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terça-feira, 01 março 2022 08:56

Esta mulher é um sismo

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Agora que descobriu o silêncio da minha casa, não quer sair mais daqui, vem todos dias. É como se este espaço fosse dela também. Thsala Mahenhane diz que o meu quintal, vedado de plantas, sem muro de pedra, é uma galeria, ao mesmo tempo um atelier. Se estes pássaros todos, chegam e poisam  e cantam e fazem sexo em liberdade, “porquê que eu também não posso gozar a liberdade neste lugar?”.

 

Thsala gosta de beber, “as pessoas dizem que sou uma pipa, mas tu nunca me disseste isso”. Na verdade jamais  a considerei pipa alguma. Respeito-a, até porque cada um de nós tem o direito de traçar os limites dos seus passos, mesmo que seja em desobediência ao Deus de Jacob e de David e de Abrahama. E esta mulher quer cantar, depois de um copo. Então, quem convoca a música nestas circunstâncias, tem o coração que passa a vida a repetir versos de amor.

 

A nossa relação começou num dia inesperado. Num dia como os outros, com o tempo a tomar conta de mim, dando-me alfazemas e orquídeas. De graça. Sentia uma paz extraordinária dentro de mim, sem saber o que isso significava, até à altura em que uma mulher entra de rompante, visivelmente aflita e diz: “desculpa, peço casa de banho”.

 

Passado um tempo considerável, comecei a achar estranho que a “minha hóspede” não estivesse despachada, então resolvi abeirar-me da porta da “toilett”.

 

- Está tudo bem com a senhora?

 

- Desculpa, tenho uma preocupação, mas só posso apresentá-la à uma mulher.

 

- Está certo, espere só um minuto.

 

Fui a correr a uma farmácia que fica aqui perto e, passado pouco tempo, trouxe uma embalagem de pensos higiénicos. Fui de novo à porta da casa de banho e introduzi a mão.

 

- Isto resolve o problema?

 

- Muito obrigada.

 

Voltei à minha varanda sem preocupação, feliz por ter ajudado uma desconhecida. Porém, o mais surpreendente é que eu nunca havia comprado pensos higiénicos em toda a minha vida, nem para as minhas ex-esposas, mas a vida é essa caixinha de surpresas!

 

- Peço imensas desculpas, ao mesmo tempo que agradeço ao senhor pela compreensão. Eu não devia ter feito isto. Desculpa.

 

- Você não fez nada demais, e, por favor, não me trate por senhor, pode me chamar Bitonga Blu.

 

- Obrigada, eu chamo-me Thsala. Thsala Mahenhane.

 

A mulher estava aliviada. Mais do que isso, apaixonada pelo meu espaço.

 

- Este lugar é tão lindo!

 

Lançou o olhar por todo o perímetro da casa, e parecia completamente conquistada. Viu a minha guitarra, em repouso num dos cantos da varanda,  e perguntou se eu era músico.

 

- Não sou propriamente um músico, toco algumas coisas. Gosto de cantar.

 

- Eu também gosto de cantar.

 

Pediu-me que a acompanhasse no tema da Mingas, Mweti, e o que veio depois, a partir daí, foi a paródia em si, a loucura. Já tinhamos uma garrafa de Gin Gordon à mesa, a  alimentar as metáforas, sem que eu soubesse que a presença desta mulher que aparece na minha casa em período menstrual, vinha mudar a minha forma de estar. Ela não mudou meu caminho, mas mudou a mim.

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