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segunda-feira, 07 agosto 2023 07:44

Sou o esqueleto desprezado

Escrito por

AlexandreChauqueNova

Chamo-me campo de Futebol do Ferroviário de Inhambane, o antigo desaguadouro dos rios que vos correm por dentro. Sou eu, o testemunho das vitórias e derrotas registadas na memória do tempo, mas sobretudo o lugar sagrado das euforias transmitidas pelos aplausos e gritos que transbordavam até aos bairros vizinhos e outros lugares distantes como Mucucune.

 

Muitas vezes tornei-me pequeno, mesmo assim recebia-vos, lembrando o versículo bíblico segundo o qual, na Casa do Senhor há lugar para todos. Sentia-me orgulhoso em ter-vos no meu bojo assistindo com angústia às pelejas asfixiantes derimidas por jogadores elegidos, os quais não exigiam dinheiro para cintilarem. O brilho das estrelas não se paga, oferece-se. De graça.

 

Então eu estava ali para isso, para  vos dar o meu chão. Ficava profundamente emocionado ao pisarem-me o ventre na procura do  golo nas balizas guarnecidas por guarda-redes escolhidos entre os melhores, eram tempos áureos. Em todos os domingos preparava-me esperando pela vossa adrenalina. Delimitavam-me com linhas brancas para que os jogadores evoluíssem apenas dentro de mim e eu ficava bonito e pronto à espera das cascatas que saíam das vossas fontes, da vossa necessidade de alimentar o espírito. É tudo isso que dava sentido à minha existência, eu exultava.

 

Agora sou um mamarracho, esqueceram-se do contributo que dei durante anos sem fim. Ignoram que fui um dos pulmões mais importantes da cidade, lutando para que as pessoas se juntassem e se unissem e se apertassem, tornando-se várias pétalas numa única flor que dava valor e cor à vida. O futebol será vida para sempre.

 

Na verdade hoje sou um esqueleto desprezado, estou completamente abandonado, sem perespectiva de quando é que voltarei a ganhar veias e carne e pele para cobrir o meu corpo e ter alma de novo. E enquanto esse dia não chega, continuo aqui humilhado por muitos passantes, mas também olhado com compaixão por aqueles que me conheceram e me amaram. Os meus ossos estão à mostra de toda a gente desde que passou por aqui o Dineu, e parece não haver ninguém que faça qualquer coisa para eu voltar aos delírios.

 

O pior é que os meus irmãos vizinhos (os dois campos de salão) que eram o ponto de encontro da juventude em noites efervescentes, também estão na mesma situação que eu, são escombros! Tornando um dos lugares mais importantes da urbe, em sombra sombria. Mas é aqui onde os jovens se socializavam, abraçando-se em claques saudáveis, cada um puxando pela sua equipa em noites empolgantes.

 

É isso, dói ser um esqueleto tratado desta maneira, como se quisessem apagar da história tudo o que eu fiz em prol do futebol inhambanense. E não me admira que amanhã vá aparecer aqui alguém a remover meus ossos e mandá-los de vez para as tumbas e erguer sobre as minhas cinzas, algo que não tem nada a ver com a vida do desporto. Essa será a minha dor mais profunda e inacabável, pois ninguém terá memória de mim.

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