Na passada quinta-feira feira parou tudo em Maputo. A chuva e o vento forte do novembrinho, nada de novo para um início de verão, trouxeram o caos à cidade e a confusão instalou-se no trânsito. Entre as várias ruas entupidas houve um herói que se destacou no cruzamento entre as avenidas Eduardo Mondlane e Alberto Lithuli. O agente Bule. Polícia de Trânsito que mesmo sem as botas e a capa que o protegem nestas situações, não fugiu da quase tempestade e exerceu as suas funções, cumprindo assim com o juramento da sua profissão.
Mas porquê tanto mimimi à volta deste assunto? Utilizo o termo brasileiro porque acredito que parte dos meus leitores assista novelas, leia artigos brasileiros ou até foi bolseiro no Brasil. Senão, também tem o Google para ajudar.
O mimimi começa por se enaltecer a atitude do profissional que, debaixo de chuva, comandou ativamente um dos cruzamentos mais caóticos da capital. A prática comum é: quando chove não se vislumbrar vivalma no que diz respeito a agentes da PRM, principalmente à noite. Logo aí, o agente Bule ganhou pontos e virou o homem mais procurado de Maputo e sabem por quem? Pelas empresas, algumas delas muito influentes no mercado de players.
Sexta-feira de manhã começavam as ofertas ao herói nacional. Quase como se de uma bolsa de valores se tratasse. Desde bolos, telemóveis e gigas de internet associados, viagens de machimbombo confortável (nada de Oliveiras, com todo o respeito) petrolíferas, cabazes de natal, relógios e o diabo a quatro, todas estas empresas esqueceram-se de um detalhe. Um polícia não é uma Sacada de publicidade.
Um agente de autoridade não é uma ação de charme. Um funcionário público não é um motivo ou uma oportunidade para uma marca se posicionar da forma brejeira e conivente com o Estado da Nação, que reafirma a total ausência de valores em que Moçambique se encontra.
Ainda há um mês escrevi, neste mesmo espaço, uma crónica onde refletia que Moçambique é o país onde tudo se pode fazer. Onde as pessoas acham que estão acima de tudo e de todos. E quanto mais alto é o cargo, mais ridículas e perigosas se podem tornar as decisões. O pior é que contagiam.
Esta iniciativa podia partir – sim - destas empresas apenas em termos de relacionamento e assumindo o compromisso de valores entre a marca e o povo. Sem oferecer nada. Transformou-se num circo, sem escrúpulos onde se atesta que é normal os polícias “estarem a pedir refresco”, porque como não são remunerados com dignidade, as condições de trabalho são péssimas, são olhados como uns mortos de fome. As marcas provaram que os agentes de autoridade do nosso país precisam daquilo tudo a que se propõem a oferecer, de tamanho classe média baixa para não parecer mal, para serem premiados por contrariarem o que devia ser normal.
Temos aqui um problema grave para refletir. Sector público e privado que valores estão a plantar? Por um lado, a ausência de condições e dignidade na carreira, e por outro as ofertas tão boas e difíceis de recusar do lado de quem realmente precisa. Tudo legal, como a imperial!
Assim, senhores e senhoras responsáveis dos departamentos que autorizaram as artes finais para o digital, vossos filhos, sobrinhos quando crescerem vão entender que só tem mérito aquele que recebe algo em troca?
Há alturas que mais vale ficar calado.