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terça-feira, 10 agosto 2021 14:53

Carta a Yolanda Xikani

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Sou mulher como tu, Yolanda! Sou chopi, com o mesmo sangue que circula nas veias de Xeny wa Gune. Vibro também - em todo o corpo - perante o abalo da makharra, dança dos meus antepassados e de todos os chopi como Xeny, esse rapaz gingão que me arrebata em cada baqueta gotejando luz por sobre a timbila. Sabias disso? Eu sou a mathxathxulani (animadora das orquestras de timbila) vituperada nas noites quentes de m,saho (festival dos chopi). Mesmo assim, minha alma continua a sublevar-se em cada golpe.

 

Sou mulher como tu, Yolanda! Vagueei descontrolada em muitas etapas da minha vida, sem saber que um dia havia de te conhecer, e que a tua música viria esbater a peste que sou, mas também como é que havia de saber! Caí nas mãos de um homem que usa a rampa do amor como alambique do veneno, tornou-se carrasco de mim e transformou as palavras em guilhotina, mata-me aos pedaços.

 

Yolanda! A tua música (Ni karate), que cantas contra as feridas despontadas em cada açoite do homem que amas, afinal quem canta essa lírica ensaguentada, sou eu. Vestiste a minha pele e vieste cá fora gritar a dor que me calcina, e não me canso de te agradecer. Passei este tempo suportando o ultraje. Fui esvaziada até ao esgoto, transformada na própria bosta, até hoje em que a tua música chega como as labaredas da libertação.

 

Agradeço-te sem parar nesta hora da fuga, Yolanda. O caminho que se escarrapacha diante de mim, com ténue aurora no fundo, é a mensagem - não tenho dúvida - de que devo continuar a atravessar esta estepe, e o sábio já dizia: nunca pares de correr quando estiveres a atravessar o inferno, e eu recuso-me a olhar para trás, onde passei a vida a ser achincalhada. A ser vergastada nas feridas vivas.

 

Yolanda! Eu sei que nenhuma destas palavras é nova para ti, porém reconforta-me saber que me ouves no silêncio, isso dá-me uma imensa sensação de bem estar, é como se eu fosse uma criança acolhida nesse teu peito que bate incansavelmente ao som das claves. E como se tudo isto não bastasse, eis que vens cá fora cantar as minhas dores, vestindo por inteiro a minha pele enxovalhada sem fim.

 

Obrigada, Yolanda, por essa música (Ni karate), dolorosamente linda!

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