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segunda-feira, 20 abril 2020 16:08

Pois é, “Dura Lex, sed Lex” (wa munho okho)

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*Este texto é motivado pela satirização e cinismo de Diógenes, ironia socrática e marrabuas do Mwanachuabo

 

No momento em que escrevo essas linhas soltas, vejo uma espécie de comoção  social quase que eufórica, ladeando e gravitando ao regalo a mais um absurdo surreal perpetrado por “nós”, ao estilo daquelas peripécias retratadas pelos grandes dramaturgos, aliás o que já tem sido prática, a cada amanhecer nestas terras banhadas pelas águas cristalinas e sobretudo salgadas do nosso índico oceano.

 

Vive-se nesta já ida e bem abençoada “pátria de heróis”, que em tempos ostentou o apelido carinhoso de “pérola do índico”, momentos de muita tensão. Tendo em conta que, de um lado estão os subsídios a ganhar por parte dos ex-deputados no processo “fantasmagórico” de reintegração e por outro, os subsídios a não ganhar pelos burocratas street level (funcionários públicos). Bem, nunca pensei que esta palavra “reintegração” ganha-se contornos e contextos completamente diferentes, quanto esses que ganhou agora, recordando-me, com alguma agridocidade nostálgica, a antonomásia que caracteriza o solo onde desde fase embrionária e até hoje, me criei e me conheci como gente pensante. Percebia que, só se reintegrava o que se tinha distanciado ou privado a dado momento de fazer parte (posso estar equivocado, mas fácil até seria, antes de deixar a minha percepção sobre o conceito, consultar um dicionário para ver a tradução do termo, mas não o fiz), entretanto, faz-me confusão quando não é esta à tónica que se discute, ainda de quem ou alguém que nem sequer deveria estar desintegrado da sociedade. Pois, é por ela, que estes tais (que precisam de reintegração) não só advogam como também são legítimos interlocutores. Logo, o paradoxo, como se “reintegrar” alguém que deveria sempre estar integrado para em nome dos cidadãos advogar como o seu legítimo interlocutor? Mas “any way”, vamos avançar, qual igual mazameras desta sociedade (a)normal.

 

Com o vosso beneplácito, esta é a verdade, viril, jocosa, ardilosa ou até sorrateira, mas é a verdade, ou se lhe quiserem adicionar outros adjectivos que melhor lhe caracterizam neste momento, estejam a vossa vontade. Pois é, “ologa ofuna weio wa  munha okho”[1]. “Dura lex sed lex”, é a mais pura e “salgada” verdade. “Dura lex e sed lex”, é uma expressão antiga, reza a história que a expressão remota ao período de introdução de leis escritas na antiga Roma, a mesma é derivada do latim, cujo significado na língua “camoniana” e ao pé da letra seria “a lei é dura, mas é a lei” e tem que se fazer valer. A cada novo dia, sobre o olhar impávido e sereno do povo, uma nova novidade surge, como se já não bastasse, as do COVID-19; dos insurgentes em Cabo Delegado a “guerra sem rostos”; da circulação condicionada de viaturas e bens, pela zona da mítica Gorongoza; e agora essa, dos “reintegrados”. Pois libertaram os “ladrões”, não esses, mas aqueles gatunos, epah as estas alturas, já nem sei como os distinguir direito (já que de uma ou outra forma, todos acabam criando incertezas ao povo a cada alvorecer), mas sei que em algum lugar, foi aprovado com eficiência admirável um decreto que assim o diz, não mesma eficiência foi vista, a quando da deliberação dalguma outra resolução relativa as mensalidades das escolas privadas (o negócio dos “boices”), quando no máximo foi deliberada uma orientação de negociação arbitrária entre os proprietários e os pais e ou encarregados dos que ali “compram” conhecimentos (ainda não sei que desfecho esperar, se ambas as partes são indivíduos racionais e auto interessados a maximizar a eficiência de “Ótimo de Pareto”). Enfim. Particularmente as últimas novidades, estas sim, tem sido um autêntico e rude golpe ao estômago daqueles que não conseguem se “avestrujar” (nem sei se o termo existe, mas como o texto é meu ele ficará assim mesmo, “wa munha okho[2]).

 

Sem quaisquer receios e com coragem animalesca, estes famigerados compatriotas nossos, augustas personalidades, de forma viril, sorrateira e inescrupulosa, “no teatro das operações”, aprovaram leis no crepuscular do dia, embebido à leiguice dos pacatos cidadãos que os confiaram o testemunho para a si representarem, eis que no “no aurorar dia” (já vespertinamente despertos), descobrem que as suas confianças foram conspurcadas. Já é tarde. Salvo se ainda pudesses qualquer coisa fazer. Neste engodo, foram-lhes servido, para engolirem sem recurso a água para digestivamente “empurrar”, um grande e gigante “ananás” com a sua coroa e armadura característica (este é o sentimento que agora nos percorre). Agora “terão” que digerir goela abaixo este abacaxi, se ao menos pudéssemos saborear, nos restaria a polpa e o seu suco, mas não, temos que o engolir, impávidos, serenos e, sobretudo, frustrados e moribundos.  

 

Com os seus ouvidos feitos mercadores, os nossos interlocutores e coincidentemente representantes, já não advogam por nós, afastam-se, e se esfumam no horizonte dos seus próprios egos e vaidades, regozijando-se de mais um golpe bem dado, a aqueles que juraram estatutivamente e cristalinamente servir ou servir-se (não sei bem). Esta é a verdade, e mais uma vez, esta verdade, igualzinha às mentiras da verdade, vêm de forma fulminante, fogosa e maquiavelicamente brandir os nossos já maltratados corações.

 

E ao longe e já sem mais sangue a se lhes poder dar, ouve-se o “titilintar” das moedas no ecoar nos bolsos vazios do povo, num autêntico contraste, “aquelas”, contrapartidas destes famigerados representantes do povo, verdadeiros “combatentes da reintegração”. Mas, como dinheiro não fala, usam e abusam dos nossos parcos recursos, sem apelo nem agravo. Os seus semblantes e a robustez que ostentam na mais pura e gritante “inocência”, lhes desmente o tal estado de “inópia. Pois é! Esta é a verdade, e agora em forma de lei. Cumpra-se, para não seres acusados de prevaricar a lei.

 

Pois é, enquanto o povo, vive na incerteza do seu dia-a-dia fazendo e buscando milagres, embrenhando-se nos impossíveis para possivelmente prover condições mínimas e conferir alguma dignidade a si e aos seus, espremendo a cada gota de suor e se exprimindo a cada suspiro, já estas augustas excias que nos representam, vivem em sua pompa e áurea formosura, mergulhadas nas artérias das abundâncias sofridamente conquistadas nos anais do sufrágio. Na majestosa casa do povo, onde sofridamente estes, supostamente se contendem, para garantir o estado de direito e o bem-estar comum, a água potável jorra do chão num extremo golpe de beleza (através de um chafariz ali instalado), não tão potável a nível da sede destes representantes (pois ali, só bebem de águas engarrafadas, sejam elas naturais, da fonte, ou tratada, desde que venham em potes de 500ml ou 1,5litros lá de Namaacha), mas de preciosidade inenarrável para os seus representados de Albazine, Matendene, e por ai fora.

 

Estes beligerantes feitos deputados, aliás, “antigos, actuais e futuros reintegrados”, imbuídos de poder popular, conferidos em última assembleia eleitoral, vociferam, sem dó nem piedade, e com ar jocoso, dissabores aos ouvidos dos que são responsáveis para implementar os seus programas e fazer cumprir os seus mandatos, de que este ano “não haverá, o sempre esperado, aumento salarial”. Presumivelmente, por conta da tal crise que se tende a agudizar com a visita do inesperado e não desejado COVID-19, e porque do que dá, temos que primeiro cuidar daqueles que cuidam do povo. Os argumentos, para que não se negociem os salários, são os suspeitos do costume: crise, deficit orçamental, ausência de apoio e os contratempos da gestão abaladas pelas hecatombes. Mais e então, onde estão aqueles que supostamente, merecem viver em apoteose (ainda que não equiparada aos dos demais representantes que gravitam pelo mundo fora) por tão afincadamente lutarem por nós? E as mais-valias o que são feitas delas? E aqueles que nós somos, o seu legítimo “patrão”?

 

Pois é, não adianta mais chorar, agora é de lex e sed lex, wha munha okho. Estas perguntas sem respostas, nos forçam mesmo contra a nossa vontade, a concluir que afinal, aquele “bife”, que vocês bifaram, só o fizeram porque não vos sobrou um gostoso e suculento pedaço de “bife” daquela ceia, para de igual forma, vocês e entre vocês se empanturrarem, até vos saltaram os botões das vossas balalaicas de linho e desses vossos fatos feitos em “pele de cordeiro”, seus irresponsáveis sociais e egocêntricos patriotas (até porque “passarinhos voam todos os que são da mesma espécie”[3]).

 

Excias, aliás, prezados e iluminados “antigos, actuais e futuros reintegrados” aguardamos o próximo golpe, não para repostar, até porque, na nossa praia só cabem mesmo murmúrios e silêncios ensurdecedores, já nos contentamos com isso no teatro das operações, enquanto suamos dolorosamente em vossas benesses (quando muito só podemos vos dar uma merecida “toela”), mas para que num desses golpes de espargata se pontapeiem. Ai sim, já diz a velha máxima, “zangam-se as comadres, e descobrem-se as verdades”[4].

 

Para vocês, marrabuistas, deixo algo que li algures: “etxie ne ile mulugo etxienavi”(o que Deus esbranquiçou, branco sempre será)

 

Braga, 17.04.2020

 

[1] Podem falar oque quiser, isso é contigo; ou da sua conta (assim se percebe na tradução não oficiosa da língua Chuabo )

 

[2] O que quis dizer com o termo avestrujar, é que nem todos conseguem ter estômago de avestruz, pronto para engolir sapos e pedras.

 

[3] Adágio popular

 

[4] Adágio popular

 

*Obrigado “aqueles” que de uma forma ou outra participaram nesta notas soltas. (poderia citar alguns nomes, mais aqui, não se aponta).

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