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quinta-feira, 08 agosto 2024 08:30

Um ex-ministro absolutamente frustrado

Escrito por

AlexandreChauqueNova 1

Ele já estava no local combinado, quando cheguei, virado de costas para a entrada do bar, sentado numa mesa sobre a qual a empregada acabava de deixar uma chávena de café fumegante. Apagou o cigarro no cinzeiro com a mão a tremer e logo a seguir iniciou o desfrute. Assisti a estes movimentos de forma dissimulada, a partir do balcão onde me sentara sem pedir nada, fingindo que não estava a vê-lo, sem saber se tomava a iniciativa de me aproximar, ou esperaria até que me reconhecesse e  desse algum sinal.

 

Bebia o café com tremelique nos lábios e na mão direita que segurava intermitentemente a chávena. Parecia ter medo de olhar para as pessoas que estavam ali com canecas de cerveja celebrando a vida logo de manhã. Naquelas circunstâncias, não passava de uma silhueta varrida até às vísceras, contrariando os tempos em que, mesmo não exalando soberba, era um personagem da primeira linha, que jamais poderia passar despercebido.

 

Mas eu já não podia esperar mais no balcão, de uma pessoa que estava à espera de mim, então era necessário que chegasse até ele. Vou ter com alguém com quem me relacionara, quando eu praticava jornalismo activo. Tornamo-nos confidentes um do outro. Há muita coisa que eu sei dele. Ele também, tem muita coisa que sabe de mim, das minhas incongruências, mais do que das minhas virtudes, que nem as tenho. Criamos um ambiente de amizade, quando era um ministro de proa e me convidava amiúde para um café onde falávamos de tudo, menos do futuro. E o futuro dele agora é este, desastroso. Cheio de frustrações. De mágoas.

 

O que o ex-ministro quer de mim é que o ajude a escrever qualquer coisa sobre a sua vida. Qualquer coisa que seja sincera e hosnesta em forma de livro. Na verdade nunca pisou a ninguém. Tratou sempre as pessoas com respeito. Cumpriu, durante o seu mandato, todas as orientações do presidente, e tornou-se um profissional irrepreensível.

 

Estamos sentados frente a frente, ele de costas para a porta de entrada do bar e para as pessoas que conversam bebendo cerveja livremente em grandes canecas, e eu encaro o ambiente como os cowboys nos saloons buliçosos de Farwest.

 

Vai um café? Perguntou-me tirando um cigarro do maço da marca Palmar azul, e eu disse que não ia beber café, por causa da cafeína, sou hipertenso. Então peça alguma coisa do seu gosto, pedi água. Já tinha tomado o pequeno almoço em casa, sardinhas fritas com salada de alface e chá de cidreira.

 

O homem já não treme, nem nos lábios, nem nas mãos, o café e o whisky trouxeram-lhe à falsa sensação de bem estar. E assim começou dizendo: olha, meu caro, estou profundamente frustrado por não ter feito nada pelo meu país.

 

- Mas porque é que você não fez se tinha condições e a obrigação de o fazer, tomando em conta o lugar privilegiado que ocupou durante dois mandatos?

 

O ex-ministro pediu mais um duplo e olhou para mim com incisão: eu podia ter feito muito, com certeza, porém estava atado, não me deixaram fazer. Pior do que isso, obrigaram-me a cometer erros, a cometer crimes.

 

- Então, se fizeram isso contigo, porque é que continuou a seguir um caminho que não será o mais correcto?

 

- Essa é a pergunta mais perfurante que me faço a mim mesmo todos os dias. Perdi a oportunidade de acender luzes para o povo, e já não posso voltar para trás. Sou um pulha!

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