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terça-feira, 19 setembro 2023 19:45

Matangalane Boby: como um felino exausto

Escrito por

AlexandreChauqueNova 1

No último dia que vi Matangalane Boby, personagem de proveniência cabo-verdiana, segundo se dizia por aqui, senti algo que me levou a pensar na iminência do fim de um homem. Parecia um leão exausto pela velhice, incapaz das proezas do tempo em que vibrava na cidade de Inhambane como um verdadeiro felino sem medo de nada, pronto a dormir ao relento nas noites à mercê do frio e dos mosquitos. Poucos podem se gabar de alguma vez o terem ouvido vocalizar seja o que for, e naquelas condições, no fim da jornada, suportando o corpo sobre o braço direito e cabeça pendente, deitado no passeio do lado de trás do mercado central, era mais improvável ainda que o ouvíssemos falar.

 

Matangalane parece um defunto que entretanto não pode ser sepultado porque os olhos ainda são vitais, brilham como nas noites de caçadas em que os animais ficam paralizados no mato perante o foco das gambiarras. Mais do que isso, ele parece sensurar com o silêncio aos que por ali passam precrutando-o de soslaio. A sua altivez mantem-se, mesmo assim, como se ainda pudesse arrastar-se por uma cidade que jamais lhe deu valor, porém Matangalane está no fim, não pode fazer nada a não ser esperar pelo último suspiro.

 

Lembro-me perfeitamente do último dia em que vi uma figura que não será propriamente de um demente, ele estava noutras órbitas. Até porque chegou a engravidar uma mulher que vivia também na rua, e as autoridades da saúde tiveram que interromper a gravidez para prevenir algo imprevisível. Então impediram ao Matangalane o direito de ser pai, o sangue dele pode ter desaparecido para sempre.

 

Mas é o último dia que me vai ficar profundamente na parede da memória. Uma força puxou-me àquele lugar sem saber que seria para me despedir de alguém com quem nunca falara antes, jamais ouvira sua voz. Na verdade durante o escasso tempo que deu para nos olharmos olhos nos olhos, senti uma convulção no espírito, apesar disso tornei-me incapaz de arvorar palavra, dizer algo. Parecia um leão velho. Derrotado pelo tempo.

 

Matangalane Boby ressurge-me na memória em novos tempos de uma cidade completamente descaracterizada, cada vez com menos pessoas de proa, Matangalane esteve sempre na proa sem que se importasse com o lugar que ocupava. Foi sepultado sem flores no túmulo, sem canções da bíblia como se não fosse filho do Altíssimo. Mas  estou aqui hoje para lembrar um homem cuja dignidade foi vituperada pelos humanos. Se calhar serão essas as palavras que lhe quis dizer naquele último encontro e não consegui. Por incompetência.

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