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Actualizado de Segunda a Sexta

quarta-feira, 10 agosto 2022 10:05

Leitura breve do PMAE e algumas interrogações, escreve António Souto*

O Programa de Medidas de Aceleração Económica ontem anunciado pelo Governo foi lançado com algum marketing de apoio, incluindo um panfleto amplamente difundido nas redes sociais.

 

Na abertura do panfleto, e ao lado da fotografia do Chefe de Estado, se explica que “...o desempenho da economia Moçambicana tem sido afectada por sucessivos choques...”. E, logo se avança que “um destes choques foi a suspensão do apoio externo ao Orçamento do Estado, motivada pelas dívidas não declaradas...“ Mas, só depois, em parágrafo separado, apresentam-se “outros factores”, designadamente o que já se sabe: ciclones, guerra, inundações... Mas porquê nem uma palavra sobre a crescente vaga de corrupção? Por que separar e destacar o crime das dívidas escondidas?

 

Fica desde logo claro que o panfleto do PMAE tem uma mensagem também para uma arena política.

 

Metendo todos esses “choques” numa mesma panela a que se chama “conjugação de factores” diz-se que a “desaceleração abrupta do ritmo de crescimento da economia” torna “mais evidente algumas fragilidades estruturais da economia do país”. É difícil discordar. Porém, listam-se “os crônicos deficits orçamentais, desequilíbrios históricos da balança de pagamento, baixo nível de competitividade e o elevado nível de endividamento público” como sendo essas “fragilidades estruturais”. Uma análise económica revelaria que estas “fragilidades” são sintomas de problemas estruturais que o panfleto não refere.

 

E para reverter tudo isto apresenta-se como estratégia um “.... pacote estruturado de medidas de reforma que vão colocar o sector privado no centro da transformação económica e do desenvolvimento do País, ...” E o pacote integra 20 medidas que bem poderiam constituir o Plano Quinquenal 2023-202...

 

Como interpretar estas 20 medidas? Numa breve leitura apenas às primeiras, surgem algumas interrogações e reflexões que podem ser úteis para se iniciar um debate que poderia ter sido feito, por exemplo, se tivéssemos um Parlamento activo. Eis sobre o que me questiono:

 

  1. Reduzir taxa do Iva de 17% p 16%

o   - Além do simbolismo de se reduzir 1%, alguém consegue explicar o impacto disto nas famílias? Quando há quase duas décadas o IVA foi introduzido muitos chamaram a atenção do seu impacto negativo nas empresas nacionais e nas famílias caso superasse os 14%. Os contestatários foram convidados a ficar calados. Nos anos que se seguiram o Estado ficou a dever dezenas de milhões de USD às empresas por falta de capacidade financeira e organizativa.

 

  1. Isenção do IVA em fatores de produção agri e eletrificação;

o   Restringindo-se aos produtos importados, os que são localmente produzidos em nada beneficiam. Portanto, fica facilitado o negócio da importação. Há uma elite que vive disto.

 

  1. Baixar a taxa de IRPC de 32% para 10% na agricultura, aquacultura e transportes urbanos (reduzir a taxa liberatória cobrada a entidades estrangeiras que prestam serviços a empresas agrícolas nacionais passando de 20% para 10% e eliminar a retenção na fonte da taxa de 20%)

o   Há muito que investidores internacionais clamavam por isso. Embora a parcela de IRPC proveniente destes sectores seja diminuta (por ser penalizante) , por que só agora? O IMF já veio dizer que o seu modelo e receitas para Moçambique não foram muito acertadas. Vai agora a tempo de corrigir o mal?

 

  1. Estabelecer incentivos fiscais para novos investimentos em sectores chave realizados nos próximos 3 anos (...desde que resultem na criação de pelo menos mais 20 postos de trabalho permanentes);

o   Obviamente isto não é para incentivar os milhares de pequenos empresários nacionais que empregam em média 5 a 15 trabalhadores.

 

  1. Simplificar os procedimentos para repatriamento de capitais

o   Medida sagrada para os grandes investidores internacionais. Há quantos anos isto está no pacote de medidas do “ambiente de negócios” anualmente discutido. Será que vai ter efeito? Em quantos anos?

 

  1. Fortalecimento da supervisão das operações de exportação dos recursos naturais;

o   O que vai ser feito para alterar as máfias nos portos e controlo aduaneiro para que a madeira, o caju, pedras preciosas deixem de sair ilegalmente?

 

  1. Fomento de habitação e a dinamização da indústria nacional de materiais de construção

o   Esta promessa de habitação tem décadas. Mas, particularmente os jovens, mesmo os doutorados sabem bem dessa frustração. Ainda haverá terrenos públicos ou municipais para implementar essa habitação?

 

  1. Alocar 10% das receitas fiscais de recursos naturais ao desenvolvimento das províncias onde a extracção ocorre;

o   Já existem medidas de alocação de receitas públicas às comunidades de onde esses recursos são extraídos. Contudo, apesar de desvios dessas receitas, não se conhecem auditorias a esses procedimentos. O que vai mudar?

 

  1. Criação de um Fundo de Garantia Mutuária

o   Isto foi tentado em 2010, com apoio da Sociedade Portuguesa de Garantias Mútuas, mas o quadro legal do sistema financeiro Moçambicano bloqueou. Agora, quanto tempo será necessário para que legisladores e instituições financeiras se entendam nisto?

 

  1. Introduzir a obrigatoriedade de mistura de combustíveis importados com biocombustíveis.

o   Será para relançar o desastroso projecto jatrofa?

 

As restantes medidas poderão ser apreciadas e discutidas em próximo artigo.

 

É inquestionável que algumas destas medidas eram, são e continuarão a ser necessárias para relançar a economia de Moçambique. Mas, a maior parte delas só serão efectivas se acompanhadas por uma verdadeira revolução no sistema institucional de Moçambique, começando pelo próprio modo de direção e gestão do aparelho de Estado subordinado a uma elite predadora e rentista. Há estudos bem feitos sobre a fragilidade das instituições nacionais e a forma como elas ditam a estrutura económica prevalecente e, consequentemente, tendo como sintomas, as “fragilidades” referidas no panfleto.

 

Por que motivos este “quase plano quinquenal” é lançado depois de acordos com o FMI e que para a sua implementação se concebe uma “Delivery Unit”? Que coincidência ser lançado nas vésperas do congresso do partido no poder há 47 anos? Mas, não é de estranhar, pois trata-se de um panfleto lançado em vésperas de um acontecimento político que vai ditar a correlação de forças entre as várias facções da elite.

 

*Economista

Sir Motors

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