequer nos refizemos das anteriores tempestades de 2019, como foram os casos do Idai e Kenneth e, mais recentemente, do ciclone Chalane, e teremos de lidar com os efeitos nefastos do Eloise. Estes são momentos perturbadores, preocupantes, duros e, até, demasiado violentos. Precisamos de força, coragem e muita fé para enfrentar estas crises e manter acesa a chama da esperança. Temos de continuar fortes e resilientes, e saber erguer a cabeça, em todos os momentos.