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segunda-feira, 27 março 2023 15:12

Das Marchas Pacíficas ao Assédio da Democracia: Gorado ‘Verão Negro’ de Azagaia?

Escrito por

ilidioNhantumbo min

Desde a morte do famoso rapper Moçambicano, Edson Lopes ou simplesmente, Azagaia, o protesto tem sido das palavras mais frequentes das esquinas dos centros urbanos de Moçambique. É que o malogrado deixou uma expressão pouco habitual, no seu significado, mas forte, principalmente entre seus fãs, como também para aqueles que pouco ou nada sabiam sobre Azagaia: Povo no poder! Esta expressão não é literalmente de ânimo leve, leva consigo um conteúdo revolucionário. Sucede que nos principais centros urbanos, fãs e populares decidiram organizar marchas, também pouco comuns, em homenagem ao músico, mas com reacção brutal da Polícia da República de Moçambique. Afinal, por que razão as marchas em memória a Azagaia foram alvo de repúdio dos gestores do poder do Estado, recorrendo ao monopólio do uso da força? Por que razão a Frelimo e/ou seu governo inviabilizaram as marchas?

 

A reacção da Polícia sugere explicações diversas e adversas apresentadas por políticos, analistas, jornalistas e fãs do finado Azagaia. Povo no poder, não é expressão politicamente bem-vinda, e para o político no poder, todo o cuidado é pouco. Parece que os políticos foram aos dicionários e livros de história da palavra RAP para perceber a sua origem. É que, etimologicamente, rap significa “soltar um golpe rápido, repentino e certeiro”. Como género musical, o rap é de origem afro-americana, como bem sabido, minoria por muito tempo subjugada nos Estados Unidos da América. Do lado Moçambicano, Azagaia é instrumento de caça e guerra que lembra figuras de resistência ao coloniallismo como Ngungunyane, Maguiguane no Império de Gaza, e a batalha de Coolela em Fevereiro de 1895. Eis, também, o Gwaza Mthine, Batalha de Marracuene entre as forças de Zixaxa e os colonos portugueses.

 

No percurso da democratização, entre finais de 2010 e inícios de 2011, ocorreu um evento que levou à emergência de democracia e reformas políticas: a Primavera Árabe. A onda iniciou na Tunísia, quando um jovem de 26 anos de idade optou por emulação-própria. Num suicídio raro, um jovem vendedor de rua, Mohamed Bouazizi, protestando contra o tratamento da polícia local, decidiu incendiar-se, o que foi culminar em demonstrações populares e numa adesão massiva dos tunisinos contra o regime ditatorial do então Presidente Zine al-Abidine Bel Ali. Os protestos decorreram também com mobilização massiva via redes sociais. Tratou-se de um evento que pôs termo ao regime ditatorial, no que se chamou de “Revolução de Jasmim” em Janeiro de 2011.

 

Povo no poder! Literalmente interpretado, é que o povo procuraria tomar o poder contra um regime ditactorial ou autoritário. Contudo, golpe de Estado num país não se avisa, eis a razão da aprovação ou aceitação das edilidades para a realização de marchas, supondo-se que a Polícia estaria presente para acompanhar a marcha. Indubitavelmente, não se poderia procurar pelo poder do povo se a democracia estivesse em vida. Na altura da Primavera Árabe, a região era liderada por ditadores, partindo pelo regime da Tunísia e passando pela Líbia, Marrocos, Argélia e Egipto, em África, mas também se estendendo para Síria, Bahrain, Jordânia e Oman. De todos os protestos, a Primavera Árabe teve sucesso apenas na Tunísia e no Egipto, onde Osni Mubarak foi deposto após quase 3 décadas de ditadura.

 

Se da Primavera Árabe houve concessões em vários países, por que razão alguma ala da Frelimo não teria receio de um possível ‘Verão Negro’ Azagaia, ou mesmo se estendendo, ocorreram protestos no Kenya e África do Sul em curto espaço de tempo. Não porque os três países sejam exemplos de ditadura, mas porque golpe de Estado não ocorre apenas em países não-democráticos. Mesmo que assim fosse, Moçambique, no ranking da Economist Inteligence Unit, é país de regime autoritário. Mesmo com a realização de eleições periódicas, nos últimos 4 anos, Moçambique foi sucessivamente classificado como país autoritário. Seria uma Onda de Verão Negro possível?

 

Marchar em homenagem ao jovem de “Povo no Poder” não nos pode garantir que um golpe de Estado ocorresse. Porém, somente a realização da marcha ganharia algum significado ‘inédito’. Está claro das mensagens de alguns participantes que viram sua expectativa de marcha frustrada pelo uso excessivo da força da polícia. Aliás, mesmo citadinos que não pretendiam marchar, foram vítimas de ‘inédita brutalidade’ da polícia em zonas urbanas. Diga-se realmente, brutalidade pelas imagens passadas pelas redes sociais, canais televisivos e fotos de outras fontes, para além do pânico gerado, principalmente na cidade de Maputo, onde se localiza a Ponta Vermelha, o centro do poder do Estado Moçambicano.

 

Quelimane foi dos exemplos de marcha violência visível, quiçá pela visível imagem do Edil Manuel de Araújo, sendo, simultaneamente, fã do Azagaia e membro da Renamo. Nampula registou casos de violência da Polícia, como confere o espancamento de Gamito dos Santos, organizador da marcha. Tantas cidades em Marcha soltando ‘povo no poder’ sugerem significativa expressão de protesto contra algo que não vai bem na sociedade Moçambicana. E as marchas pacíficas, como esclarecem alguns juristas, não carecem de autorização, apenas informação aos órgãos locais. Mas, por que razão autorizar para depois recuar recorrendo à brutalidade da Polícia em Maputo? Nesta memória a Azagaia, poder-se-ia antever uma reivindicação contra o alto custo de vida no País, mas qual é o problema, o clamor nestas circunstâncias faz parte da liberdade de opinião e expressão previsto na Constituição.

 

Alguma justificação oficialmente apresentada e em momento pontual poderia sugerir algo detectado pelos Serviços de Inteligência Secretos do Estado (SISE), mas tal não aconteceu. A verdade é que menos de 2 dias antes das marchas, o presidente da Frelimo, Filipe Nyusi, afirmou que no seio da Frelimo havia infiltrados que tentam criar divisões no seio do Partido. Conforme o reportado no Jornal o País de 16 de Março de 2023, Nyusi afirma que “há organizações da sociedade civil que querem destruir a Frelimo”. Não é difícil especular que algum serviço secreto tivesse encontrado sinais ou informação sensível para o regime do dia. Povo no poder pode vir de ‘infiltrados’ da causa considerada uníssona no Partido Frelimo.

 

Não é de falso alarme que alguém do topo do poder ordenasse a Polícia a fazer o uso da força contra as almejadas marchas pacíficas. A Polícia é instituição do Estado e não de um Partido, assim sendo, a Polícia da República de Moçambique não devia ser politizada, mas sim cumpridora da Constituição da República, garantido apenas a segurança, manutenção a lei e ordem e não criar desordem brutal contra cidadãos que pretendiam marchar pacificamente. Ngungunyane, Maguiguane, Mahazule, Matibzane (Matibejane), Zixaxa não fizeram marchas pacíficas, usaram suas Forças de Defesa contra claros e declarados ataques dos portugueses contra o Estado de Gaza e seus satélites. Em que momento terão os fãs de Azagaia declarado usar Azagaias contra o Estado e governo?

 

A Primavera Árabe fracassou em regimes muito intolerantes e violentos. Poucas concessões, se é que assim podemos entender, ocorreram em muitos países árabes, a resposta foi de forte repressão por parte da polícia e militares subservientes aos regimes ditatoriais. Podemos equiparar isso à brutalidade da Polícia num hipotético ‘Verão Negro’ fracassado num país não-democrático? Talvez sim, talvez não. Mas esta pode ser uma das explicações do abuso do poder para fins político-partidários, em detrimento da legal marcha legal em homenagem ao finado músico Azagaia.

 

Contra simples hipóteses, a verdade é que a Frelimo repudiou a realização das marchas. O impedimento, no entanto, não carecia da intervenção da polícia da República de Moçambique, a menos que tal tivesse sido solicitado pelos Concelhos Autárquicos em questão. Mas este não foi o caso. A pronta e brutal reacção da Polícia foi em momento cujas justificações pouco podem ser aplicadas. Aos fins-de-semana, o consumo de álcool é comum ao cair da tarde e período nocturno. A questão que se pode colocar é: em que momento da manhã os participantes das marchas teriam consumido álcool para irem às marchas em estados de embriaguez? Se estivessem sob efeito de estupefacientes, em que momento e local o teriam feito? Se considerarmos o consumo de estupefacientes, por que razão os usuários de droga não foram flagrados e/ou detidos contra tal acusação?

 

Outrossim, a Polícia veio, dias depois, justificar sua brutalidade dada a participação de membros de organizações da sociedade civil e de partidos políticos. E que dispositivo legal os inibe de participarem? Dos membros de organizações da sociedade civil, serão os infiltrados no Partido Frelimo? A verdade é que a lei, a meu ver, não inibe qualquer pessoa com tal vontade de participar de marchas deste género. Serão os políticos e membros das organizações da sociedade civil como Manuel de Araújo, Venâncio Mondlane, Quitéria Gueringane, Fátima Mimbire entre outros cidadãos proibidas de ser fãs de determinados músicos? Será que entre os participantes das marchas não havia membros da Frelimo fãs da música do finado Azagaia?

 

Muitos políticos do Partido Frelimo, incluindo o Presidente Nyusi acham que “os Moçambicanos são um Povo de paz” e membros de alto nível do Partido Frelimo. Será verdade ou tratar-se-á de antagonismo de perspectivas no seio da Frelimo? Recuemos às palavras do Presidente Armando Guebuza aquando do incêndio às instalações do Jornal Canal de Moçambique, cuja história, segundo Presidente Guebuza “é terrível. Não faz sentido! Não faz sentido! Nós defendemos a liberdade e trabalhemos para que essa liberdade permaneça, porque de contrário, é voltar! É aquilo que nós tínhamos no tempo colonial. Não podíamos escrever nos jornais; dos outros sequer. E quando podemos escrever, então tira-se o jornal? Vamos escrever aonde? No chão?” No fenómeno Azagaia, poder-se-ia dizer: nós lutámos pela liberdade, lutamos pela democracia! Não lutámos pela violação da Constituição da República e fazer uso abusivo da força. Não faz sentido! Se não podemos marchar legal e pacificamente, como é que vamos marchar?

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