Assinaram-se os acordos gerais de paz, em 1992, e até hoje nunca ouvi uma mínima voz humildando-se e pedindo desculpas pelos horrores dessa estúpida guerra. Ninguém, até hoje, já procurou mediadores para preparem os acordos de pedido de desculpas às milhares de famílias destruídas e fuziladas em nome do desenvolvimento, democracia e marxismo. Ninguém!
Quem já pediu desculpas ao Rogério Dimande, meu antigo professor, que foi higienizado as duas mãos por uma catana, enquanto assistia aos seus pais sendo deslocados vivos por uma corda para as profundezas de uma latrina? Quem já pediu desculpas a mim, pelos setenta e tal familiares meus fuzilados no Massacre de Homoíne?
Não falo da Frelimo, da Renamo, do Governo, falo do pedido de desculpas que nunca ouvi, falo das acusações que todos trocam sem se dar um minuto para arrancar a dentadura do silêncio e colocar entre as gengivas uma simples frase: “pedimos desculpas a todos pelas mortes”.
De 1992 até cá, quem já se humildou, quem já condecorou com um pedido de desculpas a milhares de crianças, que hoje são pais, que cresceram sem saber o peso, a doçura das palavras pai, mãe na boca? Como alguém que nunca teve um pai pode ser um pai?
Em outros feriados, assistimos condecorações, distribuição de medalhas de mérito e coragem, graduação infantil de heróis. E hoje, 04 de Outubro, quem merece tudo isso? Haverá coragem de chamar todas as vítimas dessa guerra, sacudi-las o peso da morte e enchê-las de condecorações, medalhas e certificados? Haverá coragem de reconhecer que são heróis as crianças que cresceram sem pais, as viúvas que envelhecem sem saber dos corpos dos maridos e as famílias que até hoje tentam ter paz?
Haverá coragem de pedir desculpas a milhares de crianças que foram armadas e obrigadas a matar, aos massacrados e queimados vivos que nem em Roma foram chamados para pelo menos dizer: “vamos pensar no vosso pedido de desculpas”. Podia falar dos massacres, das mulheres estupradas e assassinadas, das mulheres que hoje criam filhos que fizeram nas matas em troca de um naco de segurança, mas falo de um simples pedido de desculpas.
A guerra civil acabou, mas quem já confessou que matou e pede desculpas? Quem, dos fazedores da guerra civil, já parou um minuto para confessar um pecado, um crime e apontar uma vala comum qualquer que ajudou a cavar? Quem desses chefes já parou um instante para orar, não pela democracia, não pelo desenvolvimento, não pelo marxismo, mas pelas pessoas que matou. Quem, embezerrado de arrependimento, pediu desculpas pelas minas que serraram pernas e transformaram em pó a vida de muitos moçambicanos? Quem já se humildou?