Mais do que sentir-me feliz por estar novamente em liberdade, após superar o flagelo do Corona-Virus sobre o meu corpo, invade-me agora uma indescritível sensação de júbilo, em agradecimento profundo a todos que me amam, com certeza sem o merecer. Tenho passado os últimos anos da minha vida em cativeiro, dentro da minha própria carrapaça, um casulo que vai sendo fortificado irreversivelmente pela solidão. Estou em permanente fuga dos meus amigos, mas eles não me largam, percebi isso quando fiquei temporariamente sob as garras desse violento e cruel virus, ou seja, enquanto a dor e o medo assolavam-me por um lado, por outro lado vinha uma surpreendente avalanche de amigos que queriam saber como eu estava.
Com muitos deles eu já não falava fazia muito tempo, mas quando receberam a notícia da minha condição de positivo para o Covid-19, pegaram imediatamente no celular e do outro lado a voz comovida perguntava, como vai meu irmão? Outros apenas diziam, força brada, isso vai passar. E eu acrediatava nessas palavras de conforto, mesmo sentindo a dor na carne, o sufoco no peito, os arrepios em todo o esqueleto, as febres que me faziam transpirar suores frios toda a noite embrulhado nas mantas, as dores nas articulações. O desespero.
A minha casa transformou-se. O silêncio foi substituído por incessantes pedidos de lincença para entrar, de uma tal forma que a minha diarista jamais vira desde que está comigo ajudando-me em dias específicos. Ela percebeu que afinal há pessoas que me valorizam, como ela, embora eu ficasse com a sensação de que estava sendo visitado numa clausura de um condenado a morte, onde a comunicação é feita sem aproximação. Mas toda essa peregrinação animava meu espírito, e eu pedia-lhes para não voltarem mais enquanto não ultrapassasse esta linha vermelha. E na verdade capitulavam, como se estivesse a escorraça-los da minha casa.
As chamadas telefónicas não parávam. As mensagens entravam em catadupa no meu celular como remédio para a alma, e tudo isso ia ajudando-me na superação. A minha família ficou mais unida em redor de mim, e eu sentia-me embaraçado porque nunca fiz nada para retribuir esse amor, ou pelo menos para ser digno dele. Mas esse é o verdadeiro amor porque enquanto não me queixei, eles me amavam no silêncio, e agora que a espada parecia descer, o amor deles vibrou mais em defesa de mim.
A minha filha, a Ndola, deixou de trabalhar e veio acampar na minha casa, contra a minha vontade, pois eu não queria que corresse o risco de ser contaminada por mim, mas ela ignorou todos os avisos. Protegeu-se no máximo, juntou-se à diarista e as duas lutaram a meu favor. Foi a Ndola que me levou ao hospital para o teste, partilhamos o mesmo carro, a mesma cabina, o mesmo medo, a mesma fé de que isto é um vendaval que vai passar. Ndola olhava para mim e no lugar de se comiserar, cantava e contava-me histórias de alegrar o coração. Ficamos juntos, distanciados, e ela sempre mascarada, a lavar as mãos sem parar, conzinhando e preparando a fruta imprescindível, e eu chorava escondido no quarto. De emoção por ver minha filha feita minha médica particular.
Graças a Deus tudo passou. Obrigado a todos, aos meus amigos, a minha família. Agora estou bem, pronto para o trabalho e para viver novamente, Na minha solidão.