Edgar Barroso
Li um texto muito problemático, publicado no jornal Carta de Moçambique da ultima sexta-feira (12 de Abril de 2019) e da autoria do intelectual (?) Egídio Vaz. Em praticamente 2/3 (dois terços) do referido texto, intitulado “Reflexão em torno do actual pânico moral”, o articulista faz citações não textuais do que ele percebeu de um livro de um dado autor (Stanley Cohen, “Folk Devils and Moral Panics”, 2011). Nos restantes 1/3 (um terço) do texto, o articulista tenta fazer uma transposição do que cita no texto com a realidade moçambicana actual. Dentre outras coisas, Egídio Vaz chama de “pânico moral” aos esforços conjugados de alguns indivíduos, de algumas organizações da sociedade civil e da imprensa independente na identificação, denúncia e pressão para a devida responsabilização dos grandes dossiers de corrupção em Moçambique.
Sugiro que a 'Tê-Vê-Eme' e o 'Notícias' partilhem com o público os seus dicionários e gramáticas. O jornalista deve partilhar os mesmos códigos com sua audiência. Aliás, é isso que dizem as teorias de comunicação. Um dos elementos mais importantes da comunicação, desde o modelo comunicacional de Aristóteles até ao de Harold Dwight Lasswell, é o código.
Agora, quando vemos, lemos ou ouvimos notícias elaboradas por certos canais da vanguarda já não sabemos o que significa o quê. Quando você pensa que "despenhar-se" é "cair", a Tê-Vê-Eme vem nos ensinar que a coisa não é bem assim. Afinal, "despenhar-se" é "aterrar de emergência". E foi assim que, há alguns anos, o jornal Notícias entregou Mugabe aos golpistas. O cota ficou na sala sorvendo do bom vinho e contando as rugas do saco, enquanto os golpistas estavam na varanda. O 'Notícias' garantiu ao velhote que os disparos que estava a ouvir eram de mancebos de Matalane que tinham transformado a varanda do palácio em carreira-de-tiro. O velhote tinha um vocabulário comum. Resultado: Mugabe foi encontrado com os seus "matxendes" na mão.
Assim, se estiver no voo e o piloto anunciar uma aterragem de emergência, é melhor começar a mijar e pedir uma "Bic" para actualizar o testamento... significa que o avião já perdeu uma asa e está a cair de bico. De resto, são outros dicionários, outras teorias, outros manuais e outros jornalismos. Aqui a ideia não é informar, mas baralhar para perpetuar o 'status quo'. Estamos a falar daquela imprensa que vive do nosso suor. Seria bastante triste se não fosse cómico.
- Co'licença!
Bateram à porta com violência. Foram três pancadas de rajada que pareciam o matraquear de uma AK-47 disparada para aviso. O homem assustou-se. Levantou ligeiramente a cabeça do travesseiro e perguntou-se a si mesmo, mas o que é isto!? Bateram outra vez, na mesma cadência. Com a mesma intensidade bruta. E agora percebeu que na verdade estava alguém lá fora. Olhou para o relógio, eram duas horas da madrugada e lembrou-se, uma pessoa que te procura à esta hora é para te matar.
"Pânico moral" é um conceito de sociologia cunhado por Stanley Cohen, em 1972 – [cf: Cohen, S. (2011). Folk devils and moral panics. Routledge.], para definir a reação de um grupo de pessoas baseada na falsa ou empolada perceção de que o comportamento de um determinado grupo, normalmente uma minoria ou uma subcultura, é perigoso e representa uma ameaça para a sociedade no seu todo. O termo tem sido amplamente adotado tanto pelos meios de comunicação de massa quanto no uso cotidiano para se referir à reação social exagerada causada pelas atividades destes determinados grupos e/ou indivíduos, invariavelmente vistos como grandes preocupações sociais e a reação da mídia amplia esse "pânico" que os cerca.
Existem, de acordo com o Cohen, quatro fases para a construção do pânico moral, nomeadamente:
Mais ainda, Stanley Cohen mostrou que os órgãos de comunicação de massa eram a principal fonte de conhecimento do público sobre comportamentos desviantes e problemas sociais. Ele argumentou ainda que o pânico moral dá origem ao diabo público, através da etiquetagem das ações e dos indivíduos.
De acordo com Cohen, a comunicação social (e agora as redes socais também) desempenham uma ou todas três principais funções para a consolidação do pânico moral.
Para terminar, importa falar das características do pânico moral. São cinco, nomeadamente:
EPIFENÓMENO: fenômeno secundário que ocorre ao lado ou paralelamente a um fenômeno primário, ou simplesmente, subproduto de um fenómeno.
Às vezes, e para o nosso caso (moçambicano), os pânicos morais manifestam-se em forma de epifenómenos, caracterizados por “ondas de indignação” coletiva ou mesmo seletiva, que de forma sucessiva se substituem, à medida que elas vão caindo no esquecimento.
Enquanto grande parte do debate público e de movimentos de advocacia ancorar-se à volta de “pânicos morais” e epifenómenos, dificilmente estes chegarão a lado algum, senão a letargia e resignação. O pânico moral anda de mãos dadas com a etiquetagem e o medo.
O advento das redes sociais propicia a difusão do pânico, do medo, de rumores e de notícias falsas, levando a que as pessoas tomem atitudes congruentes a essas mesmas notícias em tempo real, mesmo que posteriormente tais notícias ou pânicos se revelem falsas.
A característica mais perigosa com a qual o mundo cibernético deve agora lidar chama-se decadência da verdade, caracterizada pela supremacia da opinião sobre os factos: o cinismo, o anti-intelectualismo bem como a emergência de subculturas e contraculturas; crescente divergência sobre factos e interpretações analíticas sobre os mesmos, indefinição da linha entre opinião e facto, abundância em termos de quantidade e disponibilidade e consequente maior influência da opinião e experiência pessoal sobre facto e o declínio da confiança em fontes e factos anteriormente respeitados.
Isto tudo contribui para que os cidadãos não sejam capazes de pensar fora do âmbito de emergência em que se encontram, contribuindo para uma esfera pública em permanente ebulição.
Referências
Arbesman, S. (2012). Truth decay: the half-life of facts. New Scientist, 215(2883), 36-39.
Cohen, S. (2011). Folk devils and moral panics. Routledge
Rich, M. D. (2018). Truth decay: An initial exploration of the diminishing role of facts and analysis in American public life. Rand Corporation.
Pessoal, vamos lá ficar um pouco mais atentos. Muito provavelmente, estes senhores querem criar uma República Oculta na cadeia. Olha lá! Não é normal isso! É que o tipo de indivíduos que foram constituídos arguidos (presos e livres) ou que foram simplesmente ouvidos como declarantes no caso das dívidas ocultas são, do ponto de vista de currículo, suficientes para se criar uma República com todos os órgãos que compõem o Estado. É um autêntico governo.
Aliás, o relatório da Kroll é um governo codificado e escondido numa gaveta da Procuradoria. Tem tudo lá, desde presidentes, ministros, secretárias, assessores políticos, governadores, embaixadores, Pê-Cê-As, agentes da secreta, lobistas e empresários. Com a entrada do antigo Governador do Banco Central na equipa já estão criadas as condições para se ter um Estado Oculto que pode funcionar directamente do xilindró.
Eu já estou a começar a ter medo disso! Provavelmente, prender todos os gatunos ao mesmo tempo não seja uma boa ideia. Os gajos podem criar uma República escondida aqui dentro do país. Que tal fazermos uma escala de prisão?! Do tipo, os mais velhos serem presos primeiro, sei lá!!! Ou os presidentes primeiro; depois, os ministros; depois, os embaixadores; depois, os governadores; e assim sucessivamente até chegarmos à secretária! Sei lá né, pessoal, mas todos lá dentro de uma só vez pode não ser bom. Talvez separarmos os gajos: uns nas Américas, outros em Madagascar ou na Antártida.
Podemos estar aqui a pensar que é tudo brincadeira e nos surpreendermos amanhã. Podemos acordar um dia com uma República a funcionar da cadeia, com representações diplomáticas e direito à assento nas Nações Unidas. Ou seja, de repente, as nossas cadeias podem virar um País autónomo. De resto, pelos montantes envolvidos, não será um País qualquer! Será um País com capacidade até de conceder empréstimos à Moçambique para combater a corrupção.
- Co'licença!