“A falta de alimentos, como resultado da deslocação das populações por causa da guerra, devido a calamidades naturais ou outros fenómenos naturais, ate é compreensível, contudo, hoje, depois de celebrarmos os 49 anos da nossa independência, falarmos de 45% de população subnutrida, com destaque nas crianças, parece-me exagerado. Se considerarmos que Moçambique realiza estudos periódicos para aferir o grau em que se encontra em matéria de nutrição, é pior ainda, ou usamos mal os estudos que realizamos ou andamos “brincando” aos estudos.
Devemos, como moçambicanos, cada um no seu sector, combater as causas da malnutrição, sobretudo em crianças e mulheres grávidas. Mas também devemos educar a mulher a evitar a gravidez, quando as condições não são favoráveis. Todos devemos ser activistas de saúde alimentar”.
AB
“Moçambique é um país deficitário em alimentos, classificado em 103º de 107º no Índice Global da Fome de 2021. Além disso, o conflito no Norte afectou cerca de 1,5 milhão de pessoas - deslocando 1 milhão de pessoas nas províncias de Cabo Delgado, Nampula e Niassa, sendo 55 por cento crianças. De Outubro de 2022 a Janeiro de 2023, a situação de insegurança alimentar em aproximadamente 36 por cento dos agregados familiares, provavelmente, atingiu níveis críticos (Fase 3 do IPC), uma vez que a época de escassez começou em Novembro de 2022, aumentando as vulnerabilidades existentes. Quase 1,45 milhões de pessoas enfrentam actualmente níveis elevados de insegurança alimentar aguda, das quais 932.000 se encontram na província de Cabo Delgado”.
In UNICEF
Algo está a falhar nos sucessivos Governos de Moçambique, no que respeita ao combate à insegurança alimentar e subnutrição crónica. Existem várias narrativas sobre o assunto, mas o facto é que nada muda, continuamos a reportar graves bolsas de Fome em determinadas regiões e em outras, reporta-se fartura, que deixa os camponeses com os nervos à flor da pele, porque não conseguem vender os seus excedentes agrícolas, o que os leva a diminuírem as áreas de produção.
Para minimizar os impactos da insegurança alimentar e subnutrição, o Governo tem vindo a criar organizações e ou institutos, como por exemplo o Instituto de Cereais de Moçambique, que deveria ser a instituição que cria a balança de alimentos, através de compra de último recurso, encaminhando esses alimentos para as zonas onde se antevê bolsas de fome. Temos ainda o prognóstico facilitado pelo Instituto de Meteorologia, que produz Boletins de previsão de chuvas no País. Contudo, pelo que parece, o trabalho de todas essas instituições não é usado para o bem-estar das populações. Veja a seguir as atribuições do Instituto de Cereais de Moçambique.
“a) Intervir, como agente de comercialização agrícola de último recurso para assegurar a compra, agenciamento, intermediação, armazenamento, conservação, o escoamento de excedentes agrícolas contribuindo para a estabilização de preços; b) participar e contribuir no estabelecimento de reservas estratégicas de cereais, leguminosas e oleaginosas para a segurança alimentar; c) promover e coordenar parcerias público-privadas para o desenvolvimento de programas e projectos estruturantes sobre a cadeia de valor da comercialização agrícola, com enfoque para os intervenientes; d) contribuir, em coordenação com outras entidades, na instalação de infra-estruturas de armazenagem e conservação para dinamização do comércio rural nas zonas fronteiriças; e) colaborar no mapeamento, registo e monitoria das acções realizadas pelos intervenientes da cadeia de valor da comercialização agrícola; f) identificar fontes, facilidades e oportunidades de investimento e financiamento às actividades da cadeia de valor da comercialização agrícola e agronegócio; g) mobilizar recursos financeiros e materiais, por via de entidades públicas, parceiros de cooperação e de desenvolvimento, para o estabelecimento, em parceria com instituições financeiras, de linhas especiais de crédito e outras formas alternativas de inclusão financeira para apoio à cadeia de valor de comercialização agrícola; h) estabelecer uma base de dados sobre as necessidades do País em cereais e outros produtos agrícolas, com vista a contribuir para a normalização no mercado interno destes produtos; i) gerir as infra-estruturas de armazenagem, conservação, silos e agro-indústrias; j) assinar protocolos, memorandos e contratos de gestão de infra-estruturas públicas adstritas à cadeia de valor da comercialização agrícola; e k) apresentar propostas sobre o quadro de políticas, legislação e demais regulamentação sobre cereais e outros produtos da comercialização agrícola”.
In, Regulamento Interno do Instituto de Cereais de Moçambique
Mas não só, Moçambique tem gasto rios de dinheiro em estudos do fenómeno desde a independência nacional. Se podemos atribuir a falta de informação, no tempo colonial, depois da independência, sobretudo na primeira República, muito se fez para reverter a situação alimentar e nutricional em Moçambique. Muitas organizações nacionais e estrangeiras foram sendo criadas para lidar com o fenómeno da subnutrição. Mas se antes se falava de localização geográfica específica ao nível nacional, hoje, é o País inteiro que apresenta índices de desnutrição. Veja, abaixo, os estudos que Moçambique realiza, de forma sistemática.
“Em Moçambique vários estudos são feitos para avaliar a situação de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), nomeadamente: (i) Inquérito Demográfico e Saúde (IDS), (ii) Inquérito aos Orçamentos Familiares (IOF), (iii) Inquérito sobre Indicadores Múltiplos (MICS), (iv) Estudo de base de SAN, (v) Avaliações anuais de segurança alimentar e nutricional. Os primeiros quatro estudos medem a Insegurança Alimentar e Nutricional Crónica (InSAN Crónica), enquanto as avaliações anuais medem a Insegurança Alimentar e Nutricional Aguda (InSAN Aguda).
As avaliações anuais da InSAN Aguda são coordenadas pelo SETSAN e participam os seguintes sectores: Agricultura, Pescas, Saúde, Educação, Águas e o INGC. Contam com assistência técnica e financeira do Programa Regional de Avaliação e Análise da Vulnerabilidade (SADC/RVAA) e parceiros locais (Agências das Nações Unidas, FEWSNET) ”
In Situação de Segurança alimentar e nutricional, Ministério de Agricultura.
Dito isto, talvez seja altura de reavaliar a forma como a mensagem chega aos interessados (população) porque, 49 anos depois da nossa independência nacional, falarmos de 43% de população em insegurança alimentar e nutricional é bastante preocupante. Devemos rever a mensagem difundida e propor novas formas de abordagens, reconhecendo que, muitas vezes, os políticos têm se aproveitado da ignorância das pessoas para tirarem proveito e é nestes casos que se pode dizer que o Estado Democrático atrasa o desenvolvimento humano.
Adelino Buque