Com quanto poder se exerce o Poder? O País das Assimetrias Raciais foi recentemente a eleições presidenciais. A votação foi movida por todo um complexo misto de aspectos. Os mais notáveis foram o ódio e, claro, a raça.Com quanto poder se exerce o Poder? O País das Assimetrias
Raciais foi recentemente a eleições presidenciais. A votação foi movida por todo um complexo misto de aspectos. Os mais notáveis foram o ódio e, claro, a raça.
Nada surpreendente. É um país construído e indisfarçavelmente mantido sob preconceitos.
E também não surpreende que se tenha finalmente escancarado o mistério sobre quem, de facto, governa aquele país. O presidente, seja ele político de carreira, seja ele um paraquedista dos lobbies financeiros e corporativos, detém o poder formal. É basicamente um rosto. É o rosto de um iceberg de influências e interesses.
Os multimilionários resolveram finalmente dar as caras e deixar claro para o mundo que são eles (e foram sempre eles) quem subtilmente dita as regras do funcionamento do Estado naquele país. Tomaram a linha da frente para o mundo todo ver com quanto poder se exerce o Poder.
O mundo que se escandalize. Que se alvoroce.E, com a expressiva frontalidade que lhes é característica, seguem com a eterna reafirmação de que a sua preocupação é (e sempre foi) estritamente com o interesse da sua sociedade.
E não será essa a essência do objecto da política? O objecto da política é a sociedade. O bem-estar da sociedade. A base de qualquer sociedade são as pessoas. Pessoas têm interesses. É natural. E não pode ser tabu que tais interesses sejam essencialmente económicos. No fim de contas, tudo é economia. Todo bem-estar passa pela economia.
Nenhum país invade o outro por mera vontade de lá subjugar as pessoas e simplesmente fazê-las escravas tão somente pelo capricho de as ver socialmente enjauladas e psicologicamente acorrentadas. É sempre por algum interesse económico. Se calhar nem se trate de o tirano não gostar genuinamente do povo que pretenda escravizar. Ou que já o esteja a escravizar. Por vezes, é mesmo por uma questão de o tirano ser obsessivamente centrado em si próprio. Egocêntrico. Um narcisista doentio.
O poder político consiste resumidamente na capacidade de decidir e regular a conduta de uma sociedade por meio de uma autoridade legitimamente conferida ao decisor. O mais básico dos conceitos sugere economia como sendo a gestão de recursos escassos. A combinação destas duas noções sugere que, historicamente, a economia precede a política. Faz todo sentido. E mesmo porque os recursos precedem o próprio homem. E a política nasce quando o homem entende haver necessidade de regular a sua coexistência com tudo e todos a seu redor.
A regulação da conduta colectiva deve-se fundamentalmente à necessidade de se evitar a colisão entre os interesses individuais e o interesse comum. A essência do interesse comum é a harmonia. Harmonia social.
Até que ponto há-de ser um escândalo um país com uma superpopulação de gigantes de corporações ser subtilmente governado pelo conjunto dos titulares dessas corporações quando não se tem dúvidas de que essas entidades representam o motor e o combustível da economia desse país?
Que sentido teria o poder político sem a economia? Entremos agora para o País das Coisas Inimagináveis. Com quanto poder se exerce aqui o Poder? Quem, de facto, dita as regras aqui no País das Coisas Inimagináveis?
As manifestações de contestação daquela que poderá ter sido a mais fraudulenta eleição presidencial da história do País das Coisas Inimagináveis continuam a destroçar o país. A tendência, ainda que intermitente, é visivelmente incessante. Mas o Partido da Girafa Desamparada ignora tudo e todos e ironiza o dia de São Valentim. Inequivocamente divorciado do mesmo povo a quem acusa de tê-lo massivamente votado nessa eleição, o Partido da Girafa Desamparada resolve presentear o povo com mais conteúdo inflamável para o povo continuar a incendiar o já demasiado carbonizado país. Violou despudoradamente a Constituição da República e fez eleger para Presidente da organização aquele que, há pouco menos de um mês da realização deste evento, contra tudo e a maioria, se tornara descaradamente o quinto Presidente da República.
No fim do aparatoso evento, a Mosquito Bisbilhoteira interpela a própria recém-eleita Girafa Desamparada. E não hesita com as ironias:— Parabéns por mais esta eleição, senhor Girafa Desamparada. Como descreve a sensação de finalmente ser democraticamente eleito para um cargo?
— Não sei se terei percebido a pergunta, senhora jornalista.
A Mosquito Bisbilhoteira tinha plena consciência de quão atrevida tinha sido. E agora achou que podia ser entendido como indecoroso lembrar a Girafa Desamparada do misto de indecência e conivência, um escândalo, que foi necessário para esta ser finalmente plantada na cadeira de
Presidente da República.
Optou, no entanto, pelos ardilosos rodeios que lhe eram característicos.
— Parece seguro afirmar-se que o senhor Girafa Desamparada vai sempre na contramão de tudo e das maiorias decentes.
— Pode ser mais clara ou específica, senhora jornalista?
A Mosquito Bisbilhoteira disse:
— Dias antes deste evento, ouviam-se vozes dizerem unanimemente que o prefixo de “Presidente” parece negar terminantemente de se associar ao seu nome, senhor Girafa Desamparada.
Foi preciso esclarecer. Essas vozes diziam que primeiro tinha sido contra a vontade popular que o senhor Girafa Desamparada chegou ao título de Presidente da República. E agora, já para o cargo de Presidente do seu Partido, uma entidade ligada à sanidade e decência na gestão da coisa pública submeteu aos órgãos competentes uma providência cautelar para impedir que o senhor Girafa Desamparada se fizesse eleger para este cargo.
Em causa, estava a ilegalidade do acto. A Constituição da República, que a Girafa Desamparada jurara obedecer e garantir o cumprimento escrupuloso da mesma enquanto Presidente da República, veda expressamente ao Presidente da República desempenhar quaisquer que sejam as funções privadas.
Portanto, embora esta eleição em si tenha sido (internamente) democrática conforme reconhece a Mosquito Bisbilhoteira, a mesma peca por ter violado a lei-mãe do país. Um atropelo politicamente grosseiro e profissionalmente horrendo para um Presidente de República que é, antes do mais, jurista.
— O senhor Girafa Desamparada entende haver alguma legitimidade para essa frustrada tentativa de o impedir de ser eleito Presidente do seu Partido? Ou considera ser uma espécie de perseguição ou combate do indivíduo que o senhor é?
Não houve resposta. A Mosquito Bisbilhoteira não insistiu. Mas não deu, porém, por encerrado.
— Por acaso o senhor entende que o cargo de Presidente da República neste país precisa imperativamente de ser complementado pelo cargo de Presidente de Partido?
Silêncio. A Mosquito Bisbilhoteira persistiu:
— Por acaso o senhor concorda com o entendimento de que esse acto de o seu Partido forçar ciclicamente que o Presidente da República daqui do País das Coisas Inimagináveis seja igualmente Presidente do Partido que o suporta transmite a ideia de que o cargo de Presidente da República daqui do País das Coisas Inimagináveis há-de ser meramente formal enquanto o Presidente da República não for cumulativamente Presidente de seu próprio Partido? Haverá alguma coisa neste país, da sua competência como Presidente da República, que o senhor acredita que poderia eventualmente não ser capaz de fazer se não fosse também Presidente do seu Partido?
E mais um silêncio. Como que a encerrar, e já exausta, a Mosquito Bisbilhoteira disse:
— Fará sentido entendermos que os seus primeiros 100 dias de governação do país como Presidente da República iniciam-se verdadeiramente hoje com esta eleição a Presidente do seu Partido?
A Girafa Desamparada fingiu não ter percebido a ironia. O sarcasmo.
— Lembro-me de a senhora jornalista me entrevistar logo após a minha tomada de posse para Presidente da República.
— Pois. Eu também me lembro. Há quem entenda ter sido um dia para esquecer. Mas eu me lembro como se tivesse sido hoje mesmo.
Indisfarçavelmente irritada, a Girafa Desamparada disse:
— Se a senhora jornalista se lembra, então sabe perfeitamente que os 100 dias já vêm contando.
A verdade é que já se passavam 30 dias após a tomada de posse para Presidente da República e os primeiros 100 dias contam naturalmente a partir daí. E não com esta ilegal tomada de posse para Presidente de Partido.
E repete-se agora, por fim, a pergunta inaugural.
Com quanto poder se exerce o Poder? Ficava claro que no País das Coisas Inimagináveis o exercício do Poder só é possível com a acumulação ilegal de poderes.
Parece haver sempre alguém acima daquele que se acredita ser o decisor supremo. Se calhar ainda vamos descobrir que há mesmo uma entidade que dá ordens a Deus.
Ocorreram, na semana que ora termina, dois factos que me motivam a escrever este texto, que são os seguintes:
Na Quarta-feira foi assinalado o dia mundial da rádio e, na Sexta-feira o escritor Ungulani Ba Ka Khosa publicou uma belíssima crónica na sua conta do Facebook, na qual lembra a data em que eu e ele chegamos a Lichinga: Fevereiro de 1978.
Bem jovens, na Casa dos 18 anos, cada um para lá enviado pela sua entidade empregadora, íamos ambos em missões mais patrióticas que meramente profissionais, chamados a participar na preparação das primeiras machambas do Estado que estava a nascer.
Se o Ungulani ia integrado no primeiro grupo de professores secundários, da agora chamada 'Geração 8 de Março", eu ia na condição de repórter júnior da Rádio Moçambique (RM), igualmente como primeira "leva" para a planatica cidade.
Digo missões mais patrióticas que meramente profissionais porque, dadas as condições precárias em que elas ocorriam - sem alojamento no destino nem qualquer forma de integração ou compensação - pelo menos no meu caso - estas missões eram verdadeiras "provas de fogo" juvenil, de forma alguma imagináveis hoje.
Comigo vai a Lichinga o Ricardo Dimande, amigo desde a Escola Secundária Josina Machel, após um estágio de preparação político-ideológica e alguns prolegomenos em jornalismo, na sede da RM.
Quando ingresso nos quadros editoriais da RM,em Outubro de 1977, através de concurso público, quase todos os profissionais de comunicação social eram, se não membros com cartão, pelo menos militantes e defensores públicos da FRELIMO. Bastará referir que no seu primeiro seminário nacional, de 1977, os membros desta classe, dirigidos pelo partido único, tinham atribuído ao sector a missão de "Fazer da Informação um Destacamento Avançado da Luta de Classes e na Revolução". Uma missão pesadíssima, diga-se de passagem.
Em Maputo, quando eu e o Ricardo Dimande comunicavamos a familiares e amigos que tínhamos sido colocados em Niassa...havia sempre alguma reacção de incredulidade, se não mesmo de alguma comoção, em que em silêncio as pessoas nos perguntavam: "por que estão a ser castigados?" Porque era essa a conotação geral de Niassa: uma terra sinistra, para onde eram desterrados aqueles em conflito com a Revolução, fossem "reacionários", fossem "corruptos" de variada estirpe.
Mas vai ser em Lichinga, e neste calor de revolução e temor, onde, iniciando-me em jornalismo, vou tomar contacto com a rádio, à altura um verdadeiro fenómeno comunicacional, simultaneamente prestigiante e poderosíssimo, enquanto principal instrumento de indução politico-ideológica do Partido-Estado.
Mas como tudo nessa altura, a nossa missão, nós os dois repórteres, guiados pelo Delegado,o recém-falexido Tiago Viegas, era efectivamente iniciar um emissor provincial...a partir de equipamento absolutamente precário e obsoleto, herdado de uma pequena emissora colonial local, ora integrada da RM.
Nos três anos em que lá permaneci, (1978-1981) nunca tivemos uma única viatura para trabalhar. Nem casa para viver. Trabalhavamos a pé. Ou em boleias de viaturas de direcções provinciais do governo: educação, saúde, agricultura, comissão provincial das aldeias comunais.
Outras alternativas eram o velho comboio para Cuamba, tão lento que fazia você preferir descer e continuar a viagem a pé! Ou os desconjuntados machimbombos da ROMON (Rodoviária Moçambique Norte).
Aprendemos, à força, a pernoitar em aldeias recônditas, acolhidos calorosamente em casas de camponeses, que nos ofereciam camas de paus pregados ao chão e bases feitas de cordas entrelaçadas. Dores nas costas? Você só vai sentir no primeiro dia seguinte.
Para explorar ao máximo o material noticioso que recolhia nos distritos, preparava reportagens paralelas para a lendária revista "Tempo", pedindo a sua publicação a custo zero: a mim bastava saber que um texto da minha autoria seria publicado numa revista com nomes como: Albino Magaia, Aerosa Pena, Filipe Ribas , Alves Gomes...E ficava verdadeiramente empolgado de cada vez que recebia uma cópia da "Tempo" com um texto em que em baixo vinha: 'Tomás Vieira Mário'. Assim aprendi também a líder com o jornalismo de imprensa.
A partir de Lichinga enviavamos as notícias para a sede em Maputo, lendo-as ao telefone , a meio da tarde. Para tanto, era preciso pedir chamada telefónica ao PBX da delegacia da empresa Correios,Telégrafos e Telefones(CTT), - ja extinta - para uma determinada hora. E como a linha telefônica tinha sempre muito ruído, era preciso saber ler bem em voz alta, para a Central Técnica da sede gravar as notícias em bobinas.
Sendo poucos, no emissor provincial fazíamos todos um pouco de tudo: desde reportagens, montagem de peças e de programas em fitas magnéticas,realização de emissões, etc. Esta circunstância, de graves carências de técnicos, dava-nos, em contrapartida,uma enorme recompensa: a oportunidade de conhecer o fenómeno da radiodifusão em toda a linha de produção de conteúdos.
Além daqueles gravadores de cassetes, a que chamávamos de tijolos, ainda tínhamos um enorme gravador de bobinas, muito pesado, que carregavamos, para reportagens mais longas.
Um dia, levando este pesado gravador às costas, a gravar um longo comício popular ,dirigido pelo Governador da Província, Aurélio Manave, na história localidade de Matchedje,depois de horas em pé, senti-me de repente sem ar e cai, zonzo. Era muita fome acumulada. E sede.
Ocorreram, na semana que ora termina, dois factos que me motivam a escrever este texto, que são os seguintes:
Na Quarta-feira foi assinalado o dia mundial da rádio e, na Sexta-feira o escritor Ungulani Ba Ka Khosa publicou uma belíssima crónica na sua conta do Facebook, na qual lembra a data em que eu e ele chegamos a Lichinga: Fevereiro de 1978.
Bem jovens, na Casa dos 18 anos, cada um para lá enviado pela sua entidade empregadora, íamos ambos em missões mais patrióticas que meramente profissionais, chamados a participar na preparação das primeiras machambas do Estado que estava a nascer.
Se o Ungulani ia integrado no primeiro grupo de professores secundários, da agora chamada 'Geração 8 de Março", eu ia na condição de repórter júnior da Rádio Moçambique (RM), igualmente como primeira "leva" para a planatica cidade.
Digo missões mais patrióticas que meramente profissionais porque, dadas as condições precárias em que elas ocorriam - sem alojamento no destino nem qualquer forma de integração ou compensação - pelo menos no meu caso - estas missões eram verdadeiras "provas de fogo" juvenil, de forma alguma imagináveis hoje.
Comigo vai a Lichinga o Ricardo Dimande, amigo desde a Escola Secundária Josina Machel, após um estágio de preparação político-ideológica e alguns prolegomenos em jornalismo, na sede da RM.
Quando ingresso nos quadros editoriais da RM,em Outubro de 1977, através de concurso público, quase todos os profissionais de comunicação social eram, se não membros com cartão, pelo menos militantes e defensores públicos da FRELIMO. Bastará referir que no seu primeiro seminário nacional, de 1977, os membros desta classe, dirigidos pelo partido único, tinham atribuído ao sector a missão de "Fazer da Informação um Destacamento Avançado da Luta de Classes e na Revolução". Uma missão pesadíssima, diga-se de passagem.
Em Maputo, quando eu e o Ricardo Dimande comunicavamos a familiares e amigos que tínhamos sido colocados em Niassa...havia sempre alguma reacção de incredulidade, se não mesmo de alguma comoção, em que em silêncio as pessoas nos perguntavam: "por que estão a ser castigados?" Porque era essa a conotação geral de Niassa: uma terra sinistra, para onde eram desterrados aqueles em conflito com a Revolução, fossem "reacionários", fossem "corruptos" de variada estirpe.
Mas vai ser em Lichinga, e neste calor de revolução e temor, onde, iniciando-me em jornalismo, vou tomar contacto com a rádio, à altura um verdadeiro fenómeno comunicacional, simultaneamente prestigiante e poderosíssimo, enquanto principal instrumento de indução politico-ideológica do Partido-Estado.
Mas como tudo nessa altura, a nossa missão, nós os dois repórteres, guiados pelo Delegado,o recém-falexido Tiago Viegas, era efectivamente iniciar um emissor provincial...a partir de equipamento absolutamente precário e obsoleto, herdado de uma pequena emissora colonial local, ora integrada da RM.
Nos três anos em que lá permaneci, (1978-1981) nunca tivemos uma única viatura para trabalhar. Nem casa para viver. Trabalhavamos a pé. Ou em boleias de viaturas de direcções provinciais do governo: educação, saúde, agricultura, comissão provincial das aldeias comunais.
Outras alternativas eram o velho comboio para Cuamba, tão lento que fazia você preferir descer e continuar a viagem a pé! Ou os desconjuntados machimbombos da ROMON (Rodoviária Moçambique Norte).
Aprendemos, à força, a pernoitar em aldeias recônditas, acolhidos calorosamente em casas de camponeses, que nos ofereciam camas de paus pregados ao chão e bases feitas de cordas entrelaçadas. Dores nas costas? Você só vai sentir no primeiro dia seguinte.
Para explorar ao máximo o material noticioso que recolhia nos distritos, preparava reportagens paralelas para a lendária revista "Tempo", pedindo a sua publicação a custo zero: a mim bastava saber que um texto da minha autoria seria publicado numa revista com nomes como: Albino Magaia, Aerosa Pena, Filipe Ribas , Alves Gomes...E ficava verdadeiramente empolgado de cada vez que recebia uma cópia da "Tempo" com um texto em que em baixo vinha: 'Tomás Vieira Mário'. Assim aprendi também a líder com o jornalismo de imprensa.
A partir de Lichinga enviavamos as notícias para a sede em Maputo, lendo-as ao telefone , a meio da tarde. Para tanto, era preciso pedir chamada telefónica ao PBX da delegacia da empresa Correios,Telégrafos e Telefones(CTT), - ja extinta - para uma determinada hora. E como a linha telefônica tinha sempre muito ruído, era preciso saber ler bem em voz alta, para a Central Técnica da sede gravar as notícias em bobinas.
Sendo poucos, no emissor provincial fazíamos todos um pouco de tudo: desde reportagens, montagem de peças e de programas em fitas magnéticas,realização de emissões, etc. Esta circunstância, de graves carências de técnicos, dava-nos, em contrapartida,uma enorme recompensa: a oportunidade de conhecer o fenómeno da radiodifusão em toda a linha de produção de conteúdos.
Além daqueles gravadores de cassetes, a que chamávamos de tijolos, ainda tínhamos um enorme gravador de bobinas, muito pesado, que carregavamos, para reportagens mais longas.
Um dia, levando este pesado gravador às costas, a gravar um longo comício popular ,dirigido pelo Governador da Província, Aurélio Manave, na história localidade de Matchedje,depois de horas em pé, senti-me de repente sem ar e cai, zonzo. Era muita fome acumulada. E sede.
Na semana passada, três rádios comunitárias de Nampula —Encontro, Haq e Vida — foram suspensas pelo Instituto Nacional das Comunicações de Moçambique (INCM), sob a alegação de que as suas transmissões estavam a interferir nas comunicações entre aeronaves e a torre de controlo do aeroporto. Segundo o comunicado do INCM, a emissão conjunta dessas rádios estaria a ser captada na frequência 113.8 MHz, dentro da faixa reservada para navegação aérea.Na semana passada, três rádios comunitárias de Nampula —Encontro, Haq e Vida — foram suspensas pelo Instituto Nacional das Comunicações de Moçambique (INCM), sob a alegação de que as suas transmissões estavam a interferir nas comunicações entre aeronaves e a torre de controlo do aeroporto. Segundo o comunicado do INCM, a emissão conjunta dessas rádios estaria a ser captada na frequência 113.8 MHz, dentro da faixa reservada para navegação aérea.
À primeira vista, o argumento técnico parece legítimo. Afinal, qualquer interferência nas comunicações aeronáuticas representa um risco real para a segurança dos voos. Mas basta analisar os detalhes do caso para perceber que a decisão do INCM apresenta graves inconsistências e levanta suspeitas de censura disfarçada de regulação técnica.
1. Onde está a transparência técnica?
Se a interferência de facto existiu, o mínimo que se espera de um órgão regulador é que apresente relatórios técnicos detalhados e verificáveis. No entanto, até agora, o INCM apenas divulgou um comunicado genérico, sem provas concretas de que as rádios foram a causa do problema.
Nenhum documento técnico foi disponibilizado ao público, nem há informações sobre como foi feito o diagnóstico da interferência.
Quais foram os métodos utilizados para identificar a fonte da interferência? Outras emissoras na região foram analisadas? Foram feitos testes para verificar se a interferência persistia após ajustes técnicos?
Se a intenção era resolver um problema técnico, por que não houve um laudo técnico independente a confirmar a suposta interferência?
2. Por que não houve prazo para correcção?
Um aspecto alarmante da decisão do INCM foi o encerramento imediato das rádios, sem que elas tivessem qualquer chance de corrigir o problema.
A prática comum em casos de interferência é notificar as rádios e conceder um prazo para que ajustem osseus transmissores. Isso pode ser feito de várias formas:
a. Redução temporária da potência do sinal.
b. Realinhamento de frequências
c. Uso de filtros de emissão para evitar vazamentos de sinal
Mas, ao invés de oferecer um prazo técnico razoável para ajustes, o INCM simplesmente ordenou o desligamento imediato, o que gera suspeitas sobre se o objectivo era corrigir um problema técnico ou silenciar as rádios.
3. Como três rádios comunitárias causaram o mesmo problema ao mesmo tempo?
O INCM afirma que a interferência foi causada por uma “emissão conjunta” das três rádios. Mas essa explicação não faz sentido técnico. Cada rádio opera em frequências distintas, pois é assim que o espectro de radiodifusão é organizado. Para que houvesse uma interferência conjunta as três rádios teriam que estar a transmitir na mesma faixa de frequência (o que não acontece). Todas teriam que ter problemas técnicos idênticos ao mesmo tempo (o que é improvável). Ou o problema estaria noutro lugar — por exemplo, no próprio sistema de comunicação do aeroporto.
Se a interferência realmente existia, por que só essas três rádios foram afectadas? Há várias outras emissoras na cidade, algumas com transmissores mais potentes. Elas foram analisadas?
4. O que mudou para que, de repente, as rádios passassem a interferir?
As três rádios comunitárias suspensas operam há anos na cidade de Nampula, sem qualquer histórico de interferência no tráfego aéreo.
Se de facto houve um problema técnico agora, a pergunta óbvia é: o que mudou? Houve aumento na potência das emissões dessas rádios? Os equipamentos de transmissão foram alterados recentemente? Ou o problema sempre existiu e só agora foi identificado?
Sem respostas claras para essas perguntas, a decisão do INCM se torna ainda mais suspeita.
O fechamento dessas três rádios precisa ser analisado no contexto mais amplo da liberdade de imprensa em Moçambique. Nos últimos anos, rádios comunitárias têm sido alvo frequente de intimidação, restrições e encerramentos arbitrários. Elas desempenham um papel crucial em informar a população, especialmente em áreas onde a mídia estatal não chega ou onde a informação independente é escassa.
É difícil ignorar que as rádios afectadas são comunitárias e frequentemente dão espaço para vozes críticas e denúncias locais. Será coincidência que somente elas foram desligadas, enquanto rádios comerciais continuam a operar sem problemas?
Em países com tendências autoritárias, alegações técnicas como “interferência no tráfego aéreo” são frequentemente usadas para justificar a censura. Se o objectivo real fosse garantir segurança aeronáutica, por que não houve um processo transparente e técnico para corrigir o problema, ao invés de simplesmente desligar as rádios?
Se o INCM quer manter a sua credibilidade como regulador, precisa responder com urgência a essas questões:
1. Publicar um relatório técnico detalhado a explicar a suposta interferência e como ela foi identificada.
2. Permitir que as rádios façam ajustes técnicos antes de uma suspensão arbitrária.
3. Garantir um processo regulatório justo e transparente, sem decisões unilaterais.
4. Investigar se há influência política por trás do encerramento das rádios.
A liberdade de imprensa não pode ser desligada com um simples aviso de suspensão. Se houver um problema técnico, que seja tratado como tal. Mas se o objectivo for calar rádios comunitárias e limitar o acesso à informação, então estamos diante de mais um ataque à liberdade de expressão em Moçambique.O país precisa de mais transparência e menos pretextos. Enquanto isso não acontecer, continuará a pairar a dúvida: interferência no tráfego aéreo ou interferência na liberdade de imprensa?
* Jornalista e Director Executivo na empresa Mídia Lab
Ah, Azagaia, o poeta que ousou não se conformar! Digo, quem diria que um sujeito com a audácia de questionar o status quo, um artista que escolheu empunhar a caneta como espada, faria algo além de ser engolido pela máquina de moer a resistência? Aí está o grande truque: enquanto os pacifistas da opressão nos pregam uma paz estéril e suicida, Azagaia prefere ser a pedra no sapato do sistema! De Moçambique, ele exportou para os PALOP o hino: O povo no Poder!Ah, Azagaia, o poeta que ousou não se conformar! Digo, quem diria que um sujeito com a audácia de questionar o status quo, um artista que escolheu empunhar a caneta como espada, faria algo além de ser engolido pela máquina de moer a resistência? Aí está o grande truque: enquanto os pacifistas da opressão nos pregam uma paz estéril e suicida, Azagaia prefere ser a pedra no sapato do sistema! De Moçambique, ele exportou para os PALOP o hino: O povo no Poder!
Vejam só! Ele, que não aceitou a destruição lenta da alma em nome da sobrevivência, foi apontado como um inimigo. Como sempre, a classe dominante, que preza pela pacificação de todos, se encarrega de transformar qualquer brisa de liberdade em tempestade de repressão. De repente, doutrinando crianças, transformando um herói em mero drogado.
“Toda destruição é autodestruição!”, diria Azagaia, para nossa surpresa. E qual não é a destruição maior do que aceitar a mentira de que o conformismo é paz? A classe opressora sabe muito bem disso: destruir os que lutam pela liberdade é a única maneira de manter a ilusão de que estamos “renascendo” quando, na verdade, estamos todos morrendo aos poucos.
A vida, para os verdadeiros revolucionários, não é uma troca de opressores, mas uma troca de consciências. E Azagaia sabia disso. Ao contrário dos que se contentam com os pedaços de pão oferecidos pelo sistema, ele nos acordou: viver é resistir, não é engolir os venenos do sistema e esperar que nos matemos lentamente, como um suicídio social auto-imposto. O renascimento que ele pregava não é aquele que nos dizem, o da "boa convivência" com a opressão, mas o renascimento de uma nova consciência que rejeita esse suicídio diário.
Renascer, portanto, é lutar, não se render à destruição silenciosa. A luta de Azagaia não era apenas contra as injustiças gritantes, mas contra o silêncio cúmplice dos que preferem morrer sem que o mundo perceba. Toda vez que Azagaia fazia sua voz soar mais forte, ele não estava apenas falando por si mesmo, mas por todos aqueles que se negam a ser engolidos por uma sociedade que lhes diz que viver é aceitar.
Em resumo, Azagaia não foi um mero poeta. Ele foi um panfletista da revolução da alma. E como todos os grandes revolucionários, tentaram o engolir. E talvez, na maior ironia de todas, essa incompreensão seja a prova de que ele estava no caminho certo. Porque os que falam a verdade, mesmo que poucos ouçam, jamais morrem — eles renascem a cada alma que se recusa a se curvar ao suicídio coletivo.
Não quero que retirem o nome de Azagaia do livro que o difama. Quero que ele seja literatura obrigatória nas escolas, uma fonte inesgotável de reflexão sobre quando a liberdade e o senso crítico são levados até as últimas consequências. Azagaia deve ser celebrado, não por ser perfeito, mas por ser verdadeiro. Por nunca ceder às amarras do conformismo e por nos lembrar que a luta pela liberdade é, acima de tudo, uma luta pela alma do povo.
Grito desde São Tomé, das ilhas, sem entender bem a palavra que ressoa desde o meu atavismo pálido enquanto estudante no ensino secundário na altura:
Cubaliwa!
Cubaliwa!
Essa é a herança Moz que ecoa em toda a minha alma panafricanista.
*Ivanick Lopandza é um jovem intelectual, poeta e activista social santomense, com ADN paternal congolês, membro fundador do colectivo Ilha dos Poetas Vivos em São Tomé no ano de 2022, com seus companheiros santomenses Marty Pereira, Remy Diogo e moçambicano MiltoNeladas (Milton Machel). Autor de livros de poesia, Ivanick é também bloguista, curando seu blogue Lopandzart.
O dia 3 de Março de cada ano escolar era o da última chamada a fim de ajustar e compor a lista definitiva de cada turma. Este procedimento administrativo era, salvo erro, apelidado de ῎Estatística 3 de Março῎. Tempos idos do secundário, e não sei se ainda é feita esta prática.
Nesta data, ou a propósito dela, que era, na verdade, o primeiro dia obrigatório desde o início do ano lectivo em meados do mês de Fevereiro, lembro-me que a medida da chamada a plateia estudantil respondia: ῎Mudou de escola῎, ῎Viajou e ainda não voltou῎, ῎Foi estudar fora do país῎,
῎Estuda de manhã῎,῎Desistiu de estudar῎ e por ai fora.
O preâmbulo vem a respeito da composição final da nova equipa para a governação do país no mandato que ora inicia. Suponho que também haja uma data em que o Presidente da República (PR) fará a última chamada. Quem até a essa data não for chamado, o melhor é recolher as armas e aguardar o próximo mandato.
Mas nem tudo está perdido. Há uma esperança no fundo do túnel que resulta da experiência escolar pós-῎Estatística 3 de Março῎, com a ocorrência, embora não fosse normal, do ingresso de novos colegas fora do período estipulado.
Neste contexto, e até à data do procedimento governamental da ῎Estatística 3 de Março῎, a esperança de uma brecha, nem que seja no final do mandato, para os potenciais auto-elegíveis que não tiverem sido chamados pelo PR durante a temporada regulamentar.
Desse tempo do secundário nunca esqueci-me de um colega pós-῎Estatística 3 de Março῎ cuja presença foi justificada como passageira e com o argumento de que ele estava a espera de um voo para uma das províncias e que nunca mais decolou.
Por acaso, recentemente, cruzei-me com este colega, hoje um renomado médico cardio-neurologista. E sempre que me cruzo com ele a minha saudação é, carinhosamente, a mesma: ῎Então, para quando o voo?῎.
Espero, para terminar, que os análogos pós -῎Estatística 3 de Março῎ governamental mantenham sempre a esperança e o sorriso quando forem saudados na rua por um sarcástico ῎Então, para quando o cargo?῎, que será bem melhor do que estarem a cargo do meu amigo médico cardio-neurologista numa central de cuidados intensivos.
Na quinta-feira da semana passada, a autoestrada N4, que liga Moçambique a África do Sul e escoa mercadoria vital para o consumo do país e matéra-prima de exportação sul-africana, foi barricada pela enésima vez. O motivo alegado pelos rebeldes populares foi o mesmo: a Polícia tinha levado consigo um membro da comunidade, alegadamente apoiante do partido Podemos. Nesse dia, trocas comerciais foram afectadas. O Porto de Maputo ficou interrompido, com perdas drásticas nas suas operações. Na quinta-feira da semana, a autoestrada N4, que liga Moçambique a África do
Sul e escoa mercadoria vital para o consumo do país e matéra-prima de exportação sul-africana, foi barricada pela enésima vez. O motivo alegado pelos rebeldes populares foi o mesmo: a Polícia tinha levado consigo um membro da comunidade, alegadamente apoiante do partido Podemos.
Nesse dia, trocas comerciais foram afectadas. O Porto de Maputo ficou interrompido, com perdas drásticas nas suas operações.
No caso do Porto, foi a segunda vez em menos de dez dias. Na semana passada, uma pequena barricada na Matola - a barricada é derradeiro subproduto do Venancismo mais abominável - atrasou as entregas de mais de 800 camiões.
Nesta quarta-feira, o vilarejo de Cumbana, em Inhambane, foi palco de uma violência sem paralelo. Os rebeldes populares bloquearam a EN1. A mesma tragédia repetiu-se em Inharrime, também em Inhambane. O relato quase cinematográfico de um camionista dava conta de um cenário dantesco, medonho, uma quase que divina…tragédia. Era violência avulsa na pilhagem de bens privados. O alvo era arroz e cimento de construção, produtos que VM7 alega que são vendidos no retalho com margens de lucro astronómicas.
Na ressaca dos tumultos do pós-eleições, impera este modus vivendi criminoso um pouco por todo o país. Nas ruas de Maputo vigora o saque a viaturas. Nesta semana, em Homoíne, um grupo introduziu-se num estabelecimento comercial e mandou a proprietária vender o saco de arroz a um preço abaixo que do que praticava!
Eis a nóvel Comissão de Nacional de Preços, surgida do Venancismo, cujo mentor veio esta semana acusar a Moçambique Dugongo Cimentos (consórcio entre a Western International Holdings Limited, uma joint venture com a holding SPI, do partido Frelimo) de estar vender na África do Sul o saco de cimento mais barato que em Moçambique. Ele apresentou suas contas.
Seja como for, o país vive numa anarquia e o turismo, um dos poucos “assets” que dá emprego e receitas, está definhando.
Perante esta instabilidade, com os terríveis padrões de insegurança em que vivemos, quem defende a sociedade e a economia? Eis a questão.
A resposta a esta pergunta remete para uma avaliação da narrativa do novo incumbente da Ponta Vermelha, Daniel Chapo.
O novo Presidente ainda não deu garantias de ruptura com o anterior quadro discursivo da Frelimo. Não, não ele não propôs essa ruptura. Mas uma leitura da realidade sugere que o caminho seria esse.
Chapo ainda não apresentou uma perspectiva clara de como vai lidar com a juventude da rebeldia popular. Pior, ele não consegue ver no perfil dos manifestantes jovens com demandas genuínas e honestas. Apenas vê manifestantes desordeiros. De modo que, tal como ele deixou claro na investidura, semana passada, de Àquilasse Manda, Vice-Comandante Geral da Polícia, Chapo insiste na solução coerciva. Ele exige a Polícia controle as manifestações. O problema é que esta Polícia não sabe controlar… só sabe reprimir e matar. E é isso que está acontecendo um pouco por todo país, provocando esse efeito perverso da barricada de estradas e vias de acesso.
É óbvia que a Polícia não deve ficar de braços cruzados perante a arruaça em curso. Cenas de pura ladroagem, de agressão e de chantagem contra bens privados deve ser severamente repremida. Mas os olhos do Presidente deviam enxergar mais longe, para lá de uma gangue de desordeiros.
O presente bloqueio da economia decorre de dois factores: i) a perseguição e eliminação de opositores do regime; ii) o incitamento de VM7 para preços justos e acessíveis.
Daniel Chapo está perante estes dois desafios. Para contorná-los, ele deve engendrar a ruptura. Ontem, no seu discurso como Presidente da Frelimo ele disse que era preciso “mudar” mas não foi devidamente assertivo sobre o alcance dessa mudança.
Para a crise em que vivemos, mudar significaria mandar impedir a perseguição de opositores por parte da Polícia; e estender uma ponte de diálogo com VM7.
Chapo não consegue fazer isso, amarrado ao dogma da inação (depois veremos) do partido que continua a exibir a bandeira da independência como sua principal arma de arremesso, 50 anos depois. No contexto actual em que os novos grupos demográficos olham para a independência como um facto consumado e têm outras demandas.
Chapo fala em diálogo mas nunca faz o esperado “walk the walk”. Esperemo para ver. Para já o “chapismo” ainda parece um “Nyussismo” encapotado, com a repressão como seu mais notável indicador!