Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

terça-feira, 16 junho 2020 07:50

Cabo Delgado e o grito das crianças - 1

Escrito por

As casas foram queimadas. As bonecas esfoladas. A nossa inocência molestada. Dói ser criança, numa terra onde a guerra e barbárie imperam. Não sabemos até quando teremos que esperar para honrar as almas dos nossos irmãos decapitados em Xitaxi, explodidos no Ibo e esquartejados em Bilibiza.

 

Quem nos acude?

 

Nós as crianças de Cabo Delgado, concretamente em Mocímboa da Praia, Macomia, Muidumbe, Nangade, Quissanga, Mueda e Meluco há mais de um ano que esquecemos o que é ser "criança". Junho é o mês das crianças e desde 2017 que não celebramos, o 01 e 16 de Junho como antes!

 

A guerra chegou no momento em que os nossos sonhos fluiam e hoje foram substituídos pela dor de ser órfão, viver sem ir a escola, sem brincar e com constante medo de como será o dia amanhã. 

 

Alguns de nós vivemos sem sono tranquilo nos centros de acomodação, porque se á comida durante o dia, a noite a manta ou cobertor é menor que dormimos trémulos e em disparo. Quando as condições existem então vem na memória, os episódios da guerra, homens mascarados cortando o pescoço dos nossos pais, tios, avôs, irmãos e amigos! 

 

Quem nos acude?

 

Sabemos que os títios das Forças de Defesa e Segurança tem feito, o seu melhor no combate aos al-shabab. Mas quem irá nos ajudar a reiniciar ou tirar da memória em aqueles episódios sangrentos que ainda correm-nos na memória. Que ainda estrangulam o nosso cérebro, pensamento e sonhos. Quem nos acude, desta situação em que tivemos que abandonar as terras e raízes em busca de segurança e paz, mas as marcas são recentes e cruéis.

 

As nossas flores secaram com fogo provocado pelas balas, bombas, combustível e fósforos. Nossas casas onde nascemos e viviamos foram saqueadas, incendiadas e profanadas. Torna-nos díficil entender a razão desta guerra que destruiu a história das nossas famílias e tirou-nos os nossos deuses na terra (pai, mãe e avôs), nossos protectores.

 

A nossa vida já mais será a mesma, mesmo que este "blood gas" (gás de sangue) sirva no futuro para alimentar a economia de todo país. As nossas maiores riquezas foram-nos tiradas sem pelo menos dizessem adeus! O nosso futuro é incerto! Alguns de nós vivemos com desconhecidos e com códigos de vida diferentes daqueles que desde o berço fomos ensinados (...).  

 

Morremos de fome todos os dias! Para chegar a Pemba, Metuge, Namapa, Meconta, Nacala ou Cidade de Nampula tivemos que caminhar na mata ou seguindo viagem numa canoa superlotada, sujeitos a todos tipos de perigo de vida e dor. Sujeitos a morrer andando ou navegando. Os verbos que aprendemos na escola foram todos conjugados andando. A tabuada idem. Quanto sofrimento meu Deus!

 

Nós as crianças de Cabo Delgado, pedimos paz!

 

We the children of Cabo Delgado, we ask for peace!

 

Nos filii Cabo Delgado, non petere pacem!

 

Omardine Omar

 

PS: Elaborada a partir de uma leitura social, psicológica, humanitária e imaginária, o que uma criança sobrevivente da guerra em Cabo Delgado diria caso tivesse a oportunidade de assim o fazer. Conteúdo criado a partir da constante cobertura da guerra nos distritos de norte e centro de Cabo Delgado. 

Sir Motors

Ler 3152 vezes