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domingo, 20 janeiro 2019 15:43

Não ameacem a nossa liberdade

Quando olhamos para o mundo aí fora, percebemos que o xadrez político mudou muito rapidamente desde 11 de Setembro de 2001. O Ocidente aumentou a sua paranóia de perseguição aos muçulmanos –  não deixa de ser paradoxo que a “civilização” ainda não tenha conseguido abrir-se, de facto, para o Outro. No campo político, a extrema-direita, na sua franja designada populista, por jogar com a demagogia com peculiar competência, tomou conta do poder em países-chave. A esquerda fracassou um pouco por todo o mundo, à excepção da sui generis China, que mantém uma estrutura comunista para governar uma economia capitalista que tenta ombrear com os Estados Unidos da América. É na categoria de extrema-direita populista que se encaixa, por exemplo, conforme a descrição que é feita pelos media internacionais, Donald Trump. A baixeza chega a ponto de se cogitar a possibilidade de que, durante a campanha, se teria recorrido à produção de fake news para fragilizar o adversário. Na França, Marine Le Pen. No Brasil, Jair Bolsonaro.

 

África não está alheia às alterações. Não que tenha seguido o mesmo destino. O Zimbabwe, embora se confunda com a réplica da parte inicial de Hamlet de William Shakespeare, Mugabe foi destituído. Do outro lado, por corrupção, Zuma caiu. Em Moçambique, o antigo Ministro das Finanças, Manuel Chang, pode ser extraditado para os Estado Unidos da América, onde responderá por vários crimes financeiros.

 

A estas realidades caóticas a sorte do jornalista não deixa de ser o azar. A classe continua a sofrer agressões. O mundo não para de nos escandalizar com terrores ao nível de esquartejamento na sala de um embaixador, com os media a contar que o acto macabro de desumanização foi transmitido através de uma videoconferência. Ou seja, do camarote, os mandantes assistiram à tragédia deleitando-se com o sofrimento do nosso colega da Arábia Saudita, Jamal Khashoggi. A impunidade não perdeu a oportunidade de vir à baila diante de provas confirmadas pelas investigações turcas e norte-americanas. A impunidade esfrega na cara de todos que, enquanto a verdade não for a de conveniência, o jornalista continuará a ser o alvo do poder estabelecido.

 

O país, igualmente, vive neste momento uma situação similar, em que a busca da verdade, a crença na frase de Carlos Cardoso, cujo credo era “não se pode colocar algemas nas palavras”, valeram o sequestro de um colega nosso. De acordo com o portal da Deutsche Welle, Amade Abubacar, jornalista da Rádio e Televisão Comunitária Nacedje, no distrito de Macomia, província nortenha de Cabo Delgado, encontra-se desde 5 de Janeiro preso por autoridades militares. Consta que foi levado para o quartel de Mueda. Conforme outro portal, a Carta Moçambique, o profissional de comunicação social é acusado de instigar publicamente ao crime, usando meios informáticos. Ouvida a família, colegas e próximos, ninguém acredita que a acusação vá ao encontro da verdade. A percepção com que se fica é a de que se trata de uma tentativa de silenciar a nossa classe, de amedrontar a busca do inconveniente – que é uma das missões basilares do jornalismo. Amordaçar a classe jornalística é ameaçar a democracia, que só funciona com cidadãos informados e esclarecidos. Sem informação, a liberdade é uma miragem. E este quadro não se encaixa nos nossos anseios. Não é esse país que queremos, não é nele que acreditamos.

 

Com efeito, a condição de Amade Abubacar aflige a classe jornalística. É preciso que se tenha consciência de que tal pode acontecer com qualquer um em exercício, no terreno, em busca de informação. Sou da opinião de que tratarmos este assunto de forma leviana é conduzir-nos para o interior do célebre romance “1984”, do britânico George Orwell. É abrir espaço para o totalitarismo, ainda que em regime democrático. Enquanto classe, devemos unir-nos para apelar a quem o tenha em seu poder para o libertar imediatamente a fim de que possa voltar ao calor da sua família, que o aguarda com lágrimas e a perder forças de tanto soluçar. Não é a primeira vez que temos um jornalista nesta situação. É certo que o silêncio é também uma mensagem que, neste caso, não parece a mais acertada. A passividade é uma ameaça ao nobre ofício de informar. Penso que não há ninguém melhor do que nós mesmos para exigir que nos tratem com mais respeito; doutra forma, ninguém o fará. Temos de nos unir para que o nosso labor jornalístico não seja ameaçado por interesses contrários à verdade. Temos de dizer que estamos juntos para defender a nossa classe.

 

Libertem incondicionalmente Amade Abubacar!

domingo, 20 janeiro 2019 15:29

Uma pergunta à justiça Americana

A questão é: porque é que até hoje não submeteram os documentos necessários para a formalização da extradição de Manuel Chang para os Estados Unidos da América, sendo que ele deve estar presente já no dia 22 em Brooklyn, Nova Iorque? Duas respostas possíveis. Uma primeira: nós temos até 60 dias para manter esse corrupto detido enquanto, gradual e eficientemente, juntamos essa papelada. Não é uma papelada simples de amealhar e todos os documentos podem ser contestados e assim deitarmos abaixo um trabalho, ou melhor, uma empreitada investigativa de mais de 10 anos e que deve resvalar na decapitação da cabeça da cobra, que são os "patrões" do detido. Atente-se que quando o detivemos, na verdade queríamos que alguns outros estivessem em condições de ser imediatamente capturados, mas não tal aconteceu. Por isso, vamos continuar, apesar de uma grande intromissão e sabotagem (fora dos olhos da sociedade) do nosso trabalho. Iremos, dentro do prazo e mesmo com esse alvoroço, cumprir a nossa obrigação legal e formal.

 

 Uma segunda resposta: nós olhámos para o futuro de forma muito lúcida. Sabemos o que, no fundo, no fundo, estamos a investigar até onde podemos chegar e também tudo o que pode acontecer pelo caminho. Os EUA não têm Kasparov, mas são personalidades por excelência no jogo de xadrez criminal perpetrado por políticos. Veja-se só que se já tivéssemos apresentado a papelada, aquelas "hienas astutas" do clã Krause já teriam arranjado uma forma de anular os nossos argumentos, gerando arruaça. Não que sejam documentos fracos, mas não há quem não tenha um ponto fraco. 

 

 Então, porque sabemos em que estamos a mexer, vamos aproveitar o tempo que temos a nosso favor para deixar que eles se exponham e lancem todos os seus peões. Não estão habituados a ser contrariados e, como estão a ver, eles são perigosos até contra eles mesmos. Iremos com calma. O peão da legalidade da detenção já está ultrapassado. O peão da caução foi agora por eles anulado, pois foram jogar com o cavalo. Estão, se bem me entendem, a deixar o rei e a rainha desprovidos de recursos de defesa. Quando a documentação necessária chegar, estaremos sem mais nenhum impasse, pois os opositores e seus argumentos serão cadáveres vivos, tentando armar-se em perigosos walking dead... E nessa altura iremos com tudo para cima do rei e da rainha. Nunca nos pronunciámos, a não ser em dois documentos: o da detenção, que já está solidificado com a legalização pela Juíza sul-africana. E a formalização da acusação para que se saiba que estamos à procura de justiça para os nossos cidadãos e país (Moçambique tem só a ganhar com isso e nem precisa de trabalhar, bastando não atrapalhar). Mas, sempre soubemos que se daria uma conotação política às nossas acções, quando quem está a usar da política para interferir nos assuntos judiciais são "eles"... uma vez que foram travados pela inexistência de argumento jurídico-legal para defender criminosos. Chang e os seus "chefes" não são os primeiros criminosos que prendemos neste mundo. Frank Lucas, Joseph Kennedy ou Al Capone são exemplos de criminosos que tirámos da face da terra. Fomos mais longe, pois as suas acções, apesar de serem desenvolvidas além-fronteiras acabavam por criar danos à América e suas populações. Falo de Pablo Escobar, que comandou o negócio da cocaína no mundo atingindo uma taxa de penetração mundial de 80%  e teve uma fortuna de mais de 30 mil biliões de Dólares. Mesmo assim conseguimos cortar a cabeça dessa cobra venenosa. O nosso interesse é um mundo mais limpo e zero risco para o Povo Americano.

 

Portanto, pode ser que o Michael Masutha caia nessa. Pode ser. Repito, pode ser que ele aceite envelopes e pense que está a obstruir a nossa empreitada. Porém, está tudo acautelado. Uma tempestade viria sobre ele e Ramaphosa e, consequentemente, sobre a África do Sul, caso achassem que podem prejudicar ainda mais os nossos cidadãos já demasiadamente lesados por Chang e seus parentes na pilantragem. Note-se que esta parece ser uma terceira resposta possível, pois, desse jeito, terão rasgado o TRATADO DE EXTRADIÇÃO e todo o histórico de cooperação ao nível judicial que vem sendo aperfeiçoado desde 1946...  Não é uma boa saída para eles argumentarem com a SADC quando querem é libertar um criminoso, dar risadas de hienas desgovernadas e continuarem a sobreviver às custas de prejuízo de gerações e gerações de humildes populações. Ninguém nos "bate" politicamente, ninguém. É uma questão de coerência da parte deles. A relação histórica que o ANC tem com a FRELIMO pode terminar de forma drástica e arrastar os dois países para uma crise sem precedentes, quando um pensamento racional e razoável pode "limpar" os corruptos de Moçambique e torná-lo um local saudável para o Doing Business, que, no final, é a nossa maior pretensão. Alguns países sem rosto (a exemplo do Egipto) estarão nos próximos 20 anos no “Top 10” dos países mais prósperos. Outro exemplo é a Indonésia. A chave para o tamanho progresso foi tirar de lá os empecilhos ao desenvolvimento. Acabámos com a ditadura disfarçada de democracia. Cortámos a cabeça da cobra. 

 

Entendam, o mundo está a caminhar para uma cidadania global sem precedentes. O interesse dos países mais fortes é que todo o espaço terrestre seja bom para se trabalhar, viver e fazer negócio. Um egípcio rico há-de ter negócio ou interesses em Moçambique. Do mesmo modo, mas negativamente, um criminoso como Chang, ainda que pense que a sua soberania só produz desgraça no seu país, vai afectar toda a região e o mundo por resvalo. Não se pode dar espaço para arruaceiros disfarçados de fidalgos. Conceder tréguas a gângsters com capas de governantes, quando nunca tomaram uma única decisão estratégica que desenvolvesse o seu país e seus povos. Esses devem ser liminarmente eliminados. Caso não estejam interessados, nós ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA estamos, pois se deixarmos essa erva daninha crescer tornar-se-á numa árvore venenosa que terá a suas raízes a invadir os nossos quintais por baixo do muro. Não tenho mais nada a questionar.

Como pode um Estado e suas entidades de assessoria jurídica confundirem dois conceitos tão diferentes e divergentes?



EXTRADIÇÃO: Processo oficial pelo qual um Estado solicita e obtém de outro a entrega de uma pessoa condenada ou suspeita da prática de uma infração criminal. Esses actos normalmente são celebrados através de tratados bilaterais (Direito Internacional). 



RESGATE: Acto ou efeito de libertar ou reaver alguém que esteve em cativeiro, prezo ou sequestrado. Operação de salvamento ou libertação de indivíduos que sofrem maus tratos ou humilhações. 



O que a nossa Pé-Gê-Ere está a pedir é RESGATE do seu amigo que, para eles, está a ser humilhado. Moçambique não pode pedir EXTRADIÇÃO. EXTRADIÇÃO é coisa séria... de países também sérios. 



EXTRADIÇÃO não se trata com essa leviandade, não. Como se pode extraditar um "Indivíduo" para um país onde ele goza de imunidade? Se querem brincar de extraditar, por quê não "extraditam" os restantes gatunos para as celas? 



Não nos confundam as cabeças, faz favor! Deixem o gatuno viajar na paz do Senhor Jesus Cristo! Deixem de ser patéticos! Vamos ser sérios um pouco só! 



- Co'licença!

sexta-feira, 18 janeiro 2019 05:53

O julgamento oculto

As pessoas estão preocupadas: Manuel Chang vai mesmo ser julgado? A grande pergunta é realmente uma outra: afinal, “onde” vai ele ser julgado? Essa pergunta esconde uma outra interrogação que é seguinte: “quem” vai finalmente julgar o ex-ministro? Reina a percepção que, lá fora, a justiça será mais rigorosa. Que lá fora se evitará uma certeira lavagem de culpas depois de uma alegada lavagem de dinheiro. E todos sabemos: mundo anda demasiado sujo por causa de tanta lavagem. 



Outras preocupações se juntam: mas é só ele? E os outros? E quando se pergunta por esses outros olha-se não para o lado mas para cima. Quer-se dizer: os que mandavam no Chang. Nunca se falou tanto de um julgamento que ainda está por haver. As pessoas falam porque estão obviamente cansadas dos julgamentos que ficam sempre por acontecer. E agora, este Manuel Chang, com ou sem culpa formada, resume num só nome todos os nomes dos que permaneceram acima da justiça.  Manuel Chang é um nome que se passou a dizer no plural. 



Partilho dessas interrogações. E tenho mais uma: não é apenas do julgamento de Chang que estamos a falar. Estamos a falar do julgamento de milhões de moçambicanos. De um julgamento que nunca chegou a acontecer mas do qual resultou uma sentença contra todos nós, condenando-nos a pagar uma dívida de milhões de dólares que terão ido parar aos bolsos de uns poucos nacionais e estrangeiros. Existe, pois, para além uma dívida oculta, um julgamento oculto. Esse julgamento produziu a mais insólita das sentenças: os que foram roubados foram declarados culpados e intimados a indemnizar os que roubaram. Não foram apenas os moçambicanos em idade adulta que foram punidos: foram os filhos, os netos e todos os que, antes de saber o que é dinheiro, já sabem o que é estar endividados. 



Já que houve um julgamento sem tribunal nem juiz que haja agora um novo veredicto em que sejamos ilibados dessa punição. Moçambique e moçambicanos merecem libertos dessa ilegal sentença. 



PS – Circulam por aí textos que são indevidamente imputados à minha pessoa. Outros  como Teodato Hunguana queixam-se do mesmo. Haverá, ao que tudo indica, uma fábrica de falsificação de textos de opinião. Por favor, a todos os leitores peço: não divulguem textos sem ter antes confirmado a sua autoria. O que dá força aos cobardes falsificadores de textos é a nossa apressada ingenuidade. Não nos tornemos cúmplices dessas desavergonhadas mentiras. 

Nem o próprio Afonso Dhlakama, nem Joaquim Chissano, nem Armando Guebuza, nem Filipe Nyusi, nem Yaqub Sibindy, nem Raul Domingos, nem Daviz Simango, etecetera, foram algumas vez eleitos democraticamente, e de forma genuína, em qualquer congresso. Ou seja, nunca houve um pleito eleitoral interno verdadeiro a nível dos partidos políticos neste chão chamado Moçambique. Normalmente, as eleições à presidência dos partidos, que têm decorrido nos congressos, são simplesmente um teatro, nalgumas vezes bem ensaiados, noutras nem por isso. 

 

Ossufo Momade é, a partir de hoje, o primeiro presidente de um partido político nacional a disputar votos de verdade. Por isso, a Renamo escreve mais uma página na História Universal como o primeiro partido político moçambicano a eleger democrática e genuinamente o seu presidente. Este VI Congresso da Renamo é histórico. Não quero aqui incluir os congressos da Frelimo socialista. Não sei, ao certo, se Mondlane e Samora, por exemplo, foram eleitos de verdade. É que a história deste partido tem sido revisada a cada dia que já nem se sabe distinguir a verdade da mentira. 

 

Olha, não quero com isso dizer que os outros congressos, deste e daquele partido, não foram democráticos. Nada disso. Estou a falar da democracia de disputa de votos na urna, onde os votos são divididos entre os concorrentes. Aliás, neste VI Congresso houve concorrentes, houve candidatos. Houve votação de verdade. Na hora de anúncio dos resultados, o coração de cada concorrente bateu rápido, os concorrentes roeram as unhas, houve ansiedade, houve nervosismo, houve aquele friozinho na barriga. Não foi um daqueles eventos de aleluias e hosanas ao Delfim e de legitimação de acordos dos bastidores. Ninguém tentou oferecer tractor e suas alfaias aqui. 

 

Isto é, de facto, inédito. Normalmente, os congressos são meros encontros de confirmações de cargos. Ninguém concorre com ninguém de verdade. Não há disputa. Os candidatos costumam ser únicos, ou porque os outros desistem à última hora ou porque apanham disenteria ou porque recebem, nos bastidores, uma iluminação divina de apoiarem um só concorrente. As vontades dos congressistas, normalmente, são por aclamação. Isto é, todos acordam e decidem gostar de um gajo só. Os congressos costumam ser "show de talento" de hipócritas. 

 

Neste VI Congresso da Renamo os congressistas distribuíram o seus votos para todos os concorrentes e venceu quem conseguiu a maioria. E democracia é isso mesmo: liberdade de expressão e de manifestação. Só espero que esse espírito prevaleça na Renamo e que os demais partidos imitem. Isso é importante para a nossa democracia interna e externa.

quarta-feira, 16 janeiro 2019 14:32

Sobre ironia

Na gênese do Estado moçambicano há uma indelével ligação com os Estados Unidos da América. A atender pelo mito fundador, “Chitlango, filho de chefe”, estudou e trabalhou naquele país e teve um trajecto tão "fecundo” que se casou com uma americana. Na lógica de familiaridades alargadas, para estas outras gerações que, eventualmente, sabem algo de Eduardo Mondlane, aquele país é terra de origem da “avó" Janet Mondlane, visões (dis)torcidas sobre “modernidade”, “50cent”... e nada mais!

 

Por conveniência, exacerbamos o significado de “soberania” e amplificamos pressupostos e fundamentos errôneos para vincar uma acepção maniqueísta do termo, com interesse instrumental e de defesa de agendas dúbias.

 

Simplificamos e trivializamos tudo. Em roupagens de “complexidade”, propalamos a ininteligibilidade das relações internacionais, pretensamente incompreensíveis para os comuns dos mortais. Nesta matéria, somos pródigos o suficiente para viabilizar uma “escola superior de proteção da soberania”. A extramudanização discursiva coverteu-se em subterfúgio e artefacto de arremesso para aterrorizar eventual desavisado.

 

Que ironia. Tão soberanos quão levianos!

 

Se nos ativarmos à memórias de longa duração (ode à memória curta) certamente que não teremos dificuldades em lembrar que, quando lutamos pela “pátria” e pela “soberania”, também conspiramos no exterior, acampamos no exterior, pedimos armas ao exterior, adoptamos ideologias inventadas no exterior, saltitamos entre socialismos e capitalismos abundantes no exterior!

 

Os montantes “superiores" ao orçamento do Estado são traficados e depositados no exterior! Para os que podem e querem, questões existenciais (saúde, turismo, negócios) tratam-se no exterior. Estudar, trabalhar, estabelecer parcerias... no e com o exterior é parte constitutiva das nossas “tradições”. Bastaria dizer que a simples agulha com que ajustamos os elásticos das nossas tangas vem… do exterior.

 

Mas entre nós, no contexto das relações com o exterior, a “fortuna” é tratada como dádiva e qualquer infortúnio é pregado como afronta à tal da soberania. Espanta-me essa cultura de “entitlement”(de direito) que se reserva o privilégio de aceitar as “sortes” e vilipendiar os “azares” decorrentes das relações com o... exterior.

 

Accionar todo um aparato Estatal (instituições e pessoas) para uma defesa canina da "classe meliante", revela muito sobre a estrutura que sustenta o poder dos governantes e não tem nada a ver com “qualidade” dos cidadãos. Pois, não se fiem nessa de "tal povo qual governança”. Até soa bem como frase feita mas não diz tudo sobre a estrutura das relações! A escravatura diz menos sobre os escravizados e mais sobre os escravocratas e seu regime.

 

Com recurso à força, aparelho repressivo do Estado, mídia pública, charlatões ideológicos patrocinados, esquadrões do terror, conivente inoperância das instituições de justiça e uma vergonhosa cumplicidade da bancada parlamentar majoritária (que mais se distingue pela sincronia nos aplausos e menos pela disposição para, genuína e criticamente, deliberar sobre qualquer matéria), o partido que monopoliza o poder e o governo do dia, assoberbado pela ganância, estendeu tapete vermelho e floreou o palco de actuação de pessoas inescrupulosamente audazes para venderem todo um país.

 

Parte da ironia, reside aqui. Em seduzir e cativar uma legião de pseudo-iluminados para fazerem a vez de "advogados de Deus”. Como se precisasse! Em circunstâncias como estas, que o Diabo se ponha à pão! No mercado da consciência pode perder aquele delicioso croissant!

 

Os que ousaram marchar contra tão óbvia falácia foram sistematicamente vilipendiados, estigmatizados e rotulados, entre outros, como “meia dúzia de inconsequentes gatos pingados”. Concidadãos foram torpemente descaracterizados, senão fisicamente seviciados, em nome dum “progecto” dito "soberano”, centrado no umbigo e vaidade de pouco mais de duas dezenas de pessoas.

 

O chulo, não é só a linguagem avícola adoptada para transacionar todo um projeto de bandeira, ainda que frágil. “50 Milhões de frangos” por poleiro é menos insidioso do que a predisposição de verdadeiros legionários que viviam em permanente sentinela, com espada em riste, prontos para lançarem-se contra os que faziam simples questionamentos metódicos e “razoáveis”.

 

Todo o papo em torno dos piratas, soberania marinha, estrada nacional número zero, peixe para alimentar as crianças desnutridas, atum que se comia sem se ver (como no poema sobre o amor que arde sem se ver), drones, desenhos e organogramas interligando empresas “laranjas” não passou disso mesmo. Subterfúgios costurados para encobrir o vilipêndio ao interesse colectivo e protecção de interesses de indivíduos e de grupos, se chegarem a tanto!

 

Despudoradamente, reinventaram a porporção dos monstros que habitam a nossa costa, exacerbaram a tacanhisse da místificada "mão externa", disseram que questionávamos a lisura dos actos porque estávamos cegos e porque não tínhamos tino suficiente para discernir que uma dúzia de canoas furadas não fazem uma fragata.

 

Hiper-cientificizaram as relações internacionais, insinuando que eram impossíveis de serem compreendidas por almas mundanas. Delataram o papel dos governantes e elevaram-nos a incontestáveis mandatários de uma massa amorfa sem vontade e nem capacidade, que deveria submeter-se às decisões dos “eleitos”, ainda que os levassem, perceptivelmente, ao desaire.

 

Mais do que encaregar o governo como instância de poderes delegados, reiventaram-no e atribuiram-lhe poderes transcendentais e concessionários, a ponto de o simples acto de pedir esclarecimento demandar bondade ou voluntariosos actos de generosidade por parte de tais governantes. Abriam e fechavam portas à bel prazer!

 

Abusaram do privilégio de maioria parlamentar para apaludirem, como pereferem, em contraposição ao debate, os seus actos lesa-pátria. Colegialmente, aprovaram a trafulhice e, embevecidos, juraram que fariam tudo de novo! Como se algo tivessem feito senão sucumbir à ganância e entregarem-se, "à franga”, à mercenários económicos que tudo compram e vendem.

 

Essa tal da soberania a que tanto apelam para nos afrontar... venderam-na. Um punhado de indivíduos usou dos privilégios da função, manietou e patrocinou ovelhas e desencadearam campanhas de defesa do espúrio.

 

Não houve ingenuidade, mas uma actuação sincronizada de novos nababos que se imaginavam sentados na "cocada preta". Os candidatos à capatazes verboreiaram e executaram atrocidades contra os que vocalizavam algum “desalinhamento”.

 

Apelaram para o histórico de precedentes desencontros com a Renamo para legitimarem o “bypass" institucional, ainda que, contraditoriamente, evidenciassem que a negociata era de cariz privado, mesmo que pudesse coincidir com potenciais interesses de Estado. Não tiveram parcimônia em estatizar burlas e recolher comissões!

 

Soberana, não é a costa que precisa de ser protegida, mas dívidas que tem de ser pagas e, para isso, descobriram que podiam extorquir no preço do pão, da energia elétrica, da água, do combustível e de tudo que se possa taxar ao habitante do poleiro (galinheiro mesmo).

 

E vierem os sofomaníacos. Desenharam “estratégias", “esquemas" e “diagramas" de "protecção costeira", no mínimo, exdrúxulas, ao mesmo tempo que asseveravam que seu partido guia era suficientemente visionário e iluminante. Ao sabor das boladas, declararam-se prontos a governarem, no mínimo, por mais meio século. Na mesma base!

 

Quando parte da velha guarda, do mesmo partido, entrou em histeria em cadeia nacional, rotularam-na senil e, com cortesia forçada, convidaram-na a encolher-se nos subúrbios de Maputo. Anciãos quase tiveram “tacardia” em horário nobre, quando tentavam denunciar o tamanho da sujeira. Memorável o "cuspilento" “tenho nojo” que SV deixou na STV.

Esculhambaram as ONGs, a sociedade civil e atribuiram-lhes o onus da "cumplicidade com ocidente", como se a dívida danosa tivesse sido contratada por estes, a sul dos sofridos e “tristes trópicos”. Filosofaram sobre os colonialismo e neocolonialismos, acrescentarm elementos à noção de pátria e patriotismo, apresentaram-se como arautos do progresso e da capitalização financeira dos oprimidos contra, estranhamente, “doadores” e instituições ocidentais opressores, com quem, efectivamente, contrataram tais negociatas. Posicionaram-se como escudos ideológicos entre as “massas” e seus líderes, ainda que não houvesse ideal algum que fosse defensável, além dos níqueis que sustentam facções políticas e hegemônicas que instrumentalizam o aparelho repressivo do Estado, num país depauperado.

 

Agora que “galinhas” enrustidas são chamadas pelos nomes, a insistência no apelo à soberania, à necessidade de "abrir o olho" contra o expansionismo “yankee", a facilidade com que desresponsabilizam os "visionários líderes” e catam pouco mais de uma dúzia de assessores funcionais para vestirem a carapuça, meus receios é que, em nome da soberania, roubem os veredictos. Experiência não lhes falta