Chegou à cidade de Inhambane em 1982 com todas as escarpas de um massena que se preza, não tinha medo de nada, nem do desconhecido. Nessa altura a juventude daqui era pura, o que eles queriam era viver livres como o vento que não contorna os obstáculos. Otto também, jovem como os outros, queria viver, não como o vento, mas como um baluarte contra aqueles que porventura o quisessem derrubar, o massena é assim, não demora libertar todas as armas do porco espinho que lhe vai dentro.
Chegou sem nada nas mãos, para além da sacola que cabia debaixo do braço, e em pouco tempo passou a ser conhecido em toda a urbe pelo seu caracter obstinado, em particular na família do desporto onde se fazia valer de forma singular, ele é professor de educação física – agora aposentado -, um dos primeiros formados no tempo de Samora Machel e espalhados pelo país inteiro. Ao otto calhou Inhambane, de onde nunca mais saíu, até hoje, que já ninguém se lembra das suas origens e ele também não fala disso. Para quê?
Nos campos de futebol de salão - em noites memoráveis no recinto do Desportivo ou do Ferroviário de Inhambane - Otto Glória era uma das estrelas mais reverberantes no seio de uma constelação jamais vista por estas terras. Era uma muralha em si mesmo, intransponível para os avançados mais afoitos cujos nomes não vou citar, por fazerem parte de uma lista engrandecida pelo próprio brilho desses jogadores e eu tenho medo de me esquecer, se calhar, dos que nunca devem ser esquecidos.
Otto já era lenha regada de gasolina cá fora – à mínima faúlha ele vai arder – e no campo essa lenha era ainda mais seca, ainda mais pronta a pegar fogo e queimar tudo. Mas esse era ele, uma pessoa desconfiada, atenta aos detalhes daqueles que lhe abordam, examinando-os com os olhos da cabeça aos pés e se você o chateasse ele dizia: eu sou beirense! Mas tudo isso nunca passou das palavras, Otto Glória passou a ser amado pouco a pouco, embora não sendo ele pessoa de muitos amigos.
Digamos que estamos perante um personagem com características próprias. Um ser coerente, no sentido de que a personalidade trazida da juventude ainda é a mesma, não fosse ele do bairro Munhava, e como todos sabemos o beirense “não tem recua”, Otto também “não tem recua”. E quando o vemos caminhar pelas ruas e pelos becos da cidade, no seu estilo inconfundível, costas meio curvadas, andar atento e desconfiado, o reconhecemos imediatamente mesmo em noites sem luar. E vamos dizer assim: aí vai o Otto!
A voz roufenha de Otto Glória é um detalhe muito importante do ser deste homem. Quando fala – segundo Jacob de Melo, também professor de educação física, já falecido – dá a impressão de que alguém lhe está apertando o pescoço. Mas essas são as brincadeiras da juventude que prevalecem na memória. Para sempre. A amizade também vai manter-se cada vez mais forte em cada passo da vida.
E viva o Otto Glória!