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terça-feira, 03 agosto 2021 06:42

A factura que devemos pagar por fazer “jornalismo fora da caixa” em Moçambique

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É uma situação que já não me permite calar, senão sentirei remorso para o resto da minha vida, caso amanhã apareça mais um colega de Órgãos de Comunicação Social dos ditos independentes morto.

 

A situação não está boa no País para o exercício pleno desta profissão nobre – o Jornalismo. Eu penso que quem está no terreno e não só, sabe do que me refiro, embora esta triste situação seja mais visível quando praticada por autoridades ou instituições do Estado. Entretanto, este não é o cerne deste artigo de opinião ou grito de socorro, não para mim, mas para quem pratica um jornalismo “fora da caixa”.

 

O cerne deste texto não visa atacar as lideranças do MISA-Moçambique ou do Sindicato Nacional de Jornalistas (SNJ), porém, sugerir que estejam atentas face à real situação dos “jornalistas independentes” baseados em Províncias como Cabo Delgado, Nampula, Sofala, Manica, Tete, Inhambane, Maputo e outras, principalmente no que respeita ao tipo de representante existente nestas províncias, pois, a situação não é boa. Digo isso por experiência própria e com evidências reunidas ao longo de três anos de viagens constantes para estas regiões.

 

São inúmeras vezes que alguns colegas da profissão, por saberem que eu estava na sua Província, evitaram encontros presenciais devido ao medo exacerbado de ficarem a ser “mal vistos” pelas lideranças locais porque, alegadamente, caso alguma “bomba” rebentasse, ele ficaria a pagar a factura em meu nome ou os representantes das instituições formalmente concebidas para defender a Liberdade de Imprensa no País convidá-lo-iam para um “café nazista” nos escritórios do Governo Provincial para saber se não terá sido ele a escrever o tal artigo.

 

Em Cabo Delgado, quando os ataques ainda reportados pelos Órgãos de Comunicação Social privados eram todos vistos aos olhos oficiais como “fake news”, por não quererem que a informação fosse veiculada ao povo e ao mundo, jornalistas correspondentes de Órgãos de Comunicação Social nacionais e  internacionais foram, por várias vezes, torturados psicologicamente. Ora, o mais estranho destes actos é que eles não são protagonizados, na sua maioria, por Agentes Secretos ou pela Polícia, porém, por jornalistas e representantes de organizações como o MISA ou SNJ, que deveriam defender a classe nestes locais.

 

Todos nós acompanhamos a situação vivida por Amade Abubacar, Estácio Valoi, Germano Adriano e, recentemente, Ibrahimo Mbaruco. Alguém já viu ou ouviu falar de uma Conferência de Imprensa do MISA ou SNJ em Cabo Delgado a exigir que as autoridades judiciais tragam resultados das investigações? Se eu estiver errado, estão livres de usarem os mesmos meios para desmentirem. Agradeceria bastante.

 

Em contrapartida, quando, em 2019, eu e a minha colega Paula Mawar, vítima destes actos nocivos de certos profissionais acobertados em organizações defensoras da Liberdade de Imprensa nas províncias, denunciamos a situação de limitação de circulação de informações sobre os ataques em Cabo Delgado por ordem do então Governador da Província, foram os representantes do MISA e SNJ que vieram ao público, alguns pousando, simultaneamente, como repórteres e fontes de informação, distanciando-se e desmentido a ocorrência de tal acto como se de um gesto nobre e patriótico estivessem a prestar à nação.

 

Por conseguinte, os dias que se seguiram foram tenebrosos para os jornalistas que trabalham para privados e internacionais. Vários foram interrogados e ameaçados. Na altura, o meu telemóvel não parava de chamar, alguns se despedindo ou mesmo chorando para mim. E quando os questiono se se tratavam de Agentes do SISE ou SERNIC, os colegas diziam um sonante “NÂO”, pois eram ameaçados por colegas da profissão!

 

Sobre o caso Amade Abubacar, por exemplo, eram jornalistas como ele que propalavam, em certos circuitos, que Abubacar era mesmo o que as autoridades diziam – informante dos insurgentes. Alguns chegaram até de se deslocarem à residência do proprietário da casa, onde Amade Abubacar havia arrendado, para dizê-lo que ele estava a albergar alguém estranho e controlado pela justiça. Coitado do Abubacar, o qual, até hoje, aguarda por um desfecho do caso! Infelizmente, devido a estas situações, o homem teve que se reinventar.

 

A Paula Mawar, que logo que a onda de terror começou, foi colocada na parede para decidir se continuava a escrever sobre os ataques ou se abandonava a instituição. Por sua vez, o Estácio Valoi, embora tenha ganhado o processo contra a Polícia, ainda sonha com o seu material de trabalho em mãos incertas. Sobre o caso Ibrahimo Mbaruco, infelizmente, devido à nossa consciência voltada ao esquecimento, já lá se vão quase dois anos que não se sabe da sua situação. Alguns colegas, por conseguinte, tiveram que trocar as suas assinaturas e vivem mudando, constantemente, de residência por temer o pior – apesar disso, os representantes destas instituições nem estão para eles.

 

Mesmo na Cidade de Maputo, a técnica de funcionamento é idêntica. Contudo, a vantagem de Maputo é a existência de vários Órgãos de Comunicação Social, no entanto, a solidariedade jornalística é um mito, ou seja, escreve-se por ocasião, para o inglês ver. Em caso de um acontecimento, os colegas julgam-te, dizem que já sabiam que ele era assim. Até os que são raptados e espancados, há quem corre para informar as lideranças que se tratava de questões sociais. Quando se queima um escritório de um jornal, prendem-no arbitrariamente e acusam-no de crimes que não cometeste. E os colegas da classe afirmam: “isso é assunto dele, não vamos nos intrometer”.

 

Eu sou um exemplo disso! Recentemente, um colega, curiosamente, Coordenador de uma associação de jornalistas, disse-me na cara que o caso da minha detenção não foi assim como tem sido explicado, que a Procuradoria da Cidade de Maputo, que decidiu em se abster do processo, não tinha que o fazer, pois, eu teria cometido os tais actos sobre os quais fui acusado. Não imaginam o quanto fiquei chateado com aquele colega e, por pouco, partia para a ignorância, contudo, como sei o tamanho das grades mentais que o tipo carrega, preferi agir como um monge! 

 

Posição similar cheguei a ouvir com outros colegas da classe, os quais confessaram que, a princípio, deram razão às autoridades policiais, entretanto, quando juntaram as peças, viram que eu tinha razão. Mesmo assim, eles sugeriram que eu deveria abrandar o nível de trabalho que tenho realizado, para não voltar a ter estresses de género, entre outras coisas. Alguns até foram prometidos cargos, em instituições estatais, caso fornecessem informações comprometedoras ao meu respeito, mas a prudência e verticalidade ajudou-lhes a reflectir melhor!

 

Outra situação preocupante está a ser vivida, nos últimos dias, pelo jornalista Luciano da Conceição, natural de Tete, e correspondente da DW África na Província de Inhambane. O homem tem vivido uma autêntica situação ao modo nazista protagonizada por jornalistas e representantes do SNJ em Inhambane e não só. Ele, que há meses foi raptado na porta de casa e deixado numa praia inconsciente, vive actualmente em constante hostilização por parte dos colegas da classe e de outras individualidades.

 

A hostilidade ao jornalista intensificou-se desde que ele escreveu o artigo sobre as qualificações académicas do Administrador de Vilankulo, Edmundo Galiza Matos Jr. Como é apanágio destes grupos, Luciano foi removido de todos os grupos de WhatsApp de jornalistas e do Sindicato na Província, humilhado pelos colegas e chamado para um “café nazista” de enculturação dos âmbitos jornalísticos da Província pelo representante do SNJ, alegadamente, porque o homem está a agir fora da caixa. Luciano da Conceição recebe ligações constantes destes grupos, ameaçando-o e demonstrando algumas atitudes tribalistas. 

 

Nas agendas de trabalho da Província, o jovem jornalista é excluído porque, alegadamente, não escreve como “patriota”, ou seja, ser patriota é replicar os supostos feitos da administração local – sinceramente – que o diga Armando Nenane, abandonado à sua sorte e exigido a pedir desculpas ao General, por ter exercido um direito constitucional – Liberdade de Imprensa e de Informação – agora é sugerido a ajoelhar-se nas botas do General, lambê-las e vir, publicamente, confessar o crime de informar – só mesmo em Moçambique. E os mesmos defensores organizacionais da Liberdade de Imprensa dizem não ter dinheiro para o apoiar – que coisa, nem!?

 

Na Cidade da Beira, o jornalista Arsénio Sebastião, quando pensava que o caso, que aparentava ter sido dirimido em 2020, eis que um Tribunal local decidiu condená-lo pelo Crime de Corrupção. Já se passaram semanas e nenhuma organização veio ao público para denunciar e repudiar esta acção incompreensível do Tribunal.

 

Portanto, os casos são variadíssimos, e espalham-se em todo o País. Talvez terei que fazer um segundo texto para narrar mais casos de género, porque é importante que haja mudanças de comportamentos e atitudes por parte de todos nós. 

 

Por conseguinte, chegando a esta parte, eu penso que seja de vital importância que se repense sobre quem representa a classe jornalística em algumas Províncias. Não se pode admitir que assessores de dirigentes que, estranhamente, ainda exercem a profissão estejam na liderança de organizações como MISA-Moçambique e SNJ, as quais, quando bem dirigidas e representadas, tornam-se num veículo importante de defesa, protecção e moderação desta profissão nobre que, em outros quadrantes, constitui o Quarto Poder, mas, aqui na Pérola do Índico, alguns guardam o poder no quarto!

 

Atenciosamente. Até já!

 

Sir Motors

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