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sexta-feira, 03 dezembro 2021 08:19

Da vez que "encarei" um temível General!

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A escola estava agitada. Todos estavam ansiosos com a chegada do orador da palestra. Um General "nacionalista" e bastante referenciado em vários manuais da história oficial do país. Estávamos no ano de 2008, na altura, era estudante da Escola Secundária e Pré-universitária 25 de Setembro, na cidade de Quelimane, província da Zambézia. Uma acrópole grega, sediada a meia distância do núcleo das margens do rio dos Bons Sinais.

 

Todos queriam conhecer o General sobre o qual só líamos nos livros, revistas e jornais. Ouvíamos suas intervenções nas rádios e assistimos certas vezes suas aparições pela televisão. O cartaz estava fixado e tinha como tema da palestra: Serviço Militar Obrigatório e patriotismo. Naquele dia, o pavilhão desportivo da escola estava lotado e a juventude queria ouvir e ver por perto sobre os valores do patriotismo vindos de quem um dia abandonou os vícios da mocidade para se dedicar à longa luta pela independência de Moçambique.

 

A palestra começou. Embora o espaço estivesse lotado, todos ficaram calmos e atentos. Afinal, estávamos diante do General Alberto Chipande. Uma lenda viva nos amuletos oficiais sobre a nossa história. A intervenção do General decorria e calmamente explicava as vantagens de fazer parte do Serviço Militar Obrigatório (SMO) e o que o acto representava. Na palestra, o General deixou patente que todos nós tínhamos a obrigatoriedade de fazer parte do processo e que não existiam diferenças por lá (…) foi neste momento que uma pulga pousou na minha orelha e começou a incomodar-me.

 

Terminada a explanação do General Chipande, abriu-se o pavilhão para a sessão de perguntas e respostas. Eis que, depois de alguns colegas proferirem os seus "discursos sofistas" e de muitos conceitos elogiando o General, o que não era o centro do encontro, levantei o braço e pedi a palavra.

 

Num tom inocente e contextualizando os factos, sobre o que acompanhava noutros circuitos de informação e de opinião, sobre a matéria da palestra, questiono o General: Porque é que os filhos de pessoas com um status social e influência política como do General não cumpriam o SMO? E o que diferenciava estes moçambicanos acima mencionados de nós, os filhos dos pobres e sem qualquer influência política, económica e social?

 

Terminada a minha intervenção, seguiu-se um momento de palmas e gritos (é isso – diziam os jovens presentes no pavilhão e eufóricos!). Devolvida a palavra ao palestrante, eis que começou um discurso de que casos de género não existiam e que na República de Moçambique todos éramos iguais e não existiam protegidos perante a Lei, fôssemos filhos de qualquer individualidade, tínhamos de nos inscrever para fazer parte daquele dever patriótico. Com as questões e as respostas, esperava-se que viessem exemplos concretos dos filhos de grandes individualidades que haviam passado por lá, mas nada disso aconteceu!

 

No final da palestra, fui solicitado por alguns coronéis e directores que acompanhavam o General e procuraram saber quem eu era e quais eram as minhas origens. No dia pediram para que não colocasse questões de género em eventos como aqueles e que estava a agitar a juventude com as minhas perguntas – fiquei calmo e reparando nos olhos de quem falava – em seguida, calei-me e segui os meus colegas!

 

Sucede que, minutos depois da comitiva sair, fui solicitado no Gabinete do Director da Escola. Pensando que era para ser elogiado, eis que começa um processo inquisitório por parte da então pedagógica da escola, procurando saber, porque eu havia feito aquilo e quem teria encomendado aquelas perguntas. Fiquei perplexo e intrinsecamente ia indagando – eu sou estudante da 11ª classe de letras e, para além disso, leio e acompanho os debates públicos e opiniões diversas, e mesmo estando em Quelimane, isto não deveria constituir motivo de limitação para pensar Moçambique.

 

A Directora-pedagógica e o colectivo de docentes delegados para o inquisitório ficaram falando cerca de 30 minutos, ameaçando e aconselhando para que não voltasse a fazer o que havia feito. Após aquele exercício, passaram-me a palavra e eis que questionei: qual era a finalidade da educação ou do processo de ensino-aprendizagem que os professores levam a cabo na escola? Ninguém respondeu e, diante deles, eu disse: pensei que a escola fosse um espaço de desenvolvimento humano, de transformação intelectual e da nossa forma de pensar – entre eles, o pensamento crítico da nossa realidade social e política.

 

Sem respostas do colectivo inquisitório, deixaram-me sair do gabinete e do lado exterior, alguns colegas aguardavam e abraçaram-me, elogiaram-me e revelaram que toda a escola estava comigo, porque era assim como muitos estudantes deveriam ser. 

 

Entretanto, a pedagógica e alguns docentes haviam me marcado e sempre que pudessem faziam questão de lembrar-me que estavam de olho e, caso não estudasse, as coisas seriam muito difíceis. Aquele facto fez-me estudar a dobrar e, mesmo com o roubo de notas, acabei dispensando várias disciplinas e aprovado nos exames de algumas que havia feito. No entanto, não foi fácil enfrentar os efeitos colaterais por "encarar" o temível General!!!

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