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quarta-feira, 08 janeiro 2025 12:26

“Não sou ladrão, não sou improbo”: Ericino de Salema enfrenta alegações e quebra silêncio

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Durante anos, Ericino de Salema manteve-se em silêncio sobre as graves acusações de corrupção que recaíram sobre ele enquanto Director do EISA (Instituto Eleitoral a Democracia Sustentável em África), em Moçambique. Em 2022, uma peça jornalística alegava que Salema teria desviado cerca de 500 mil dólares americanos, com base numa auditoria forense conduzida pela Ernst & Young Suécia, a pedido da Embaixada da Suécia em Maputo.

 

Hoje, pela primeira vez, Salema concede uma entrevista detalhada, na qual esclarece os factos, apresenta o memorando de encerramento da auditoria e reflecte sobre os desafios e implicações de liderar uma organização num ambiente político e social complexo.

 

Com tranquilidade, ele desmistifica as acusações e sublinha que o relatório concluiu que os danos financeiros atribuídos à sua gestão foram inexistentes, reafirmando a sua integridade enquanto gestor. Nesta conversa, Salema partilha também as suas análises sobre o que poderia ter motivado as denúncias e reflecte sobre os “ossos do ofício” de gerir organizações sob pressão, revelando aspectos mais amplos sobre ética, lideranças locais e dinâmicas de poder.

 

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Ericino de Salema, foi publicada, há por aí dois anos, uma peça jornalística na qual eras acusado, com base numa auditoria forense ao EISA, de que eras director, de teres desviado perto de 500 mil dólares norte-americanos. Como terminou esse caso?

 

“É verdade que foi feita uma acusação muito grave sobre mim, na esteira da auditoria forense a que te referes. Uma auditoria forense, devo referir, a 360 graus, suscitada, ao que foi posteriormente referido, por uma denúncia, e que foi (a auditoria) realizada pela Ernst & Young Suécia, contratada para o efeito pela Embaixada da Suécia em Maputo, que olhou para a organização na sua globalidade, no âmbito de um programa por si financiado, desde recrutamento de pessoal, existência ou não de casos de assédio, contratos de prestação de serviço, gestão de pessoal, organização e gestão de acções como formações, compra de passagens aéreas, subsídios, etc., etc. Nunca me interessei por voltar a abordar este assunto publicamente, mas já que questionas disponibilizo o memorando de fecho desse assunto, que, em termos simples, confirmou que não sou ladrão, que não sou improbo, embora um e outro ponto pudessem ter sido conduzidos doutra forma, da interpretação que se fez do Manual de Procedimentos Financeiros do EISA”.

 

Vou naturalmente analisar o memorando a que te referes, mas que assuntos são esses que poderiam ter sido conduzidos doutra forma?

 

“Talvez deva dizer, antes, que duas acusações eram particularmente graves, nomeadamente a relacionada com a Plataforma para Transparência Eleitoral, uma inovação que introduzimos nas eleições de 2019, concentrando todos os actores relevantes, desde partidos políticos, órgãos de gestão eleitoral, observadores nacionais e internacionais e a própria comunicação social, no contexto da qual se alegava ter havido uma gestão danosa na ordem de pouco mais de 300 mil dólares norte-americanos, e outra de alegada contratação indevida de um consultor, numa empreitada de 35.100 dólares norte-americanos, quando, antes mesmo de se avançar com o processo, cuidamos de obter, por escrito, o no objection do doador.

 

No relatório de auditoria que serviu de base para a matéria a que te referiste, até se dizia que era parte da empresa de consultoria contratada uma pessoa que partilhou comigo, como co-comentador residente de um painel de debate televisivo, o que desde o primeiro momento provei ser falso. E repara que o júri desse concurso foi presidido por uma colega da sede da organização, do mesmo nível que o mesmo e com o mesmo gestor de linha, que tinha profundo expertise no objecto do concurso. Mas o memorando que acabo de partilhar contigo diz, de forma clara e cristalina, que afinal “o dano causado é de zero dólares”.

 

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Mas em que aspectos se referiu que a actuação da gestão deveria ter sido outra?

 

“São, quanto ao meu ‘consulado’, seis casos, totalizando, todos eles, 14.300 dólares norte-americanos, o equivalente a pouco mais de 900 mil meticais ao câmbio de hoje (6 de Janeiro de 2025), que, como já disse, não são de roubo, de desvios, mas de interpretação do Manuel de Procedimentos Financeiros. Notará no memorando a que me referi que há outras constatações anteriores a 2019, ou seja, não do período em que fui gestor máximo da organização em Moçambique, mas que também não tem que ver com corrupção ou algo igual. Três desses casos têm que ver com o procurement, nomeadamente serviços de catering, no valor de 2.300 dólares norte-americanos, no qual o júri propôs a contratação de uma empresa que não era a que apresentou a cotação mais baixa, com fundamento na reputação da entidade em termos de qualidade de serviço, o que foi por mim aprovado, enquanto director.

 

Outro é similar a este, no qual a equipa de procurement propôs, para um evento realizado na Ponta do Ouro, a contratação de serviços de acomodação numa entidade e de refeições noutra, com base na experiência que um dos membros do júri colhera num evento que se realizara duas semanas antes na mesma vila. Então, o valor controvertido nesse caso é de 2.600 dólares, nomeadamente de diferença entre a cotação considerada e a mais baixa, mas que foi desaprovada pelo júri, com a minha aprovação, com fundamento na qualidade do serviço.

 

O terceiro e último caso de procurement, do período da minha gestão (Janeiro de 2019 a Fevereiro de 2022), é de um valor de 2.800 dólares norte-americanos, resultantes da subida dos preços de passagens aéreas para delegados da Renamo, com quem o EISA tinha um acordo de parceria, à semelhança dos outros dois partidos então representados no Parlamento (Frelimo e MDM), que iriam tomar parte duma formação, devido à demora desta no envio de nomes, o que causou alteração na cotação inicial das passagens.

 

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Repare que, enquanto gestor, cuidei de verificar se os valores envolvidos nesses três casos estavam ou não dentro do que estava orçamentado, tendo concluído que estava tudo quite. Ou seja, não foi preciso fazer alguma mexida no orçamento. Outros três casos, os últimos, tem que ver com custos (cost findings). O primeiro, no valor de 3.000 dólares, está relacionado com compra de passagens para quadros da Renamo, tendo o EISA optado para este caso por passagens aéreas flexíveis, que, mesmo não sendo as mais baixas, poderiam permitir alterações, mas sem custos adicionais, mas estando tudo dentro da relevante linha orçamental.

 

O segundo caso tem a ver com a compra, pela sede da organização na África do Sul, mas para Moçambique, de material de produção de vídeo, no que o custo excedeu o orçamento em 903 dólares norte-americanos, apesar de se ter poupado, com essa opção de gestão, mais de 13 mil dólares que teriam sido gastos na contratação de produtores de vídeo, se esta tivesse sido a opção, naturalmente não sustentável. O terceiro e último caso de cost finding é de 2.700 dólares norte-americanos, tendo que ver com a contratação de um consultor para o treinamento da Primeira Comissão da Assembleia da República sem concurso público, o que aceito ter sido uma falha.

 

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Contudo, quando se tem um órgão de soberania, neste caso a AR, como parceiro, a dizer, por escrito, que para além da equipa do EISA pretendem ter mais um formador (um renomado professor de Direito), indicando o seu nome, é muito difícil para um gestor não abrir uma excepção. No caso, o tal formador já tinha servido o EISA 15 anos antes, sendo apenas licenciado e sem que eu fizesse ideia de que um dia trabalharia para a organização, e no momento em que foi proposto já tinha o doutoramento feito e com várias publicações de especialidade. São ossos de ofício”.

 

Salema, mas qual acha ser a razão dessa denúncia que levou a essa auditoria forense?

 

“Primeiro, devo dizer que todo o doador sério deve investigar qualquer denúncia que receba, sobretudo se séria e consubstanciada. No caso, creio que a Embaixada da Suécia agiu correctamente, pois não é certo encobertar situações tais. Confesso que não sei. Posso, apenas, fazer leituras. Estava-se, nessa altura, a terminar a fase dois do Programa AGIR, momento no qual a Embaixada da Suécia, o lead donor desse programa, estava a discutir com várias entidades e internamente que outras opções de apoio à sociedade civil poderiam ser consideradas. Então, na área de eleições, de democratização, de governação, o EISA poderia ser um ente a eliminar maquiavelicamente.

 

Outra eventual razão podem ser certos desamores comigo, que assumo como normal nesta vida. Quando estava no Programa AGIR, como director de uma das suas quatro componentes, talvez fui o único gestor a propor o térmico de contratos com certas organizações da sociedade civil, por incapacidade reiterada; a apresentar à direcção máxima da organização uma denúncia a um membro da minha equipa provinda de um parceiro, para a competente investigação; a privilegiar, na contratação de pessoal, os melhores que se candidatavam, não aceitando interferências ou pressões de colegas. Isso tem custos nesta vida. Há, infelizmente, os que acham que nós os africanos trabalhamos apenas para comer e os que pensam que nada se pode fazer nesta vida sem roubar, ainda que tenhamos bom salário, outros rendimentos relevantes, rendimentos do cônjuge, herança, financiamento bancário, e por ai em diante.

 

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Talvez fiz mal por não esconder um pequeno investimento que tenho em Macaneta, no distrito de Marracuane, província do Maputo, fazendo inclusive publicidade do mesmo nas minhas redes sociais, como estratégia de mobilização de clientes. Recordo-me que, em 2014, quando terminava a fase I do Programa AGIR e se esperava decisão sobre como prosseguir com o financiamento da sociedade civil, fui, por exemplo, acusado de ter comprado um BMW na África do Sul a dois milhões de randes, quando se tratava de um carro comprado no Japão a 10% desse valor.

 

E, quando ia comprar essa viatura, mostrei os papéis à minha chefe nessa altura, que disse: ‘fazes muito bem por partilhar isso comigo, pois vocês os moçambicanos gostam muito de fofoca e de atentados ao carácter de outrem’”.      

 

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