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quarta-feira, 24 agosto 2022 06:26

Regadio do Chókwè: um Gigante Agrícola Subaproveitado!

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“O Regadio de Chókwè, assim como outros regadios de grande e pequena dimensão, devem merecer um debate público para o seu melhor aproveitamento. Ninguém se deve sentir mal por causa do debate e ninguém se deve sentir “dono” da verdade. Se a nossa agricultura está como está é porque nos escusamos a debatê-la e aqueles que, de uma forma ou de outra, detêm extensas áreas de terra continuam se julgando “donos” de Moçambique, não deve ser assim, não pode ser assim”.

 

AB

 

“O Regadio foi construído nos anos 50 do século XX e funcionou regularmente até 1974, com um sistema de ocupação da terra que assentava no colonato, que consistia nos grandes exploradores agrícolas. Em 1972, começou-se a construção da barragem de Massingir para mitigar os efeitos da seca depois da grande seca dos anos 60”

 

In ALTomaz

 

Pego emprestado o título desta reflexão do meu amigo Almeida Tomaz, primeiro, para concordar com tudo o que escreveu no seu artigo de opinião que, quanto a mim, constituem as etapas importantes pelas quais o regadio passou. Mas, feliz ou infelizmente, muitos produtores e/ou agricultores se “recusam” a debater este assunto de forma pública, por temer ferir suscetibilidades. Há caso de um operador que prometeu dar mais detalhes ao Tomaz, mas em “OFF”. Motivos disso, claramente, somente ele saberá!

 

A questão do Regadio de Chókwè não mudou somente em 1977, com a criação do CAIL – Complexo Agro-Industrial do Limpopo, mas muito antes, com o abandono dos colonos da zona e o cancelamento dos serviços públicos que eram oferecidos pelo Estado Colonial para aquela região agrícola. Refiro-me: 1) Controlo de pragas e doenças, através da pulverização periódica intra-domiciliária; 2) Serviço de controlo de doenças nos campos dos agricultores; 3) Difusão de informação periódica sobre os cuidados a terem as populações e os agricultores. Por exemplo, num determinado período, era proibido o consumo de pássaro morto, proibida a caça de pássaro de ratazana e outros animais que, para a população, constituíam um bem alimentar.

 

O sistema de regadio do colonato era feito na base de concreto aéreo, aquilo que localmente se designava de “marrondoro”. A água não se perdia por filtração no solo porque o agricultor abria quando dela precisasse para a sua rega. Eu vi isto na minha infância, devia ter por aí quatro a cinco anos. Vivi com os meus pais em Guija e os meus irmãos estudavam na actual Escola Básica Agrária de Chókwè. Na altura, ministrava-se artes e ofícios incluindo a agricultura. Será justo, deste modo, dizer-se que a estrutura produtiva não muda em 1977, mas um pouco antes, aliás, como toda a estrutura produtiva de Moçambique.

 

Depois de 1980, tive a felicidade de trabalhar com o CAIL porque representava a HORTOFRUTICOLA – Empresa Nacional de Comercialização; EE. Nessa qualidade, interagia com o próprio Director-Geral, Carlos Tembe, de que ganhei muita simpatia e respeito porque, nas suas qualificações e atendendo à sua ocupação, nos tempos que correm, seria normal mandar-me um funcionário qualquer para comigo trabalhar. Mas, felizmente, Carlos Tembe, que Deus o guarde, foi aquele dirigente que não tinha desprezo por ninguém. Muitas vezes ficava no gabinete dele até altas horas e depois mandava o motorista levar-me à acomodação.

 

O segundo momento, em que tive de lidar com o Regadio de Chókwè, da minha parte ainda como Técnico da Hortofruticola – Empresa Nacional de comercialização EE, foi quando a direcção da UDA - Unidade de Direcção Agrícola, sob direcção do Dr. João Mosca, decidiu estabelecer-se no Chókwè para melhor controlar as suas unidades económicas. Devo dizer que foi um período desafiante porque havia muito debate sobre o futuro da agricultura no País e deixa-me dizer que, no tempo do CAIL – Complexo Agro-Industrial do Limpopo, também tive a grata oportunidade de trabalhar com as Cooperativas Agrícolas. Aqui devo salientar, devido ao seu peso comercial, a Cooperativa Heróis Moçambicanos, cujo dirigente, salvo erro, era membro da Assembleia Popular.

 

Um dos desafios que se colocou ao Dr. João Mosca, espero que a memória não me falhe, foi o redimensionamento das Unidades produtivas. Devo dizer que, neste aspecto, o Dr. Mosca enfrentou uma grande resistência interna dos seus Diretores. Muitos não concordavam com o redimensionamento que tendia a reduzir as unidades produtivas para muito menos do que estava. Nesta altura, lembro-me bem, na Fábrica de Chouriços de Lionde, estava afecta a Dra. Maia de Bragança, de quem recebia autorização para a compra de alguns chouriços e outros fumados. Ai que tempos bons.

 

Meus amigos, antes destas “aventuras” todas e aqui para subescrever no espírito e na letra o que o Dr. Tomaz diz, fui afecto ao Ministério da Agricultura, no GODCA – Gabinete de Apoio e Desenvolvimento às Cooperativas Agrícolas. Nessa qualidade, fui apresentado ao CEA – Centro de Estudos Africanos da UEM – Universidade Eduardo Mondlane, eu e um colega meu de nome Luciano Fabião Massango, infelizmente, não está entre nós. Depois do GODCA, foi afecto à Província de Tete de onde nunca mais saiu e por lá ficou para sempre.

 

Ora, o GODCA – Gabinete de Organização e Desenvolvimento das Cooperativas Agrícolas, estava inspirado num programa desenvolvido pela República de Cuba, que tinha em vista a fixação das populações de origem montanhosa. O Governo de Fidel Castro, de repente, viu-se com o êxodo das populações das montanhas para as zonas baixas, o que constituía um perigo para a vida na montanha. Segundo esta teoria, as populações das planícies dificilmente poderiam se adaptar às montanhas, logo, era preciso conceber um programa que pudesse interessar aos jovens a fixar-se na montanha. Diz-se que o homem da montanha é muito mais forte e resistente que o da planície, mas não entrarei nesse debate agora.

 

Por isso, uma das coisas que enferma o desenvolvimento rural é: a) êxodo da população maioritariamente Jovem para as zonas urbanas; b) se este facto foi motivado pela guerra, convenhamos, hoje, trata-se de fracas políticas para o desenvolvimento rural; c) falta de infra-estruturas básicas nas zonas rurais ou pelo menos, nas consideradas de grande potencial agrícola, como sejam, ensino superior, Unidades produtivas, que não devem ser necessariamente agrícolas, mas de toda a cadeia de valor. Como consequência disso, temos: 1) Pobreza nas zonas rurais, de onde, no tempo colonial, sublinhe-se, provinha mais de 80% de produtos que alimentavam as famílias nas zonas urbanas; 2) Crescimento exponencial de pobreza urbana resultante desse êxodo. As pessoas que vêm às cidades engrossam, grosso modo, os desempregados e a delinquência para a sobrevivência; 3) Importação de produtos de todo o tipo, desde couve, repolho, tomate, alface entre outros.

 

Por tudo isto e mais que não se disse e não escrevi, penso que é altura de se pensar, de forma aberta e pública, nas razões do excesso de exportação e baixo nível de exportação. Hoje, no interesse dos produtores de commodities, a nossa balança de pagamento está a melhorar, mas não são esses os produtos que fazem a diferença. No ano passado, na negociação com os produtores de Algodão, o Ministro Celso Correia desafiou-os a dispensarem uma área para a produção de comida, mas creio que não basta esta vontade do Ministro. Todo o Governo deve estar comprometido com essas políticas através de programas concretos.

 

Adelino Buque

Sir Motors

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