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BCI
terça-feira, 30 março 2021 08:36

Entrevista fictícia ao Guita Jr.

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- Agora vives na Alemanha, o que é que te levou para essas terras?

 

- Eu estou sempre a ser levado, nunca questionei isso. Cheguei a conclusão de que viemos à terra para algum tempo  depois sermos levados outra vez, ou sermos abalroados em rios profundos. Então, acho que o importante é você ser feliz, no mesmo sítio ou em outros lugares, não importa a causa dessa movimentação ou dessa estaticidade. Estaticidade poética no sentido de que passas a vida a plantar flores lindas e diversificadas no mesmo canteiro e nos mesmos vazos. E vives!

 

- E como é que é a tua vida aí?

 

- A minha vida não mudou, ainda sou o mesmo. Passo recorrentemente, como sempre passei, o tempo com a caneta na mão ou em frente ao silêncio do computador, esgravatando  palavras na gandaia. É verdade que já não sinto por aqui o cheiro do capim seco ao redor da minha casa em Malembwana (bairro suburbano da cidade de Inhambane), mas reconforta-me o facto de que um dia voltarei ao meu chão.

 

- Com um livro no regaço?

 

- Com um livro no peito, escondido pelas mãos nervosas de abraçar os meus amigos. O livro está pronto, agora deixemos que o tempo se encarregue do resto. Há coisas que não dependem de mim.

 

- Qual é a diferença de viver na Alemanha e viver em Inhambane?

 

- Epá, as diferenças são muitas. Em todo o lado há diferenças, aliás, antes de aportar neste que é o país mais poderoso da Europa, eu já estava mais do que preparado para encontrar diferenças em tudo. Mas o que mantem a minha alma inabalável é o cheiro do zorre que impregna o meu espaço imaginário, ainda sou o mesmo, mesmo com alguns problemas que me ferem a carne. E como sabemos, a carne vai apodrecer, a alma não.

 

- Alguém dizia em tempos que a poesia está em desuso. O quê que pensas sobre esta afirmação.

 

- O mundo é poesia. Então, se alguém vem dizer que a poesia está em desuso, está a afirmar que o mundo não presta! Deus é poeta, só pode ser poeta a Pessoa que fez esta maravilha chamada terra, e o nome dessa Pessoa é Jehová.

 

- Não achas que o mundo está em derrocada? E consequentemente também a poesia?

 

- Pode ser que o mundo esteja em derrocada, mas eu acredito no refocilamento. Tu podes enterrar um gato vivo a uma profundidade de cem metros, ele vai refocilar (ressurgir). A poesia vai prevalecer sobre todos os abalos. A poesia é o último baluarte, ou seja, toda a vida resume-se na poesia.

 

- Foste professor de português, com muitos alunos sob tua batuta. Mais do que ensinar, o que é que aprendeste desta profissão?

 

- Aprendi a viver, a valorizar cada sinal que a vida nos transmite. Há alunos dos quais jamais me esquecerei por aquilo que me ensinaram, como o Madabule, que foi meu aluno durante dois anos consecutivos. Ele tinha uma inteligência rara, mas nunca vinha cá fora dizer isso. Não discutia abertamente com o professor nem com os colegas. Mostrou-me em muitos momentos, de forma sábia, que a humildade é mais do que tudo.

 

- Ainda fumas muito? Inveteradamente!

 

- Estás a fazer-me uma pergunta estúpida. Como é que posso continuar a fumar com este raio de tubo que me embutiram na garganta?

 

- O quê que aconteceu?

 

- Fui submetido a uma intervenção cirúrgica a laringe, enfiaram-me uma faca fria  e saí de lá com este tubo, mas eu tinha consciência desse risco, aliás os médicos já me tinham avisado, a laringe é delicadíssima.

 

- Essa tua nova situação mudou alguma coisa em ti?

 

- Eis que me fazes outra pergunta estúpida. Claro que mudou! Mas há uma coisa que nunca vai tremer na minha estrutura, é a minha alma que continua intacta e cada vez mais forte. Muito forte demais.

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